Os novos estúdios da Renascença na Quinta do Bom Pastor, em Benfica, foram inaugurados esta tarde, com a presença do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro e do Cardeal Patriarca de Lisboa. A cerimónia marca também o arranque das comemorações dos 80 anos da rádio católica, cujo capital social é detido pelo Patriarcado de Lisboa e pela Conferência Episcopal Portuguesa.
A Renascença começou as suas sessões experimentais a 5 de junho de 1936 e as emissões diárias arrancaram no primeiro dia de 1937, embora a data oficial da fundação seja 10 de abril de 1937. Desde esse ano até há poucos dias, a rádio esteve instalada no número 14 da Rua Ivens, no Chiado. Durante vários anos, partilhou o prédio com algumas lojas, a Casa do Algarve (e os seus bailes) e até uma inquilina particular, mas o crescimento da estação levou-a a ocupar progressivamente os cinco andares na totalidade. O edifício do século XIX, que albergou a rádio durante 79 anos, vai agora transformar-se num hotel de charme com 94 quartos.
Nestas oito décadas, a Renascença cresceu e tornou-se no Grupo Renascença Multimédia, do qual fazem parte quatro estações de rádio (Renascença, RFM, Mega Hits e Rádio Sim), a produtora de entretenimento e formação Genius Y Meios e a empresa de publicidade Intervoz.
No dia que marca uma nova etapa nestas oito décadas de história da “rádio da Igreja”, lembramos oito momentos da sua história e alguns dos locutores, jornalistas e atores famosos que passaram pela Renascença.
1. O nome Renascença e a inspiração católica
A ideia da criação de uma emissora católica, pensada por vários membros da Igreja desde os anos 20, foi lançada num artigo do jornalista Zuzarte de Mendonça, publicado a 1 de fevereiro de 1933 na revista Renascença — Ilustração Católica, da qual a rádio herdou o nome.
O fundador da Renascença, Monsenhor Lopes da Cruz, não queria uma rádio “apenas para transmitir grandes sermões”; desde o início, procurou que a emissora católica “fizesse o que as outras faziam, embora sempre com critério e sentido católicos”. A transmissão da missa dominical, do terço diário ou das principais cerimónias de Fátima sempre foram um marco desta rádio, mas o entretenimento, informação e desporto ocupam a maior fatia da programação.
2. A invasão dos marcianos
A 25 de junho de 1958, após o noticiário das 20 horas, Matos Maia recria a “Guerra dos Mundos” de H. G. Wells aos microfones da Renascença, simulando uma invasão de marcianos em Portugal. O episódio, relatado em pormenor pelo próprio no site Crónicas da Rádio, provocou uma chuva de telefonemas para as autoridades e valeu a Matos Maia três horas de prisão e uma admoestação pela PIDE.
3. Simplesmente Maria
“Simplesmente Maria” foi talvez a radionovela de maior sucesso nos anos 70. O folhetim, estreado em março de 1973, teve 200 episódios. Contava a história de Maria, uma rapariga que parte da sua aldeia para trabalhar como empregada doméstica em Lisboa, onde vive um romance com Alberto, um rapaz “de boas famílias”, de quem tem um filho, Tony. A família de Alberto condena a relação e manda-o para África.
A história era original da Argentina e baseava-se numa história real. Foi adaptada à realidade portuguesa dos anos 50 e 60, e prendeu a atenção dos ouvintes, que tinham também à disposição uma revista semanal. O facto de não ser revelada a identidade dos atores que davam voz às personagens aumentou a curiosidade e mistério em torno da radionovela. Só passados 40 anos, uma reportagem da SIC Notícias revelou a participação de Francisca Maria (já falecida), no papel de Maria, e de Rui Mendes, João Lourenço e Adelaide João, entre outros.
4. A ocupação
A Renascença ficou ligada à história do 25 de abril de 1974. Na noite da Revolução, foi esta rádio que transmitiu “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, a segunda senha que sinalizava aos militares que podiam avançar. Mas seguir-se-iam meses de grande perturbação interna, resultante de clivagens políticas.
Durante o “verão quente” de 1975, as instalações da Renascença são ocupadas por funcionários, por pessoas externas e por militares. Nessa altura, realizam-se duas manifestações frente ao Patriarcado de Lisboa: uma a favor dos ocupantes e outra em defesa da Igreja. A situação extremou-se e mais de mil pessoas refugiaram-se no interior do Patriarcado. Outras manifestações sucederam-se por todo o País.
A 7 de novembro desse ano, os Emissores da Buraca são destruídos por ordem do Conselho da Revolução, uns dias depois de as emissões da Renascença terem sido momentaneamente suspensas.
No início de 1976, a Renascença é devolvida à Igreja e dá-se o regresso de muitos profissionais que tinham saído. É nessa altura que entram também vários colaboradores que vinham das antigas colónias, como é o caso de Ribeiro Cristóvão, vindo de Angola, que liderou durante três décadas o departamento de Desporto. Juntamente com Artur Agostinho, viria a criar, em 1980, o programa “Bola Branca“, um marco da informação desportiva que ainda hoje é emitido diariamente.
