“Para a direita! Para a direita!” O pedido do speaker tinha mais de logístico do que de ideológico. A multidão de pais, alunos e professores que subia a Avenida D. Carlos I em direção à Assembleia da República era grande e convinha arrumar o melhor possível aquela gente. Por isso, as pessoas que se dirigissem para a direita, Rua de São Bento acima. Mas é certo que também na ideologia havia uma tendência clara entre os manifestantes: o que mais se ouviu em frente ao Parlamento foram críticas à maioria de esquerda e ao Governo, acusados de quererem restringir a liberdade dos pais.
Ainda não eram 15h, hora marcada para o início do protesto, quando a pequena praça em frente ao Parlamento começou a compor-se. Milhares de manifestantes saíram da Avenida 24 de Julho entoando cânticos, tocando vuvuzelas e tambores. A manifestação foi convocada pelo movimento Defesa da Escola Ponto contra os cortes nos contratos de associação entre o Estado e algumas escolas privadas. Segundo a organização, participaram 40 mil pessoas no protesto e muitas não conseguiram chegar ao Parlamento.
Foi uma manifestação em jeito de festa. Em frente às escadarias da Assembleia, o movimento montou um palco por onde passaram, ao longo da tarde, grupos artísticos de várias escolas. Coube à Banda Juvenil Salesiana de Poiares a abertura do espetáculo, que continuou depois com fanfarras, demonstrações de ginástica e de dança. Durante todo o protesto, os manifestantes estiveram organizados conforme o colégio de onde vinham e vestidos de amarelo, a cor escolhida pelo movimento em defesa dos colégios privados e cooperativos.
A manifestação dos colégios também é um show de variedades. Speaker pede "uma festa fabulosa" pic.twitter.com/euyWfLVyIf
— Observador (@observadorpt) May 29, 2016
As pessoas vieram igualmente apetrechadas de outros objetos. Por entre a mancha humana foi possível ver frigideiras, tachos, pandeiretas, tambores, apitos e cartazes. Muitos cartazes, com mensagens mais ou menos inspiradas. “Os nossos impostos podem escolher?”, lia-se num dos maiores. “A minha escola é a melhor. Ponto” era uma das frases que mais se encontravam. Noutros cartazes podia ler-se “Eu não sou um contrato, sou uma criança”. Um manifestante trouxe um escaparate com fotografias de Mário Nogueira, da secretária de Estado da Educação e do ministro Tiago Brandão Rodrigues em vestidos de noiva. Chamou-lhes “Noivas de Santo António”.
Num misto de manifestação reivindicativa e desfile de talentos, o speaker elogiava os manifestantes e incitava-os a fazer barulho. “Vamos tornar esta onda amarela a maior de sempre em Portugal. Vocês são incríveis”, disse. Pouco depois, assumindo um falso ar sério, pediu “trinta segundos de silêncio” para dar “uma má notícia”. A multidão calou-se: “Tenho uma má notícia…para o Governo. Somos quarenta mil aqui hoje.”
Entre os que vieram do Norte do país num comboio especialmente alugado para o efeito estavam centenas de pessoas do Externato Delfim Ferreira, em Riba de Ave, a meio caminho entre Santo Tirso e Guimarães. “Que o Estado veja, que o Estado se dirija às nossas localidades e veja a realidade. São realidades muito diferentes de Lisboa, Porto e Coimbra”, disse ao Observador uma trabalhadora daquele colégio, que também tem uma filha a estudar lá, que se identificou como Elsa. Nascida e criada em Riba de Ave, diz que a terra “é um meio difícil” e que “nada mudou” nos últimos 32 anos, quando ela própria estudou no Externato Delfim Ferreira. Ou seja, a indústria não existe, o emprego escasseia e a escola pública que lá existe “não tem qualidade”. A melhor alternativa da rede de escolas do Estado, diz, fica a 12 quilómetros. “Eu vou mandar uma criança de nove anos para Famalicão? Não há rede de transportes”, queixa-se.
Ângela Ribeiro, professora daquele externato, podia ter mandado a filha para uma escola do Estado existente “mesmo ao lado” da sua casa. Mas decidiu matriculá-la num colégio com contrato de associação a 30 quilómetros. “Faço 60 quilómetros por dia por minha livre escolha”, diz ao Observador, antes de se manifestar “ultrajada” pela intenção do Ministério da Educação, que quer cortar o financiamento público a turmas destes colégios privados — a maioria dos quais se encontram em zonas onde até há poucos anos não existia oferta de escolas estatais.
Enquanto, no palco, decorriam as performances artísticas, o diretor do movimento Defesa da Escola Ponto falava aos jornalistas sobre a manifestação que ajudou a organizar. “Faço um balanço formidável”, disse Manuel Bento, que sublinhou o facto de as escolas com contratos de associação fazerem parte da rede pública de educação e de promoverem “uma competição saudável” entre estabelecimentos de ensino. O responsável negou que esta manifestação tivesse um caráter corporativo e argumentou que se tratava de um protesto “da família”. “O movimento não se interessa por qualquer negócio”, disse Manuel Bento.
As pessoas começaram a abandonar o Parlamento por volta das 16h50, já depois de uma dança ao som de “Juntos Somos Mais Fortes”, dos Amor Electro. Às 17h, os muitos que ainda estavam na Rua de São Bento entoaram o hino nacional e a manifestação acabou definitivamente.
Para perceber o que está em causa, leia o nosso Explicador: “Contratos de associação. O que são, o que pedem e o que vai mudar”.