O acordo era uma semana com tudo incluído: estadia de seis ou sete noites (dependia da modalidade escolhida) num hotel de quatro estrelas na estância balnear de Los Álamos, Torremolinos, no sul de Espanha; refeições incluídas, bebidas alcoólicas à discrição e animação no bar da piscina do hotel.
Os cerca de mil estudantes portugueses que nestas férias da Páscoa se deslocaram de vários pontos do país para Los Álamos pensavam que iam ter uma viagem de finalistas inesquecível, mas não correu exatamente como esperavam.
Ao fim de uma semana de desentendimentos graves com os donos do hotel, entre queixas de mau atendimento, falta de condições básicas de higiene, e várias idas da polícia ao estabelecimento, o grupo de portugueses acabou por ter de regressar a casa um dia mais cedo do que o previsto, com uma acusação de vandalismo, sem os 50 euros que cada um tinha pago como caução e com o livro de reclamações preenchido.
Um sofá no elevador, farinha nos corredores e o fim do “bar aberto”
O Observador falou com dois destes estudantes, que não quiseram ser identificados, e que deram a sua versão dos acontecimentos. Depois de terem chegado ao destino no sábado, dia 1 de abril, o plano para quem tinha pago a estadia de sete noites era ficar até sábado à noite (8 de abril), altura em que fariam a viagem de regresso a Portugal, de modo a chegarem no domingo durante o dia. Mas, contam, na noite de sexta-feira foi-lhes comunicado pelos donos do hotel que teriam de sair logo na manhã seguinte e que lhes seria cobrada a caução inicial de 50 euros.
E porquê? “Disseram-nos que já tínhamos feito demasiados estragos e que tínhamos de sair mais cedo”, conta uma das fontes, sublinhando que só aí é que ficou a saber das acusações de azulejos partidos, colchões atirados pela janela e situações semelhantes a que, de resto, diz nunca ter assistido. “Tive de pagar a caução apesar de o meu quarto e o de muitos dos meus amigos estar impecável“, afirma. O dia de sábado, que ainda devia ter sido passado no hotel, foi passado no parque de diversões Tivoli World, em Benalmádena, de onde os jovens seguiram depois para Portugal.
A mesma fonte não nega, contudo, outro tipo de distúrbios durante a estadia. Questionada sobre os extintores que terão sido esvaziados dentro do hotel, diz que tal não aconteceu e que isso foi confundido com a farinha que os adolescentes compraram para lançar uns aos outros nos corredores (mas que “limparam no final”). Além disso, apenas um sofá que foi encontrado no elevador. “O mais estranho que vi foi um sofá que estava no corredor, no elevador”, diz ainda, procurando relativizar as situações de supostos danos materiais que os donos do hotel dizem estar avaliados em 50 mil euros.
Cerca de mil estudantes portugueses expulsos do hotel em viagem de finalistas a Espanha
Reforçando que a agência de viagens esteve “sempre bem” e “do lado dos finalistas”, os jovens do 12º ano criticam o facto de o hotel não ter cumprido com o que estava acordado. Uma das coisas era o prometido “bar aberto” diário. “O bar aberto estava incluído nas condições da estadia e foi cancelado durante um dia inteiro e depois durante alguns dias após as 20h”, contam. “No segundo dia não foi permitida a venda de bebidas alcoólicas e foi também a partir desse dia que foi colocado um segurança à entrada do hotel para revistar qualquer finalista que entrasse com bebidas”, acrescentam ainda.
Outro dos argumentos invocados pelos donos do hotel para a “expulsão”, segundo os jovens finalistas, foi o facto de o som das festas realizadas no bar da piscina estar “acima do legalmente permitido”. “Na quinta-feira chamaram a polícia por causa do barulho, mesmo sabendo que os concertos tinham sido agendados pela agência e faziam parte do acordo”, notam os relatos feitos ao Observador. Foram, de resto, várias as vezes em que a polícia foi chamada àquele estabelecimento hoteleiro.