5. Despertar
O programa das manhãs que foi um fenómeno de popularidade nos anos 80 e 90 juntava António Sala, em Lisboa, e Olga Cardoso, a partir do Porto, entre as 7 e as 10 horas. O programa teve várias emissões especiais, feitas no estrangeiro ou em locais menos habituais, como um cruzeiro ou uma prisão, para além de encher praças e salas de espetáculos por todo o país com o “Despertar ao Vivo”. Foi no “Despertar” que nasceu o primeiro serviço de trânsito da rádio, com José Relvas.
É provável que se lembre de acordar ao som do jingle do programa, com letra de António Sala e as vozes de Nuno da Câmara Pereira, José Cid, Rodrigo, Raul Indipwo, Ana Faria, Luís Filipe Aguiar, Dina, Paulo de Carvalho, Paco Bandeira, Marco Paulo, Simone de Oliveira e Marina Mota.
6. O Jogo da Mala
Muito se tem falado em “jogo da mala” nas últimas semanas, a propósito de supostos incentivos monetários oferecidos aos adversários do Benfica. A expressão evoca um passatempo adaptado por António Sala a partir de um original francês, que consistia no seguinte: no início de cada programa, os locutores revelavam uma quantia em dinheiro, cujo valor subia de programa para programa, e telefonavam para um número ao acaso; se a pessoa soubesse a quantia certa e a frase do patrocinador, recebia o valor como prémio.
Este foi um dos muitos passatempos criados no Despertar, que depois se alargou a outros programas. Por sua vez, o Jogo do Carro dava prémios a quem tivesse um autocolante da Renascença na traseira do carro – durante vários anos, competiu em popularidade com o autocolante da Penélope.
7. A voz das regiões
Aurélio Carlos Moreira, um dos mais antigos radialistas portugueses no ativo, começou a colaborar com a Renascença em 1958. Apresentou o “Diário do Ar” (1959-61), programa da tarde com realização de Fialho Gouveia, em que Fernando Pessa era um dos repórteres, e o “Bom Dia”, em 1961. Depois de estar uns anos afastado da Renascença, regressa no fim dos anos 70 e é desafiado por Magalhães Crespo, dirigente da rádio durante várias décadas, para apresentar o programa “Encontro na Madrugada” (alternando com Ausenda Maria, Ribeiro Cristóvão, António Paulos e Rui Pêgo) entre as duas e as seis da manhã, hora em que até então a emissão era interrompida. A Renascença passava a estar 24 horas no ar.
No início dos anos 80, coube-lhe apresentar, juntamente com Henrique Mendes e Rui Pêgo, o primeiro programa que separava as emissões de Onda Média e FM: “Todos à Uma”.
Mas o desafio que lhe deu um prazer especial, segundo conta ao Observador, foi a criação de alguns dos emissores regionais da Renascença, com várias horas de produção própria. Foi responsável pela abertura da Voz do Alentejo, com sede em Évora, o primeiro de todos, em abril de 1985. Abriu também a Voz de Viseu, a Voz de Leiria e a Voz do Algarve, enquanto, mais a norte, outros arrancavam com a Voz do Minho, a Voz do Porto e a Voz do Alto Tâmega. Já neste século, viria a ser diretor da Voz de Lisboa (lançada por Henrique Mendes), que, apesar de só emitir em Onda Média, competia em audiências com algumas rádios do FM. Aurélio Moreira lamenta o desaparecimento destes canais regionais, que tinham uma ligação forte e próxima aos seus ouvintes.
8. RFM, Mega Hits e Rádio Sim — segmentação por idades
Em 1987, nasce uma nova rádio nacional, a RFM, direcionada para o público dos 25 aos 40 anos. Com o lema “só grandes músicas”, tornou-se em 2002 a rádio mais ouvida do País, estatuto que manteve durante uma década. Um dos programas emblemáticos da estação é o “Oceano Pacífico”, criado por João Chaves e hoje apresentado por Marcos André. Durante vários anos, teve em antena, no horário nobre da manhã, “Pedro Tojal a acordar Portugal”; depois passou a ter um “Café da Manhã” servido por José Coimbra e Carla Rocha, que se mantêm na estação; nos últimos anos, as manhãs apostam em humoristas, como Nilton e Salvador Martinha.
A Mega Hits (anteriormente Mega FM) surge em 1998, dirigida aos mais novos, dos 15 aos 24 anos. Com locutores igualmente jovens e um discurso mais informal, cobre sobretudo a faixa litoral do país, de Braga a Lisboa.
Em 2008, abre a mais jovem estação do grupo, destinada ao público acima dos 55 anos: a Rádio Sim, que passa música entre a década de 1950 e os anos 80. Mas a onda nostálgica da música é complementada pela juventude de apresentadores como Inês Carneiro e José Manuel Monteiro, nesta que é, segundo dados da Marktest, a rádio nacional com maior tempo médio de escuta por ouvinte: cerca de três horas.