Foi, supostamente, mais uma boa notícia a que chegou ontem: o Governo antecipou este mês o pagamento de cerca de dois mil milhões de euros ao FMI, um pagamento que não estava previsto no calendário do IGCP. António Costa vangloriou-se por não ter, “ao contrário do que alguns disseram”, adiado o pagamento do empréstimo da troika mas ter antes “antecipado” duas tranches para poupar nos juros. Marcelo Rebelo de Sousa aplaudiu a “boa notícia”. Mas Pedro Passos Coelho não gostou de ver os foguetes serem lançados para o ar e, esta quarta-feira, numa intervenção longa perante os deputados do PSD, numa reunião da bancada aberta à comunicação social, desconstruiu as contradições do Governo nesta matéria: primeiro, Governo admite não vir a fazer mais pagamentos antecipados este ano para dar prioridade à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, e depois muda de ideias porque a recapitalização, que devia ficar fechada em 2016, resvalou para 2017, deixando uma margem orçamental a descoberto.

São as “contradições” do Governo e Passos Coelho resolveu explicá-las de forma cronológica, ponto por ponto, recordando as várias vezes em que o Governo, nomeadamente o Ministério das Finanças, falou publicamente sobre o tema, dando conta de que não viria a fazer “mais pagamentos antecipados ao FMI este ano” para “manter as reservas financeiras confortáveis” enquanto se preparava o plano de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Isto foi em maio. Desde essa altura que o Governo pôs o banco público no topo das prioridades e disse que o processo, que envolve injeção de capital, estaria fechado até ao final do ano.

“Pouco tempo depois o Governo viu a presidente do IGCP [entidade que gere a dívida pública] afirmar o mesmo numa entrevista”, continuou Passos, mas a 14 de setembro, o ministro das Finanças considerou “leviano” relacionar a recapitalização da CGD “com as amortizações ao FMI”. Logo, “considerou portanto leviano o que o ministério das Finanças e o IGCP tinham dito”. Mas a cronologia continua .“A 6 de novembro as Finanças reafirmaram que não haveria pagamentos antecipados ao FMI. Não foi em maio, não foi em setembro, não foi sequer em outubro, foi este mês”, insistiu o líder social-democrata.

Mas a história não viria a ser bem assim. Na semana passada, no Parlamento, Mário Centeno admitiu que a recapitalização da Caixa iria resvalar para 2017. Terá sido apenas por isso que, segundo Passos, o Governo decidiu não seguir o seu próprio calendário e fazer o pagamento antecipado de duas tranches ao FMI. “É preciso ter muita lata”, disse Passos. “Mas o excesso de lata diminui a confiança”, acrescentaria depois.

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“A leviandade tomou conta da decisão oficial. É assim mesmo, podemos afinal ter uma amortização ao FMI, não no volume que estava inicialmente pensado, mas de cerca de dois mil milhões de euros, porque o Governo fracassou o seu objetivo de recapitalizar a CGD este ano”, disse.

Um Governo não merece governar 4 anos

Numa intervenção de cerca de 40 minutos no Parlamento, numa sessão do PSD destinada a apresentar e a discutir as suas propostas “estruturais” para o Orçamento do Estado, Passos Coelho admitiu que o Governo tem “estabilidade para governar”, tal como disse esta quarta-feira o Presidente da República, depois de se ter desdobrado em elogios ao Governo. Mas é uma estabilidade, segundo Passos, que não pode ser confundida com “confiança”.

Para o líder do PSD, a falta de transparência do atual executivo, assim como o “foguetório” que tem vindo a preparar à boleia das “medidas eleitoralistas” que tem apresentado em vésperas de autárquicas, como é o caso do aumento extraordinário das pensões (“que é vergonhosos”), mina a “confiança” e “instrumentaliza o Estado”.

E é por isso, disse, que o atual Governo “não merece governar quatro anos”. Porque apenas se guia pela hipótese de “vencer eleições” e de “ter popularidade nas sondagens”. “Quem está a trabalhar para ser julgado a cada dia, a cada mês, a cada semana, não merece a estabilidade de quatro anos porque não a vai aproveitar para pôr ao serviço do país”, disse.

Um plano B que o Governo se recusa a reconhecer

Outro ponto do argumento de Pedro Passos Coelho é a ideia de que o Governo está a pôr em marcha um “plano B” em 2016 para atingir a meta do défice, fazendo-o com “cortes” e com medidas excecionais, assim como adiando a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Um plano B que difere muito daquilo que estava previsto inicialmente pelo Governo para alcançar as metas e os objetivos de crescimento, mas que o Governo “não tem coragem” de assumir.

“O Governo prepara-se para atingir um valor para o nosso défice público executando um ‘plano B’ que muda inteiramente aquilo que foi a política apresentada no orçamento para 2016, e nunca teve a coragem, ainda hoje não tem a coragem, de assumir que pôs em prática um plano B para evitar ter um pior resultado orçamental que o atingido em 2015”, sublinhou Pedro Passos Coelho.

Nesse “plano B” há 430 milhões de euros de “cativações permanentes, ou seja, cortes”, mas mais: um conjunto de “medidas extraordinárias”, o “maior corte em investimento público que há memória” e a passagem da recapitalização da CGD para o próximo ano por o executivo “finalmente reconhecer” dúvidas sobre se algum montante iria parar ao défice, disse.