Dilma Rousseff jogou, esta segunda-feira, a sua última cartada para tentar reverter o processo de impeachment (impugnação) e voltar ao Palácio do Planalto, quando respondeu no Senado perante os senadores brasileiros durante mais de doze horas. A estratégia da Presidente mostrou três objetivos fundamentais: defender-se das acusações que motivaram o seu processo de destituição, convencer parlamentares indecisos a votar contra a impugnação do seu mandato e tentar definir a sua narrativa com a qual o seu nome ficará escrito na história do Brasil.
O Observador acompanhou o dia mais longo da historia de Dilma Rousseff e dividiu em três momentos os principais acontecimentos da sessão.
A manhã de Dilma
Leitura de discurso pouco combativo e muito abrangente, recurso ao Supremo Tribunal Federal e respostas repetidas para perguntas repetidas
- O dia de Dilma Rousseff começou com a leitura da sua defesa no Senado. Durante cerca de 45 minutos, a Presidente afastada reiterou que o impeachment é um “golpe de Estado”, fez referências ao seu passado político – quando foi presa e torturada durante a ditadura militar no Brasil – e disse que defenderia o seu mandato não por “vaidade”, mas por “acreditar na democracia.
- Apesar de pouco combativo e muito abrangente, o discurso de Dilma Rousseff deixou alguns recados a Aécio Neves (presidente do PSDB e principal opositor nas eleições de 2014), ex-ministros da sua equipa ministerial (que são senadores e manifestaram publicamente que vão votar a favor do seu afastamento definitivo), ao “centrão” (bloco informal formado por 13 partidos de centro-direita que aprovaram o impeachment na Câmara dos Deputados) e a “setores da grande media brasileira” que estarão a apoiar o processo.
- Os recados mais diretores foram para o “chefe” e “vice-chefe” do golpe, conforme se referiu Dilma Rousseff a Michel Temer e Eduardo Cunha, em abril. A Presidente afastada criticou a falta de diversidade racial e de género na composição da equipa ministerial interina de Michel Temer e a sua política económica, e assegurou que o “processo de impeachment foi aberto por uma ‘chantagem explícita’ do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha”.
- A sessão de questões a Dilma Rousseff iniciou-se em seguida, com defensores e opositores da Presidente afastada a tentar definir o tom do debate em posições antagónicas. Enquanto senadores favoráveis ao impeachment associaram o processo à crise económica do país, parlamentares aliados à petista defenderam a ideia que o seu afastamento é um “golpe de Estado”.
- Quando questionada pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) sobre a razão pela qual ainda não recorreu ao Supremo Tribunal Federal para denunciar o alegado golpe”, Dilma disse que “ainda não esgotou essa instância” por respeito ao Senado, mas avançou que tomará esta medida, caso o seu impeachment seja aprovado. Ou seja, a sua destituição no Senado pode não ser “o fim” da briga pela volta ao Palácio do Planalto.
A tarde de Dilma
Novas eleições, pedido de desculpas e críticas mais ferozes dos senadores e aos senadores
- Ao retomar do descanso, Dilma Rousseff enfrentou um dos seus maiores críticos no Senado: Aécio Neves (PSDB). O parlamentar disse que “não foi uma desonra perder a eleição defendendo ideias e respeitando a lei” e relembrou algumas frases de Dilma Roussseff durante a campanha eleitoral de 2014, quando foi vencido pela Presidente afastada. Dilma garantiu: “Prefiro o barulho das ruas, das divergências eleitorais. Agora, não respeito a eleição indireta, produto de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade”.
- Enquanto Dilma se defendia no Senado, o Presidente interino Michel Temer participava de um evento, em Brasília, em que recebeu atletas brasileiros que participaram dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Temer disse aguardar “com absoluta tranquilidade” o resultado do julgamento final de Dilma Rousseff e garantiu que não assistiu ao discurso da petista no Senado por “falta de tempo”. “Eu não assisti [ao discurso], sabe que eu não tive tempo? Fiquei trabalhando nos despachos e não tive a satisfação de acompanhar o discurso”, revelou.
(AI) Para Temer, atletas olímpicos deram sentido de união ao Brasil: https://t.co/eXkYLJYuc7 pic.twitter.com/3bOfs6O1nm
— Michel Temer (@MichelTemer) August 29, 2016
- Dilma voltou a defender a ideia da realização de uma consulta popular sobre a possibilidade da antecipação de eleições presidenciais. A proposta já havia sido formalizada há duas semanas, numa carta divulgada à imprensa. A Presidente afastada também declarou o seu apoio a uma reforma política, de modo a diminuir o número de partidos que integram o Congresso brasileiro.
