Fadas do lar que “sabem organizar a casa” ou mães que com o desejo de ter mais filhos estão a “ajudar o país a crescer sustentadamente” são representações feitas por Paulo Portas e Pedro Passos Coelho nos últimos dias em discursos da pré-campanha. À esquerda, também Fernando Rosas disse que três das principais figuras do Bloco de Esquerda, Marisa Matias, Mariana Mortágua e Catarina Martins, o deixavam de “coração reconfortado” por serem “meninas magníficas”. Faz sentido este discurso no séc. XXI? E que dizem estas palavras sobre quem as profere?
“As mulheres sabem que têm de organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos. Foram os portugueses que conseguiram, com os seus sacrifícios, vencer a crise e quero fazer uma homenagem especial às mulheres que aguentaram os anos de chumbo da recessão da herança do PS e procuraram conseguir que os filhos tivessem um futuro melhor”, disse Paulo Portas
Perante 1.500 mulheres apoiantes da coligação Portugal à Frente, num jantar-comício, Paulo Portas disse que “as mulheres sabem que têm de organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos”. As palavras do presidente do CDS agitaram as redes sociais e levaram a muitas críticas. Segundo Maria Helena Santos, investigadora no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), as críticas são justificadas. “Apesar da evolução registada nas últimas décadas no que diz respeito à igualdade de género, continuamos a ser ‘presenteadas/os’ com afirmações deste tipo que continuam a subvalorizar as mulheres e a remetê-las para o lar. E se já não é correcto falar das mulheres dessa forma na sociedade, em geral, é particularmente grave continuarmos a ouvir falar das mulheres dessa forma no contexto da política”, sublinhou a investigadora ao Observador, afirmando que a igualdade entre géneros enunciada na Constituição da República deveria ter eco no discurso político.
Esta retórica foi criticada por Ana Catarina Mendes, cabeça de lista do PS a Setúbal, dizendo esta sexta-feira num comício com António Costa que se tratou de um discurso “salazarento, bafiento e conservador” do líder do CDS-PP, sobre o papel das mulheres na sociedade.
Vasco Ribeiro, professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, considera que este tipo de “discurso altamente primário” pode fazer parte da segmentação do discurso político e sendo proferido por um líder de um partido tradicional, como o CDS, pode fazer parte da estratégia política da coligação. “O facto de se ter um discurso direcionado para um segmento e falar-se para um setor tradicional da população pode parecer agressivo para outros setores, neste caso, para outras mulheres”, afirma o académico, reforçando que o que choca a generalidade das pessoas pode atrair votos num determinado eleitorado.
Também Carla Martins, professora na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e com uma tese de doutoramento sobre “Media, mulheres e política. Representações do espaço público feminino na imprensa portuguesa”, considera que as declarações de Paulo Portas foram viradas para o eleitorado do CDS que tem “um recorte mais tradicional”. “Algo que em que pensei quando ouvi estas declarações foi que Paulo Portas teve no Governo a primeira ministra grávida, Assunção Cristas, e ela própria veio assumir publicamente que a partilha de tarefas relacionadas com os filhos era essencial para permitir que os dois membros do casal se organizassem”, disse a investigadora.
“É importante dar uma indicação para a maternidade. É muito importante que a mulheres que desejam ter mais filhos, vejam que a sociedade lhes reconhece também essa vontade de ajudar o país a crescer sustentadamente”, disse Pedro Passos Coelho
Quanto a Passos Coelho e a ligação entre a maternidade e a ajuda que as mulheres podem dar ao país, Carla Martins considera que é um tema do Governo e que é utilizado para mostrar como o candidato da coligação “acredita no futuro”. “Puxar pelo tema da natalidade é dizer às pessoas que há um horizonte de estabilidade”, sublinha.
Mas estas considerações podem ter o efeito contrário ao que os candidatos pretendem e afastar as mulheres dos seus partidos. “Discursos deste tipo, sobretudo os que resultam de uma visão social que continua a remeter as mulheres para a esfera privada, ajudam, certamente, a afastar algumas mulheres da política”, afirmou Maria Helena Santos.
“Tenho o coração reconfortado com as nossas meninas magníficas, Mariana Mortágua, Catarina Martins e Marisa Matias”, disse Fernando Rosas em entrevista ao jornal i
A investigadora do ISCTE diz que as afirmações de Fernando Rosas podem ser interpretadas “como encerrando algum paternalismo”, mas pelo menos reconhecem a competência política das mulheres na política, neste caso, Marisa Matias, Mariana Mortágua e Catarina Martins. Maria Helena Santos espera que as bloquistas que estiveram em destaque nos últimos anos venham a servir “de modelo às mulheres em geral e mostrar que é possível lá chegar e que na política, as mulheres são capazes”.
Quanto às diferenças do tratamento das mulheres à esquerda e à direita, Carla Martins considera que a esquerda tradicionalmente “associa-se mais às questões ligadas à igualdade de género”, dando como exemplo as leis da paridade e da interrupção voluntária da gravidez, que em Portugal foram aprovadas durante um Governo socialista.