Uma ex-ministra timorense condenada em dezembro a sete anos de prisão por participação económica em negócio pediu o afastamento do presidente do Tribunal de Recurso do processo por este ter feito declarações do caso ainda em fase de recurso. O pedido de suspeição contra Guilhermino da Silva, a que a Lusa teve acesso, foi apresentado esta semana na sequência de declarações que o presidente da única instância superior em Timor-Leste fez a um jornal timorense no passado dia 8 de fevereiro.

Nesse texto a defesa nota que apesar de estarem ainda a decorrer recursos, o juiz “não se coibiu de insinuar que a arguida é corrupta e que ele próprio concorda com a decisão condenatória do Tribunal de primeira instância e, concretamente, com a pesada pena que lhe foi aplicada. Questiona ainda o facto de o juiz ter tomado posição pública, “afirmando que não existe fundamento para o pedido”, sobre o recurso da decisão de indeferimento do pedido de delegação do procedimento penal nas autoridades portuguesas, que ainda está por apreciar.

Declarações, refere a defesa, que indiciam que o juiz “violou diversos deveres a que está vinculado, princípios básicos do Estado de direito democrático e um conjunto vasto de direitos fundamentais da arguida e recorrente Emília Pires”, refere.

A defesa considera que o juiz “violou de forma flagrante o princípio da presunção de inocência” e que as suas declarações são “uma gravíssima violação dos deveres (…) de exercer a sua função com honestidade, isenção, imparcialidade e dignidade (…), de tratar com urbanidade e respeito os intervenientes do processo e (…) de abster-se de manifestar, por qualquer meio, opinião sobre processo pendente de julgamento ou decisão ou emitir juízo sobre despachos, pareceres, votos ou sentenças de órgãos judiciais”.

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A defesa pede que Guilhermino da Silva “seja impedido de integrar o coletivo que apreciará os recursos” mas considera que o seu afastamento “não será suficiente para assegurar um julgamento independente e imparcial porquanto, os seus pré-juízos e convicções públicas, inevitavelmente, influenciaram e influenciarão os restantes membros do Tribunal”. Daí que a defesa “irá requerer ao Conselho Superior da Magistratura e demais entidades com competências no setor da Justiça que tomem medidas adequadas a garantir um julgamento justo e imparcial”.

No artigo do jornal Timor Post, Guilhermino da Silva faz vários comentários sobre o caso referindo-se a questões como a ausência de Emília Pires de Timor-Leste, o debate sobre a sua dupla nacional (timorense e portuguesa) e a decisão do Tribunal Distrital de Díli, que condenou Emília Pires a sete anos de prisão e a ex-vice-ministra da Saúde, Madalena Hanjam, a quatro anos de prisão.

“As pessoas ameaçam, mas isso é normal, antes as pessoas eram contra o tribunal porque defendia pessoas corruptas dentro do governo, mas a realidade demonstra que sempre são condenadas na mesma, por isso é que no dia 20 de dezembro o Tribunal de Díli já deu a sua decisão que Emília Pires tem de ser castigada por sete anos e a Madalena Hanjam será castigada por quatro anos, isto já está certo” disse Guilhermino, citado no jornal. O jornal cita ainda uma declaração do juiz que considera que o pedido de transferência de Emília Pires do processo para Portugal (na fase de recurso) “não tem base porque entre estes dois Estados não existe nenhum acordo que fale sobre esse assunto”. “Por isso o Presidente do Tribunal de Recurso acredita que, quer queira ou não, é melhor a arguida vir cá responder porque não existe outro caminho”, conclui o artigo.

A defesa de Emília Pires sustenta que o juiz “fez várias considerações que revelam a sua posição relativamente a um conjunto de questões da máxima relevância, que foram submetidas à apreciação do tribunal a que preside, mas que ainda não foram julgadas”. As considerações “denotam que o Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal de Recurso antipatiza com a posição da arguida e recorrente Emília Pires e que não tem qualquer pudor em anunciá-lo publicamente”.

No texto remetido ao tribunal a equipa de advogados de Emília Pires, do escritório português Quatrecasas, considera particularmente grave o facto de o juiz fazer declarações sobre o processo quando “ainda não tomou conhecimento dos vários recursos e das respostas aos recursos interpostos pelos vários intervenientes processuais.

Recorde-se que o seu processo – em que também foi condenada a ex-vice-ministra da Saúde, Madalena Hanjam – está pendente de três recursos, dois da defesa (que pedem a absolvição) e um do Ministério Público que pede um agravamento de penas.

Estão ainda pendentes “diversas decisões interlocutórias que afetaram sobejamente os direitos da arguida, entre as quais a decisão de indeferimento do pedido de delegação do procedimento penal nas autoridades portuguesas e a decisão de substituição da medida de coação de proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização pela prisão preventiva”.

O caso de Emília Pires tem suscitado polémica tanto no setor judicial como no político com a ex-ministra e o seu antigo chefe, Xanana Gusmão, a escreverem cartas abertas em que apontam o dedo a várias irregularidades e problemas no setor da justiça.