O aviso não é novo mas vai ganhando força a cada declaração de Catarina Martins: o Governo tem de começar a bater-se seriamente pela renegociação da dívida pública e a preparar a saída da moeda única. Em entrevista ao Diário de Notícias, a coordenadora do Bloco de Esquerda foi mais uma vez perentória: “Qualquer Governo que se leve a sério tem de começar a pensar em que futuro pode ter uma moeda que, em vez de servir e ser um instrumento de uma economia, passou a destruir economias”.
Quanto à renegociação da dívida pública, a porta-voz bloquista voltou a pressionar o Governo socialista a assumir a condução do processo de forma firme junto das instituições europeias.
Uma renegociação nas condições que neste momento a Europa impõe é má, e é por isso que o Bloco defende uma renegociação da dívida conduzida pelo Governo e que não fique dependente das condições europeias — ficar é o que está a acontecer na Grécia. (…) A reestruturação tem de ser conduzida pelo Governo português”, reiterou Catarina Martins.
Ainda que os bloquistas não façam depender a sobrevivência da “geringonça” de uma renegociação da dívida, como explicava o Observador, o partido coordenado por Catarina Martins não acredita verdadeiramente que o Governo seja capaz de encontrar uma nova estratégia sem seguir esse caminho. Em entrevista ao DN, a porta-voz bloquista voltou a deixar repto: sem essa renegociação, o Governo não vai encontra o fôlego orçamental que precisa.
Se a dívida não for renegociada e não se alterar a relação com o sistema financeiro, o país não tem margem de manobra para o investimento necessário para criar emprego”, argumenta Catarina Martins.
Desafiada a comentar a atuação do ministro das Finanças nesta matéria — Mário Centeno tem tido algumas reservas em comentar uma possível renegociação da dívida pública portuguesa — Catarina Martins respondeu com naturalidade: “Não me cabe comentar a estratégia do ministro das Finanças para cada reunião do Eurogrupo a que vai – é uma atuação legítima do governo. Também não me cabe defendê-la.”
Bloco pressiona António Costa a acabar com PPP na Saúde
Na mesma entrevista, a coordenadora do Bloco pressiona o Governo a acabar com as Parcerias Público-Privadas (PPP) na Saúde. “Já deviam ter acabado”, atirou Catarina Martins.
É preciso, o quanto antes, que o governo acabe com as rendas públicas pagas aos negócios privados na saúde. Não são só PPP, é o excesso de contratualização com privados.”
Programa de Estabilidade? “Ainda bem” que não foi a votos
Foi outra novidade introduzida por Catarina Martins nesta entrevista: a porta-voz do Bloco admitiu que o Bloco muito provavelmente seria obrigado a votar contra caso o Governo socialista levasse a votos o Programa de Estabilidade.
É alguma novidade que o BE tem uma divergência de fundo com a forma como a União Europeia, a Comissão Europeia e o Eurogrupo conduzem os debates orçamentais? Se eu puser um projeto de lei no Parlamento sobre o controlo público da banca, sei que o PS vai votar contra. Tenho muita pena, mas vai”.
“Geringonças locais”? Bloco vai apostar em candidaturas próprias
Era outra ideia que tinha ficado da moção apresentada por Catarina Martins: nas eleições autárquicas, o Bloco de Esquerda vai dar prioridade às candidaturas próprias. “É o normal”, respondeu a coordenadora bloquista, sem rejeitar, no entanto, eventuais coligações pós-eleitorais. “Se houver resultados e projetos para isso, sim, claro”.
A pouco mais de um ano das próximas eleições autárquicas, o Bloco de Esquerda ainda não deu pistas sobre quem será o candidato à Câmara Municipal de Lisboa. Ainda assim, de fora da disputa pela autarquia lisboeta parece ter ficado Mariana Mortágua, cabeça de lista do partido por aquele círculo nas últimas legislativas. “As pessoas devem trabalhar naquilo que sabem mais e onde são mais necessárias”, rematou a porta-voz bloquista.
Nesta entrevista ao DN, Catarina Martins fala ainda sobre Marcelo Rebelo de Sousa — cujo modo de atuação não representa, até ver, “uma apropriação de poderes”–, sai em defesa de Cavaco Silva — é “profundamente injusto dizer que Cavaco Silva não é um homem de afetos” –, elogia o esforço de Mário Centeno — “tenho grande consideração pela forma como respeito e compreendeu [o acordo]” –, e também a atuação de Tiago Brandão Rodrigues — “tem tido um trabalho muito complicado e está a ter coragem para o fazer”.
A terminar, a porta-voz bloquista admite que nunca esperou chegar até onde chegou. “Na altura (…) em que falaram comigo para uma solução de coordenação com João Semedo, achei que se tinham enganado, era uma coisa que nunca tinha pensado fazer na minha vida.”