O Presidente da República justificou ao Observador a razão por que disse esta terça-feira que este ciclo político termina nas autárquicas. “Eu já tinha dito isso, não era uma novidade. O Governo dura uma legislatura, mas em Portugal há uma tradição de as autárquicas terem uma leitura nacional. Já houve vários casos”, refere Marcelo Rebelo de Sousa, recordando a saída de António Guterres em 2001. O Governo de Pinto Balsemão também caiu em 1982 na sequência de umas eleições locais (onde até teve um bom resultado). E Luís Marques Mendes perdeu as eleições internas do PSD, convocadas após a derrota do partido, em 2007, na câmara de Lisboa.
Não havendo uma perspetiva de o PS ter um mau resultado autárquico, o Presidente afasta o cenário de uma repetição da saída de Guterres: “Não acho que o Governo vá cair” por causa das autárquicas, diz ao Observador. No caso de o PSD ter um mau resultado, isso poderia pôr em causa o lugar de Pedro Passos Coelho, mas nem essa hipótese Marcelo Rebelo de Sousa considera: “Quer Pedro Passos Coelho quer António Costa são duros e resistentes”.
Ora, se não há sobre a mesa uma possível instabilidade à esquerda ou à direita — o PR também acha que Assunção Cristas, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins estão sólidos nos seus partidos — porquê aquela declaração? “Foi para se perceber que estava fora de causa nestes dois anos haver instabilidade. E depois também era desejável que não houvesse. Como havia grande especulação sobre certas leis, queria dizer que nada se alterou significativamente desde o começo da legislatura e das minhas funções. A maioria está estável”, reforça o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa estaria a referir-se às notícias sobre um eventual veto às 35 horas ou às barrigas de aluguer. E teria a intenção de, com estas declarações, reafirmar a confiança na solução governativa, apesar de poder ter eventuais discordâncias nestas ou noutras matérias. Saiu-lhe, no entanto, a frase sobre as autárquicas — que devem realizar-se em finais de 2017 –, dando a ideia de estar a colocar um prazo de validade ao apoio que tem dado à “geringonça”. Parece haver agora um antes e um depois das autárquicas.
Numa visita ao Exército, no Regimento de Comandos da Amadora esta terça-feira, o Presidente proferiu aos jornalistas a frase que fez sensação:
Desiludam-se aqueles que pensam que o Presidente da Repúblicas vai dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas. Depois das autárquicas, veremos o que é que se passa. Mas o ideal para Portugal, neste momento, é que o governo dure e tenha sucesso”.
O Presidente havia de reforçar, nas mesmas declarações, que “o governo existe para durar uma legislatura [quatro anos]. Há claramente um ciclo político marcado pelas autárquicas e portanto estar a especular sobre instabilidade política nesse ciclo não faz o mínimo sentido”.
Santana Lopes: “Vivemos tempos originais”
Uma fonte de Belém explicava ao Observador que esta frase do Presidente teria como intenção funcionar como uma chamada de atenção, porque os resultados das autárquicas podiam alterar o contexto político. Mas se era uma chamada de atenção, servia para todos os protagonistas e não apenas para a esquerda.
Se as eleições autárquicas podem ser um teste aos apoios do PCP e do Bloco de Esquerda ao Governo socialista, não é menos verdade que será um exame importante para Pedro Passos Coelho.
Ao ressalvar que o Governo é para a legislatura, Marcelo poderia estar apenas a alertar os protagonistas para um possível desequilíbrio de forças no sistema partidário a seguir às eleições. Sobretudo, caso houvesse um eventual enfraquecimento de Passos à frente do PSD. Em qualquer dos casos, as eleições autárquicas têm potencial para desencadear um novo ciclo político: ou com um reforço do PS nas câmaras; ou com um reforço da relação do PS com o PCP, se forem coligados em algumas autarquias; ou pelo contrário se a luta foi feia nas câmaras no Alentejo e no distrito de Setúbal, onde socialistas e comunistas disputam os executivos camarários; ou com uma vitória do PSD; ou com uma grande derrota do PSD. Qualquer dos cenários pode abrir uma nova fase, uma vez que as autárquicas devem coincidir com a fase em que o Orçamento do Estado para 2018 estará sobre a mesa.
“Vivemos tempos originais”, disse Pedro Santana Lopes, na noite desta terça-feira, ao comentar, na SIC-Notícias, as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa. “É uma originalidade dizer assim: ‘Até às autárquicas não faço nada e depois logo se vê'”. O comentador social-democrata, que nesse mesmo dia tinha deixado em aberto, mais uma vez, a possibilidade de se candidatar à câmara de Lisboa, afirmou que “levava-se muito a mal”, por exemplo, se tivesse sido Cavaco Silva a dizer uma coisa daquelas. “Mas Costa sabe que o que Marcelo está a dizer é verdade”, acrescentou Santana.
Na mesma rubrica de comentário, o socialista António Vitorino concordou com o Presidente: “Todos os protagonistas políticos serão chamados à pedra em 2017. As autárquicas nunca serão isentas de uma leitura nacional”. E não se limita ao PS: “Também servem para saber se a oposição tem condições para ser uma alternativa”.
Carlos Carreiras, coordenador autárquico do PSD, diz ao Observador que “o ideal é que haja estabilidade durante o ciclo legislativo”. Mas admite que as disputas locais podem ter um efeito político no apoio do Governo. “As autárquicas vão ser um momento importante para ver se a coligação que governa tem capacidade para se representar em sede de autárquicas”. O que se coliga no Parlamento, deve coligar-se localmente, considera Carreiras: “Só faz sentido se forem também coligados às autárquicas. E isso, só por si, já é um fator de instabilidade”. O presidente da câmara de Cascais diz que, “para ser lógico, para evitar qualquer fator de instabilidade, as forças que apoiam o Governo sejam as mesmas coligações que se apresentam para se sufragarem junto do povo”.
Quanto ao PSD, Carlos Carreiras descarta qualquer possibilidade de um eventual mau resultado recair sobre Pedro Passos Coelho: “Mesmo que esse resultado não seja positivo, o líder nada tem a ver com essa responsabilidade. A responsabilidade do resultado — que espero ser positivo — será minha, da coordenação nacional das autárquicas e das estruturas concelhias do partido, assim como dos candidatos”.
Sem comentar em aberto as declarações de Pedro Santana Lopes, o coordenador autárquico faz questão de enfatizar: “Não iremos atrás de autoproclamações. Uma autoproclamação é contraproducente. O processo que estamos a seguir não é apenas uma lógica do nome A ou do nome B, e ainda não reuni com a distrital de Lisboa”. Os nomes dos candidatos sociais-democratas só serão conhecidos depois de outubro.
Responsáveis do PS contactados pelo Observador não quiseram comentar a declaração de Marcelo Rebelo de Sousa.