- Aproveitando a questão do senador Eduardo Amorim (PSC), Dilma Rousseff disse que o seu governo foi responsável por algumas das principais medidas de combate à corrupção. “Não nomeamos engavetador geral da República”, disse em referência à Procuradoria-Geral da República, órgão que lidera a investigação Operação Lava Jato.
- A Presidente afastada pediu “desculpas” ao senador Eduardo Amorim (PSC) pela falta de diálogo com os parlamentares durante a sua Presidência, mas disse que este argumento não é base para um pedido de impeachment. “Senador [Amorim], o senhor receba as minhas desculpas por não ter atendido às suas expectativas quanto ao diálogo. É algo que, eu tenho clareza, é importante que seja feito. Repito, não é base para nenhum crime de responsabilidade”, defendeu.
‘Pedaladas’ causaram prejuízos de R$ 6 bilhões, afirma Eduardo Amorim https://t.co/NahmoWXX6d pic.twitter.com/dZ8pjIaTWS
— Senado Federal (@SenadoFederal) August 29, 2016
- Senadores da oposição subiram o tom das críticas a Dilma Rousseff. “O seu Governo já não existe mais. Em horas, já não existirá mais a sua presidência”, sentenciou José Aníbal (PSDB). “Nunca soube que era possível um julgador, na hora em que uma testemunha está depondo, externe o seu julgamento”, rebateu a petista.
A noite de Dilma
Manifestações tímidas nas ruas, Eduardo Cunha e governo interino contra-atacam, Lula da Silva busca votos de última hora
- Enquanto falava ao Senado, manifestantes contra e a favor do impeachment de Dilma Rousseff começam a se aglomerar de maneira tímida em frente ao Congresso brasileiro. Em São Paulo, protestos contrários ao processo aconteceram na Avenida Paulista e causaram enfrentamentos com a polícia.
https://twitter.com/lucasrohan/status/770391967700226049
- O deputado e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, utilizou a sua conta no Twitter para dizer que Dilma Rousseff “segue mentindo contumazmente” ao acusá-lo de ser o responsável pela abertura do processo de impeachment.
Nota de Eduardo Cunha em relação ao depoimento da presidente afastada Dilma Rousseff. https://t.co/5PPX5tsDRr pic.twitter.com/PpQLsHZkHl
— Eduardo Cunha (@DepEduardoCunha) August 29, 2016
- A Secretaria de Comunicação do governo interino de Michel Temer também divulgou uma nota de imprensa a reagir às declarações de Dilma Rousseff, esta segunda-feira, no Senado, sobre possíveis cortes em programas sociais. “O debate no Senado Federal sobre o processo de impeachment gerou falsas acusações de retirada de direitos sociais, previdenciários e trabalhistas pelo Governo Federal aos cidadãos brasileiros”, defendeu a Secretaria.
- A governabilidade foi um dos temas recorrentes na parte final da sessão de perguntas a Dilma Rousseff. Foi o caso do senador Telmário Mota (PDT), que questionou como e com quem a Presidente afastada irá governar, caso volte ao poder. Dilma disse que comandará o Brasil com lideranças e políticos de base progressista e rejeitou voltar a contar com o apoio de todo o PMDB como aliado, apesar de não descartar alianças com alguns deputados do partido.
- O jornal Estado de S. Paulo relata que o ex-Presidente do Brasil, Lula da Silva, esteve a conversar esta segunda-feira com alguns senadores indecisos ou passíveis de mudança de voto para tentar travar o impeachment de Dilma Rousseff. Lula da Silva mostrou-se otimista com a votação final. “O jogo vai terminar com uma vitória nossa”, garantiu.
- Já o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, condenou Dilma Rousseff ao dizer que a Presidente afastada “faz um jogo de retórica” ao comparar o impeachment a um golpe de Estado. “Não me parece, que com tanta supervisão, por parte do Congresso, da Câmara, do Senado, o Supremo acabou por regular tudo isso”, disse Mendes.
- Na sua última intervenção aos senadores, Dilma Rousseff pediu consciência para que os deputados pensem na sua decisão sobre o impeachment e que parem de fazer disputas com a política fiscal do seu governo. “Tentar inventar crimes de responsabilidade onde eles não existem ou transformar o orçamento público num espaço de disputa ideológica que não tem consequências para o país, acho que já temos maturidade suficiente para superar esse processo”, defendeu.