Será desta. Quase 90% dos especialistas que seguem, a par e passo, as decisões do banco central mais poderoso do mundo concordam que a Reserva Federal norte-americana vai nesta quarta-feira anunciar a primeira subida da taxa de juro em quase 10 anos, isto é, a primeira subida desde a crise financeira. Agora, sim: a gigantesca borboleta que é a Fed vai mesmo bater as asas.
A taxa de juro foi reduzida para o mínimo histórico de 0% a 0,25% em 2008, e foi um dos desfibriladores utilizados pelas autoridades norte-americanas para reanimar a economia. Dinheiro gratuito para os bancos, para que não faltasse crédito na maior economia do mundo e para garantir que this sucker wouldn’t go down, como disse George W. Bush – ou seja, para que a economia não se espalhasse ao comprido.
Agora, com a economia a crescer a uma taxa anual de cerca de 2,5% e as bolsas perto de máximos históricos, cresceu a pressão sobre a Fed para começar a regressar a uma política monetária mais normalizada. O primeiro passo deverá vir esta quarta-feira, com uma subida da taxa de juro para 0,5%.
Há mais de um ano que os investidores mundiais aguardam este dia e há quem ache que a decisão vem tarde. O facilitismo monetário que marcou os últimos sete anos – e que agora vai começar a ser reduzido – pode ter efeitos perversos para a economia. Juros baixos durante demasiado tempo penalizam a poupança e incentivam a tomada excessiva de riscos.
Mas há, também, quem ache que a decisão vem cedo demais, porque a recuperação económica nos EUA pode não ser tão robusta quanto parece. Além disso, os céticos acreditam que, apesar da melhoria no mercado de trabalho, a taxa de inflação poderá não voltar tão cedo ao normal (está em 0,5% – o objetivo é 2%).
E mais: a Reserva Federal define política monetária para os EUA, mas toda a política monetária hoje tem efeitos globais – sobretudo no caso dos EUA. Depois dos alertas do FMI, o Banco Central Europeu (BCE) afirmou, recentemente, que se a Fed subir as taxas de juro demasiado rapidamente, as economias emergentes podem patinar e a zona euro não ficará imune.
Subida é dado adquirido. O que importa é o tom
Já é tarefa suficientemente difícil tomar as decisões de política monetária para um porta aviões como é a economia norte-americana. Mas tão ou mais importante do que as decisões que se tomam é a forma como são anunciadas e contextualizadas, pelas pistas que isso pode dar acerca das tendências futuras.
A comunicação é fundamental. Na conferência de imprensa agendada para este final de tarde (em Lisboa), a presidente da Fed “Janet Yellen vai tentar apresentar a decisão com um tom dovish“, diz Rob Carnell, economista-chefe do ING em nota de análise. Dovish significa uma maior propensão para manter ou intensificar os estímulos monetários – o oposto de hawkish, isto é, a preferência por uma política monetária mais apertada.
Mas como se pode soar dovish enquanto, na realidade, se anuncia um aumento da taxa de juro? Um aumento que simboliza que a Fed acredita que a economia está a portar-se melhor e que os riscos negativos estão controlados? Yellen “deverá sublinhar que, após esta subida, as taxas de juro irão subir devagar e que a Fed não se compromete, à partida, com um ritmo de subida no futuro” e que tudo vai depender de como a economia se comportar daqui para a frente, explica Rob Carnell.
Os economistas vão procurar certas palavras-chave no discurso de Janet Yellen, que mostrem os planos futuros do banco central. E se na leitura do comunicado preparado os riscos de mal-entendidos são menores, no improviso das perguntas & respostas, a sucessora de Ben Bernanke à frente da Fed terá de ter muito cuidado com a mensagem que passa.
Janet Yellen é conhecida por ser a clássica dove, preferindo pecar por excesso de estímulos do que por carência. Por isso, “não conseguimos imaginar que Yellen queira adotar nesta conferência de imprensa um tom hawkish. Mas estas declarações públicas não são fáceis de planear, e uma ligeira falha de comunicação ou desequilíbrio na ênfase frásica podem levar a reações significativas nos mercados”.
A decisão sobre a taxa de juro será anunciada esta quarta-feira, pelas 19h00 em Lisboa. A conferência de imprensa começa alguns minutos depois. Enquanto esperamos, deixamos o link para a peça escrita em antecipação à última reunião da Fed, que contou como uma birra dos investidores quanto às intenções do banco central fez disparar as taxas de juro da dívida de Portugal em 2013.