O ex-ministro das Finanças de José Sócrates, Fernando Teixeira dos Santos, considera que o futuro Governo de esquerda não pode deixar que a despesa do Estado suba com a reposição integral dos salários da Função Pública em janeiro. Os atuais cortes salariais vigoram apenas até ao fim deste ano e sem novo Orçamento do Estado em vigor no início de 2016 não podem continuar a ser aplicados. Aliás, sem Orçamento e automaticamente em regime de duodécimos há outras medidas extraordinárias criadas por Passos Coelho que caem, como a sobretaxa de IRS.

“A minha opinião, francamente, é que estejam atentos à situação orçamental delicada em que o país se encontra. Seja para manter o que está ou seja para introduzir um novo quadro [de cortes salariais], é desejável que se evite o vazio que se gerará se nada se fizer“, afirmou ao Observador Teixeira dos Santos, sustentando que o país terá que manter o rumo da contenção orçamental e não pode dar sinais contraditórios. “Teremos que sinalizar que a correção orçamental continua, que o país continua empenhado em manter quadro orçamental sob controle. Por isso, seria prudente evitar que no início do ano tivéssemos fatores que pudessem perturbar essa situação”, explica.

O Orçamento do Estado de 2016 só deverá entrar em vigor em março e, por isso, janeiro e fevereiro serão geridos em duodécimos. O que significa isso? Que, em cada um desses meses, cada ministério não pode gastar mais de 1/12 daquilo que foi o orçamento para todo ano de 2015. Logo, não pode haver aumento de despesa, embora cada ministro possa usar o bolo de dinheiro que tem da forma como entender, adiando, por exemplo, alguns tipos de despesa para fazer face a outras que considere mesmo inadiáveis.

O ex-ministro considera que a questão dos salários da Função Pública pode ser resolvida ainda em dezembro, para evitar o vazio de que fala, com iniciativas legislativas autónomas no Parlamento para que mantenham a disposição orçamental em vigor. “Vejo com dificuldade medidas de caráter retroativo”, explica.

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O PS, que espera derrubar dia 10 o atual Governo com uma moção de rejeição do programa de Governo, está a ponderar apresentar em dezembro uma lei já com a solução para os cortes. O programa eleitoral do PS previa uma devolução faseada em dois anos, mas Costa está a negociar com PCP e BE uma devolução mais ritmada trimestre a trimestre.

Teixeira dos Santos sublinha que a situação orçamental do país “é delicada” e que é “duvidoso” que se atinja a meta para este ano (défice de 2,7%) e que, por isso, o novo Governo deve fazer esforços desde o primeiro minuto. Já quanto à meta do défice para o próximo ano (1,8%) considera-a “muito ambiciosa” e defende que seja revista. “O novo Governo terá que ponderar isso”, avisa.

Teixeira dos Santos, por sinal, era ministro das Finanças na última vez em que Portugal foi gerido por duodécimos. As eleições legislativas de 2009 – em que Sócrates perdeu a maioria absoluta – foram em outubro e isso fez atrasar a entrega do Orçamento do Estado para 2010. Este só entrou em vigor em abril. Nessa altura, no entanto, Portugal não tinha medidas extraordinárias como agora.

Não me recordo de qualquer problema em especial. O quadro era diferente porque não tínhamos regras orçamentais que tivessem um deadline para deixar de estar em vigor implicando encargos orçamentais como agora. A única questão que tínhamos era que, arrancando o novo ano, o plafond era o do ano anterior na base dos duodécimos”, lembra, considerando que os limites de despesa eram “adequados” para as necessidades da altura.