Nem o secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita, nem o deputado do PS responsável pela pasta da Segurança Social, Tiago Barbosa Ribeiro, ousaram dizer esta quarta-feira no Parlamento com todas as letras que queriam acabar com a obrigatoriedade de o cidadão desempregado se apresentar quinzenalmente sob pena de perder o subsídio, como quer o Bloco de Esquerda. “Podemos não acompanhar integralmente todos os qualificativos e expressões utilizadas [pelo BE] mas a preocupação é legitima e isso nós acompanhamos”, disse o governante durante o debate dedicado ao tema. No final do debate, aos jornalistas, o governante admitiu mesmo que “no limite pode manter-se a periodicidade quinzenal”. Desde que o modelo seja melhorado. Ou seja, ao contrário do que disse Catarina Martins na convenção do BE, ainda não é liquido que as apresentações quinzenais sejam mesmo para acabar.

Certo é que o Governo quer “melhorar” o modelo de controlo mas não vai abdicar da “fiscalização” dos desempregados subsidiados e, segundo Miguel Cabrita, já está mesmo a trabalhar com o IEFP num novo plano. Aos jornalistas, depois do debate, o governante acrescentou ainda que espera que o novo modelo esteja pronto até “final do verão”. “Ainda nada está fechado”, acrescentou.

Mas o Bloco de Esquerda, ao que o Observador apurou, desconhece que modelo novo é esse e aceitou, a pedido do Governo, que a sua proposta legislativa não fosse votada já esta quarta-feira, descendo à comissão especializada para entendimento futuro. Caso contrário corria o risco de não ter luz verde do PS para a aprovação. Segundo fonte do BE, o Governo pediu mesmo aos bloquistas que introduzissem “duas alterações” ao projeto de lei, não especificando quais, com a garantia de que ficava assegurado o fim das apresentações quinzenais obrigatórias. Serão essas alterações que vão ser negociadas em sede de comissão, assim como será em sede de comissão que o Governo deverá esclarecer aos parceiros parlamentares o que é que está já a ser trabalhado com o IEFP.

É que o BE só tem uma exigência: acabar com as apresentações quinzenais “inúteis e humilhantes”. Mas a única garantia que esta quarta-feira ouviu do Governo foi esta: “Não vamos apenas mudar a regularidade para manter o modelo, queremos mudar o modelo para manter o acompanhamento regular”. Ou seja, esclareceu Miguel Cabrita, o Governo está disponível para “repensar e enriquecer” o modelo de acompanhamento e apoio aos desempregados, mas “não está disposto a fazê-lo de qualquer maneira que possa ser entendida como abrir brechas nos mecanismos de garantia de rigor”. A ideia do Governo é que o modelo de controlo sobre quem recebe o subsídio pode ser “repensado”, deixando de ser apenas “administrativo” – um carimbo feito de 15 em 15 dias – para ser “um modelo mais positivo, com base num plano integrado de acompanhamento em articulação com os planos pessoais de emprego”.

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Para evitar que o Governo aceite eliminar a apresentação quinzenal mas procure outra alternativa semelhante, o deputado bloquista José Soeiro, durante a sua intervenção, dirigiu-se indiretamente ao Governo para deixar claro que acabar com as apresentações quinzenais “não é substitui-las por um procedimento igualmente vazio feito nos centros de emprego” e “também não é substitui-las por apresentações igualmente vazias mas mensais”. O problema não é a periodicidade, mas sim o facto de este tipo de fiscalização ser “vazia e humilhante”, disse.

Direita acusa Governo de estar nas mãos do BE

Do lado direito do plenário, PSD e CDS procuraram explorar a brecha entre BE e Governo, instando o secretário de Estado a afirmar se quer mesmo eliminar o dever de apresentação periódica e instando o BE a dizer se quer mesmo acabar com toda e qualquer fiscalização. “Uma coisa é melhorar, outra é eliminar”, atirou o deputado do CDS António Carlos Monteiro. “Em que ficamos? Elimina-se ou não se elimina? Qual é a estratégia que o Governo tem para a criação de emprego?”, insistiu a deputada social-democrata Sandra Pereira, lembrando que foi depois do anúncio sobre o acordo feito por Catarina Martins na convenção do Bloco de Esquerda que o secretário de Estado se viu obrigado a fazer novas declarações sobre o assunto. “O Bloco usou do telecomando e obrigou o Governo a desdizer o que disse”, acrescentou a deputada.

Defendendo que “o Estado não se pode demitir de fiscalizar se os impostos dos portugueses estão a ser bem aplicados”, a bancada do PSD apontou ao alvo “Vieira da Silva”, atual ministro da Segurança Social, que também tutelava a pasta em 2006 quando a lei foi inicialmente aplicada. Para os sociais-democratas, o BE está a criticar um modelo que foi introduzido pelo PS e que o PS “usou sem mexer uma vírgula enquanto governou”, o que faz com que esteja a “passar um atestado de incompetência ao ministro”.

“O criador desta humilhação é o ministro Vieira da Silva”, concluiu a deputada Sandra Pereira.