O General Carlos Jerónimo, chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), pediu a demissão na sequência da polémica sobre discriminação homossexual no Colégio Militar. A polémica nasceu depois de uma reportagem do Observador, publicada na última sexta-feira, onde o subdiretor daquele colégio, tenente Coronel António Grilo, admitia a discriminação. O Ministro da Defesa, Azeredo Lopes, pediu explicações, considerando a situação inaceitável. A consequência surgiu ao final da noite desta quinta-feira, com o pedido de demissão do responsável militar que tutela aquele colégio. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de quem dependem todas as Forças Armadas do país, já aceitou a exoneração.

A reportagem do Observador sobre o Colégio Militar foi publicada no dia 1 de abril e várias fontes da escola referiram que a homossexualidade é um tabu na escola. Questionado sobre o assunto, o subdiretor da escola referiu:

“Nas situações de afetos [homossexuais], obviamente não podemos fazer transferência de escola. Falamos com o encarregado de educação para que percebam que o filho acabou de perder espaço de convivência interna e a partir daí vai ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares. Porque é o que se verifica. São excluídos”, afirmou então o tenente-coronel.

https://soundcloud.com/observadorpt/alunos-homossexuais-sao-excluidos

Dias depois, e em reação às declarações do tenente-coronel António Grilo, o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, ouvido pelo DN, afirmou que estava a avaliar a situação e considerou “absolutamente inaceitável qualquer situação de discriminação, seja por questões de orientação sexual ou quaisquer outras, conforme determinam a Constituição e a Lei”. O ministério solicitou depois ao Comando do Exército – entidade que detém a tutela deste estabelecimento militar de ensino -, “esclarecimentos sobre o teor de tais declarações”.

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Quem é o General Carlos Jerónimo?

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O general paraquedista Carlos Jerónimo era chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) desde fevereiro de 2014. Carlos Hernandez Jerónimo iniciou a carreira na Academia Militar em 1973, Arma de Infantaria, e serviu no Corpo de Tropas Pára-quedistas da Força Aérea Portuguesa até à sua transferência para o Exército em 1994. Foi comandante do contingente militar destacado em Timor-Leste entre 2000 e 2003.

Desempenhou as funções de Adjunto do Comandante das Forças Terrestres, de 2006 a 2007, de Comandante da Brigada de Reação Rápida, de 2008 a março de 2009, ao que se seguiu a de Inspetor-Adjunto, na Inspeção Geral do Exército, até janeiro de 2010. Chefiou o Centro de Informações e Segurança Militares (CISMIL) do Estado-Maior General das Forças Armadas entre 2010 e 2012 e desempenhou as funções de Comandante das Forças Terrestres, de setembro de 2012 a fevereiro de 2014.

Ao final da noite desta quinta-feira, o pedido de demissão chegou ao Palácio de Belém, tendo fonte oficial do Presidente da República confirmado ao Observador que Marcelo aceitou a exoneração que lhe foi apresentada com base em “razões pessoais”. O Presidente “apontou e agradeceu os serviços prestados à nação” por Carlos Jerónimo.

Já o diretor do Colégio Militar, contactado pelo Observador, recusou-se a comentar o caso. “Não vou prestar declarações”, disse o coronel José Sardinha Dias, dizendo que tem de ser autorizado a falar pelo chefe do Estado-Maior do Exército, agora demissionário. O mesmo responsável que, aliás, autorizou o trabalho do Observador. “A entrevista que foi dada, foi dada com autorização do chefe do Estado-Maior do Exército, por isso quem tem de de prestar declarações é o general-chefe”, disse. Sardinha Dias não quis falar também sobre eventuais demissões no estabelecimento de ensino, nem sobre as declarações do seu subdiretor. Recorde-se que, na mesma reportagem, o diretor do Colégio Militar garantiu: “Não expulsamos ninguém por ser homossexual” e destacou que “essas situações têm de ser tratadas com algum cuidado”.

O assessor do ministro da Defesa, contactado pelo Observador, confirmou que o Presidente da República já informou o Governo do facto de ter aceite a demissão, e que dará agora início ao processo de substituição, que demorará cerca de um mês e envolve quatro entidades: Governo, Estado-Maior do Exército, Chefe do Estado-General das Forças Armadas e o Presidente da República, que terá a palavra final. Quanto ao processo que levou à demissão de Carlos Jerónimo, o ministro da Defesa pediu esclarecimentos ao Chefe do Estado-Maior do Exército, esclarecimentos esses que chegaram a Azeredo Lopes antes de o general ter apresentado a demissão. Quanto ao teor das explicações, não foram revelados pormenores.

Bloco chama Carlos Jerónimo à comissão

O Bloco de Esquerda entregou ainda esta quinta-feira um requerimento para ouvir o agora ex-chefe do Estado-Maior do Exército Carlos Jerónimo na comissão de Defesa Nacional. Os bloquistas querem saber se “era do conhecimento da hierarquia militar a discriminação em função da orientação sexual no Colégio Militar”; se esta “era a orientação das chefias”, se “já tinha havido denúncias sobre esta discriminação” e, em caso afirmativo, “que medidas tinham sido implementadas para que esta situação terminasse”.

Depois das declarações do sub-diretor do Colégio Militar ao Observador, o Bloco já havia pedido a presença da direção daquela instituição na mesma comissão parlamentar.

Do lado do PSD, não houve ainda reações, apesar de alguns contactos feitos pelo Observador. Já o CDS reagiu por João Rebelo: “Não conhecendo ainda, de forma oficial, o teor do pedido de exoneração, a não ser as razões pessoais evocadas, nem a alegada intervenção do Ministro da Defesa, não podemos ainda emitir uma opinião, nem avaliar politicamente esta circunstância”, disse. O centrista quis contudo destacar “a forma competente e sempre correta como o senhor General Carlos Jerónimo desempenhou as suas funções”.

No PCP, o deputado Jorge Machado diz que o caso do Colégio Militar “impõe que o Governo tome medidas para que situações destas não aconteçam em mais lado nenhum, é necessário que passe uma mensagem clara. Tome medidas em toda a Administração Pública para que situações destas sejam evitadas. Não faz sentido em pleno século XXI, não dignifica o Estado e a estrutura militar”, argumenta o comunista. O PCP nota que o chefe do Estado Maior do Exército “assume responsabilidade por declarações que não proferiu”, e que o deputado classifica de “lamentáveis”. Questionado sobre se as consequências deste caso ficam resolvidas com esta demissão, o deputado passa a bola ao Governo que “deve ponderar esta matéria”, diz.

Os socialista mantiveram-se reservados, no entanto, ao final do dia, na sua página de facebook, o deputado Tiago Barbosa Ribeiro congratulava-se com o pedido de demissão. As felicitações do socialista foram, no entanto, para o ministro da Defesa, com Barbosa Ribeiro a escrever que “a discriminação de homossexuais no Colégio Militar era incompatível com os valores democráticos”.