O PS e o Bloco de Esquerda vão reconfirmar a aprovação no parlamento dos diplomas vetados pelo Presidente da República que permitem a adoção por casais do mesmo género e revogam as alterações introduzidas à lei de interrupção voluntária da gravidez. Também PCP está disponível para reconfirmar os diplomas. Já os sociais-democratas pediram “debate ponderado”. Com Cavaco Silva no centro de todas os ataques, PSD fala em “respeito institucional”.

Sendo aprovado de novo no Parlamento, um diploma não pode ser vetado novamente pelo Presidente da República que «deverá promulgar no prazo de oito dias a contar da sua receção”, de acordo com a Constituição da República Portuguesa. Assim sendo, se os deputados conseguirem aprovar e enviar os diplomas para Belém até dia 29 de fevereiro ainda será Cavaco Silva a fazer a promulgação.

Primeiro, os socialistas. À Lusa, o vice-presidente da bancada socialista Pedro Delgado Alves não deixou dúvidas sobre qual seria o passo a seguir. “Não podemos deixar de lamentar que o Presidente da República, na reta final do seu mandato, continue empenhado em criar obstáculos e não em resolver questões de direitos fundamentais. Estamos perante vetos que não são definitivos e, por certo, a Assembleia da República vai ultrapassá-los”, avisou o dirigente socialista.

No que respeita ao veto aplicado ao decreto sobre a abertura à adoção de crianças por casais do mesmo género, Pedro Delgado Alves considerou “inexplicável” o conjunto dos fundamentos invocados pelo chefe de Estado.

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“Pelos vistos, passou ao lado de Cavaco Silva todo o debate que foi feito publicamente sobre esta questão. Por isso, ignora até as evidências científicas que justificam a evolução constante no diploma, já que ficou demonstrado que a solução proposta é a que melhor protege os direitos das crianças”, alegou Pedro Delgado Alves.

O vice-presidente da bancada socialista considerou também “difícil de explicar” as reservas colocadas pelo Presidente da República sobre a adoção de casais do mesmo género, “acantonando-se em quatro ou cinco posições, quando há cada vez um maior consenso internacional contrário a esse tipo de convicções”.

“Portugal está a caminhar no sentido certo em relação a esta matéria”, reforçou.

Já no que respeita à decisão do chefe de Estado de travar a revogação das alterações introduzidas na anterior legislatura, num quadro de maioria PSD/CDS-PP, à lei da interrupção voluntária da gravidez, Pedro Delgado Alves defendeu que se está perante “diferenças políticas de fundo” face a Cavaco Silva.

“Fez uma leitura que uma clara maioria de portugueses já não partilha desde 2007 [com o último referendo sobre interrupção voluntária da gravidez] e que continua a não partilhar agora”, acrescentou.

“PSD respeita naturalmente a decisão” de Cavaco Silva

Miguel Morgado, vice-presidente da bancada parlamentar social-democrata, também já reagiu à decisão de Cavaco Silva. Lembrando que as decisões do PSD sobre estas duas matérias são conhecidas – o Governo PSD/CDS introduziu as taxas moderadoras na IVG e uma larga maioria de deputados sociais-democratas votou contra a adoção por casais do mesmo género -, Miguel Morgado disse “respeitar naturalmente a decisão” do Presidente da República.

Agora, os sociais-democratas esperam que o Parlamento se debruce sobre a questão com “ponderação”. “São matérias de grande sensibilidade e grande delicadeza. [Esperamos, por isso,] um debate sereno, ponderado e informado”, sublinhou Miguel Morgado.

Bloco de Esquerda. “Cavaco terá de as promulgar. Quer queira, quer não”

Também Catarina Martins foi clara em afirmar que Cavaco Silva não tem alternativa senão promulgar as leis que agora vetou. “[Estes vetos prolongam o tratamento indigno a mulheres e adiam por alguns dias os direitos das crianças. [Mas nós, Bloco], garantimos a todos que as suas conquistas de dignidade não serão travadas”, afirmou a porta-voz do Bloco de Esquerda, em conferência de imprensa.

A bloquista, de resto, não poupou críticas a Aníbal Cavaco Silva que, diz, vai acabar o mandato “menorizado pelo Parlamento e socialmente isolado por escolha própria. Ficou numa posição muito difícil, mas foi ele que se colocou nessa posição. Terá de as promulgar. Quer queira, quer não”.

Catarina Martins acabou por garantir que os diplomas vão ser “reconfirmados tal como estão” e que a Assembleia da República vai dar prioridade ao processo.

Quanto a Cavaco Silva, “fica a sensação de um Presidente da República que fez tudo o que podia para acabar o mandato da pior maneira”. Ou seja, sem espaço de manobra e condenado a aceitar uma decisão imposta por uma Assembleia da República que o obrigará a “promulgar estas leis”. “O tempo de Cavaco acabou há muito tempo”, atirou, por fim, Catarina Martins.

PCP também “disponível” para reconfirmar voto

O PCP tem também “total disponibilidade” para reconfirmar o quanto antes a aprovação dos diplomas vetados pelo Presidente da República sobre adoção por casais do mesmo género e revogação das alterações introduzidas à lei de interrupção voluntária da gravidez.

“Da parte do PCP há uma total disponibilidade para, o mais breve possível, ultrapassar este veto presidencial. Provavelmente, com discussão já na próxima quarta-feira, porque quando há um veto torna-se prioritário, e, se possível, a votação na sexta-feira”, disse à Lusa a deputada comunista Rita Rato.

Segundo a parlamentar do PCP, “estas matérias são da maior importância no que respeita aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e ao direito de todas as crianças crescerem numa família que cuide delas, as ame e garanta, de forma plena, o seu desenvolvimento integral”.

“Não tem fundamento o que é invocado porque, quer no parlamento, na sociedade e em todo o país este assunto tem sido profundamente discutido e tem tido grande acolhimento”, explicitou.

No que toca à reversão da legislação aprovada pela anterior maioria PSD/CDS-PP sobre a interrupção voluntária da gravidez, o grupo parlamentar comunista “lamenta que, quando foi publicada a lei, o Presidente não tenha intervindo para defender a dignidade das mulheres”.

“Registamos ainda como significativo o facto de o Presidente ter aguardado pelo dia posterior às eleições presidenciais para anunciar estes vetos, de forma a não prejudicar os únicos dois partidos que votaram contra aquelas, ou seja, PSD e CDS”, cuja recomendação de voto recaia sobre o entretanto eleito chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, que tomará posse a 9 de março, substituindo Cavaco Silva.

Os diplomas vetados regressam ao parlamento, que pode confirmar a aprovação por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

Caso sejam confirmados por um mínimo de 116 deputados, o Presidente da República «deverá promulgar os diplomas no prazo de oito dias a contar da sua receção”, como prevê, de resto, a Constituição da República Portuguesa.

Verdes lamentam “postura profundamente retrógrada”

Os Verdes também se juntaram ao coro de críticas a Cavaco Silva. Num curto comunicado enviado às redações, o partido ecologista lamenta a “postura profundamente retrógrada” do ainda Presidente da República, considerando esta posição “vai contra aquelas que são as pretensões já amplamente demonstradas na sociedade portuguesa”.

O PEV deixa ainda a garantia de que vai reconfirmar estes diplomas na Assembleia da República “assim que for agendada a sua discussão”.