Em plena União Soviética, a velha URSS, o descanso era visto como algo fundamental. Foi nesta época que o Kremlin construiu dezenas de sanatórios em todo o país, onde os trabalhadores do Estado poderiam passar uma a duas semanas de férias relaxantes, financiadas também elas pelo Estado. Maryam Omidi é a jornalista que lançou um projeto onde mistura a história dos sanatórios da antiga União Soviética com a sua arquitetura.

Vinte cinco anos passados desde o colapso da União Soviética, muitos destes sanatórios continuam em atividade. Muitos deles transformaram-se em resorts de saúde. Outros, no entanto, não tiveram a mesma sorte e sucumbiram às ruínas.

Durante os dias da União Soviética, o descanso era visto como algo deveras importante”, afirmou a escritora Maryam Omidi. “O objetivo [dos sanatórios] era que os trabalhadores recuperassem dos dias de trabalho duro, durante todo o ano, para que pudessem voltar ao trabalho de uma forma mais fresca e produtiva”, continuou.

A jornalista Omidi decidiu então lançar um projeto chamado Kickstarter – “O último recurso: a estranha beleza dos sanatórios soviéticos” – que pretende documentar a história destes edifícios desde a sua construção até aos seus dias atuais. Em entrevista à CNN, a repórter explicou o conceito do seu projeto.

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A importância dos sanatórios

Como explica Maryam Omidi, os soviéticos orgulhavam-se da sua filosofia de descanso e lazer, acreditando ser parte integrante do socialismo que defendiam. Deste modo, os sanatórios eram encarados como peças fundamentais da sua superioridade.

Os sanatórios da União Soviética

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A construção dos sanatórios promovidos pelo Kremlin começou por volta de 1920 e terminou apenas com a queda da União Soviética. Foi em 1922 que o código de trabalho promoveu que todos os funcionários do Estado deveriam ter duas semanas de férias, para descansarem do ano inteiro de trabalho. O objetivo era voltarem “mais frescos e produtivos”. Em 1990, no seu pico, os sanatórios soviéticos poderiam ter até meio milhão de ‘convidados’.

As férias eram encaradas como sendo um momento para atividades relaxantes, onde o ganho material superava o espiritual. Esta filosofia fez com que os arquitetos tivessem “luz verde”, como explica Omidi, para serem tão “ousados e ostensivos como desejassem”, independentemente do custo. Os vários sanatórios, distribuídos pelo país, primam por exibirem vários estilos arquitetónicos.

Sobre os tratamentos recebidos nos sanatórios onde esteve, a jornalista contou uma das suas experiências mais invulgares: um banho de dióxido de carbono. Sim, leu bem. O banho é um tratamento que “cura tudo, desde a infertilidade à depressão”. Consistia então em entrar dentro de um saco de plástico do tamanho do corpo que, posteriormente, era apertado à volta do seu pescoço. Para dentro do saco era bombeado dióxido de carbono.

Os sanatórios da antiga União Soviética eram bem diferentes dos da Europa, ou mesmo dos resorts e SPA que existem na América. ” [nos sanatórios] não existem massagens extravagantes com óleos de aromaterapia, nem aulas de ioga ao pôr-do-sol”, explicou a jornalista. Mesmo os sanatórios ex-soviéticos que hoje em dia viraram resorts continuam a ter uma ideologia mais utilitária do que propriamente de luxo, muito devido aos “ideais utópicos em que foram fundados”, continuou.

Para Omidi, um dos sanatórios mais famosos é o Druzhba, situado em Crimea. A sua arquitetura é futurista e, em 1985, chegou mesmo a confundir os EUA, que pensou que o edifício se tratasse de um lança mísseis.

O livro que Omidi pretende lançar será o primeiro a oferecer uma coleção que junta o texto à fotografia, no que diz respeito aos sanatórios da União Soviética. A jornalista irá apenas focar-se naqueles que ainda se encontram em atividade e não nos que se encontram em ruínas. No livro poderá ler sobre os ideais utópicos sobre os quais cada sanatório foi construído, quais os tratamentos não convencionais que lá se oferece e, até, histórias individualizadas daqueles que por lá passaram.

Como começou a ideia do livro?

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Foi em 2015 que Maryam Omidi teve a ideia de realizar um livro que contasse a história e arquitetura dos sanatórios da União Soviética. Nesta data, a jornalista foi ao sanatório Khoja Obi Garm, no Tajiquistão. A forma como foi recebida e todo o ambiente envolvente do espaço desde logo chamaram a sua atenção. A partir daí, foi tentar colocar o projeto para a frente. Pode ler mais sobre a experiência da jornalista aqui.

Para que o projeto seja possível, uma equipa de seis fotógrafos, juntamente com Maryam Omidi, vão viajar pelo antigo território da União Soviética para que possam documentar os melhores edifícios da época. Para além das fotografias do exterior e interior, pretende-se realizar entrevistas intimistas tanto aos hóspedes como aos próprios funcionários, tal como explica o site do projeto.

Ainda assim, existem alguns desafios ao projeto, sendo um dos maiores o acesso a alguns dos sanatórios. Algumas das regiões onde os edifícios estão localizados são mais autoritários e hostis e, por isso mesmo, ter fotógrafos estrangeiros a andar de um lado para o outro pode não ser fácil. Ainda assim, a jornalista ressalva que não existem muitos destes casos e que a maioria dos territórios têm uma política mais aberta, sem necessidade de vistos ou burocracias.

Um dos grandes objetivos deste livro é impulsionar os leitores a visitar, por si mesmos, alguns destes locais. Enquanto o trabalho não sai (está previsto para a primavera de 2017), veja a fotogaleria com cinco dos vários sanatórios da época da União Soviética, que ainda se encontram em atividade.