No verão de 325, reuniram-se em Niceia (que agora corresponde a Iznik, uma parte da Turquia) centenas de bispos das regiões cristãs do mundo. Os documentos que nos chegam dessa época têm contagens díspares do número de participantes, mas o Primeiro Concílio de Niceia tinha um único objetivo: discutir as pontas soltas dos princípios cristãos, que há tão pouco tempo tinham sido perseguidos pelos romanos.

Era Constantino I que tinha as rédeas do Império quando o Concílio de Niceia se realizou. Depois de garantir a estabilidade do Império, chamou os bispos de várias regiões do mundo, oferecendo-lhes transporte e guarida. Assim conseguiu garantir uma grande afluência.

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Embora ainda não tivesse sido batizado naquele ano, Constantino I já tinha dado mostras de que respeitava o Cristianismo: antes de tomar posse em Roma já utilizava os símbolos cristãos, nomeadamente o lábaro. E na cerimónia solene do Império, em 312, tinha-se recusado a oferecer culto a Júpiter no cimo do Capitólio.

Várias histórias se contam da reunião de bispos, mas duas ficam até hoje. A primeira aconteceu depois de Eusébio de Nicomédia – um bispo respeitado de uma cidade que hoje é Beirute – ter descrito Jesus Cristo como “uma criatura que, ainda que excelsa e eminente, não era de natureza divina”. Não era isso que os ensinamentos dos apóstolos sugeriam, por isso os restantes participantes decidiram definir Jesus Cristo de acordo com as lições que deles haviam recebido. E ficou assente que Jesus era “da substância do Pai, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao pai”, uma citação que é orada no Credo.

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Eusébio de Nicomédia foi também responsável pela criação da Confissão, uma sacramento que exige que um crente admita os seus pecados perante um sacerdote. A absolvição será possível depois de uma penitência, decidida pelo padre de acordo com a gravidade dos pecados relatados.

Outro ponto que ficou resolvido no Primeiro Concílio da Niceia foi a data da Páscoa. Os hebreus, que viriam a dar origem ao judaísmo (religião a que Jesus pertencia), acreditavam que os israelitas tinham saído do Antigo Egito – um acontecimento que a Bíblia chama de “O Êxodo” – numa noite de Lua Cheia para que pudessem caminhar sem necessitar de usar velas, que podiam chamar a atenção dos homens do Faraó. Por isso, os bispos decidiram que a Páscoa seria celebrada no primeiro domingo depois da primeira Lua Cheia da primavera.

Hoje em dia, o calendário eclesiástico coincide com o astronómico. Olhemos para o calendário de 2016: de acordo com os dados astronómicos, o equinócio de primavera acontece na madrugada de domingo, 20 de março. A primeira Lua Cheia depois da chegada oficial da primavera acontece três dias depois, a 23 de março. Posto isto, se seguirmos as regras assentes no Primeiro Concílio de Niceia, percebemos porque é que a Páscoa é celebrada no domingo seguinte, a 27 de março.

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A Páscoa era celebrada antes da morte e ressurreição de Jesus descrita nos livros sagrados cristãos. A 14 de Nissan, os judeus celebravam a Pessach ou a “Festa da Libertação”. Terá sido nesse dia do calendário judaico que os hebreus se libertaram da escravidão no Egito. Isso terá acontecido quando Moisés recebeu indicações de Deus para encaminhar os escravos para fora do poder do faraó, em direção à Palestina. Terá sido lá que Moisés recebeu as tábuas dos 10 mandamentos.

Isto só é possível graças aos esforços que se fazem há muitos anos pelos líderes do Império Romano e da Igreja. É desde os tempos do imperador Júlio César que tentamos acertar o calendário civil e o calendário astronómico. Na década de 50 a.C., os egípcios já sabiam que o ano astronómico não era feito de dias completos: o Sol e a Terra voltariam à mesma posição relativa em cerca de 365 dias, 4 horas e 49 minutos. Por isso é que, no calendário juliano, um novo ano chegaria a cada 365 dias, mas de quatro em quatro anos seria necessário acertar os calendários e adicionar um dia ao civil. Eis que surgiram os anos bissextos.

O método parecia eficaz, mas trazia uma margem de erro que viria a trazer consequências na contagem dos dias a longo prazo. Júlio César tinha arredondado os 49 minutos para 60 minutos (uma hora) ao adicionar um dia inteiro ao calendário civil. Onze minutos não faziam diferença no imediato, mas aos poucos e poucos viriam a desacertar de novo os calendários civil e astronómico. No século XVI, a margem já era gritante: o equinócio da primavera (que ocorre entre dia 20 e 21 de março) correspondia no calendário civil ao dia 11 de março.

E então veio o calendário gregoriano, que está em vigor nos dias de hoje. O papa Gregório XIII chamou o astrónomo Cristóvão Clávio em busca de uma solução. E encontrou-a a 24 de fevereiro de 1582, impondo três novas regras. A primeira: em 1582 não se celebraram os dez dias entre 5 e 14 de outubro. Os europeus foram dormir a 4 de outubro de 1582 e acordaram num dia 15 do mesmo mês. A segunda regra: só seriam anos bissextos os anos seculares que fossem divisíveis por 400, o que evitaria o erro de três dias a cada quatro séculos do calendário juliano. A terceira regra: um ano tem 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos.

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Cristóvão Clávio estudou em Coimbra em meados do século XVI. Diz-se que mantinha boas relações com Galileu Galilei, em cujos ensinamentos se baseou para desenvolver os seus estudos e aplicar os mesmos na encomenda de um novo calendário pelas mãos do Papa Gregório.

Estas são as regras que permitem diminuir o erro a um mero dia a cada 3.300 anos. Na época, no entanto, foram responsáveis por uma curiosa diferença entre as mortes de William Shakespeare e de Miguel Cervantes: ambos morreram a 23 de abril de 1616. Mas como os britânicos demoraram a aceitar o calendário gregoriano, oficialmente morreram com 10 dias de diferença entre ambos.

Agora – e pelo menos por enquanto – os calendários civil e astronómico estão em sintonia.