Baratas e água fria: “Cantámos gritos de revolta”
A verdade é que a semana foi conturbada e os jovens estudantes admitem que, perante os desentendimentos, “a maior parte dos finalistas cantou gritos de revolta” face àquilo que dizem ser as más condições do hotel. “Entre outros problemas do hotel foram encontradas baratas nos quartos“, dizem, queixando-se também da comida, que era pouca e repetitiva, sempre à base de massas; da falta de limpeza da roupa de cama e de banho, que não era mudada; da “falta de água quente em alguns quartos”; e da “recusa em entregar o livro de reclamações” sempre que foi solicitado.
“Tentámos reclamar e só recebemos o livro de reclamações após muita insistência e ameaças de chamar a polícia”, acrescentam ainda, mostrando-se “descontentes e revoltados” com a forma como foram tratados — “só por sermos estrangeiros e jovens”. Em declarações à TVI, a mãe de um finalista contou que a viagem custou “entre 625 e 650 euros” e saiu em defesa do grupo do filho, natural de Odivelas, apontando o dedo a “um grupo do norte” do país, que terá estado na origem dos desacatos maiores.
Segundo os relatos feitos ao Observador, neste grupo de cerca de “600” finalistas (os restantes já tinham regressado a Portugal na sexta-feira porque estavam na modalidade de 6 noites), estariam jovens maioritariamente de Lisboa e Porto, mas também de Braga, Faro, Vila Real, Guarda, entre outros concelhos do país. Este sábado à noite voltaram todos ao território nacional.
Nas últimas horas a página de Facebook do hotel em questão tem sido inundada de comentários negativos dos estudantes portugueses que entretanto já voltaram às suas casas. As queixas vão todas no sentido da falta de condições do hotel, no mau atendimento e na ideia de “termos pago uma coisa, e teremos tido outra completamente diferente”.
A notícia da expulsão das largas centenas de portugueses começou por ser avançada este sábado à tarde pelo Correio da Manhã, que relacionou os desacatos com “excesso de álcool”. A PSP confirmou depois que a expulsão tinha sido por “desacatos e mau comportamento”, e só ao final da tarde o jornal espanhol El País falou em vandalismo “sem igual” e em prejuízos de “milhares de euros” naquele hotel Pueblo Camino Real, em Torremolinos.
Segundo aquele jornal, os jovens foram expulsos pela direção do hotel depois de terem “destruído azulejos, atirado colchões pelas janelas, esvaziado extintores nos corredores do hotel e colocado inclusive uma televisão na banheira”. Pela voz do secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, o Governo português disse estar a acompanhar a situação, notando que a agência que organizou a viagem (a Slide In Travel) tinha seguro, mas que, no entender dos representantes do hotel, “não é suficiente para cobrir” os danos causados. Não é certo ainda em que valor os danos vão ser avaliados e quem os vai pagar.
“Situações normais”
Citado pelo JN, um reponsável da agência Slide In negou depois os desacatos e a ordem de expulsão: “Os finalistas saíram no dia em que deviam ter saído, quando completaram as seis noites de hotel”, disse. Ainda assim, Nuno Dias assume o “desagrado” do diretor do hotel espanhol face ao comportamento dos estudantes portugueses e do “barulho”, ressalvando que o fez porque “nunca tinha recebido viagens de finalistas antes”: “Os proprietários desconheciam o ambiente que se cria nestas viagens. São pequenos danos, situações normais. Se o diretor do hotel não estava preparado para receber estas viagens nem para o barulho das festas de finalistas não devia ter aceitado acomodar este tipo de clientes”.
Já este domingo, uma fonte da polícia em Torremolinos disse à agência noticiosa EFE que nos últimos dois dias as autoridades tiveram de atuar em várias ocasiões no Hotel Pueblo Camino Real, perto da cidade de Málaga, onde estavam instalados os jovens portugueses. Citada pela Lusa, a mesma fonte explicava que a polícia espanhola disse que 1.200 estudantes portugueses causaram danos de milhares de euros num hotel na costa sul de Espanha e que nos últimos dois dias as autoridades tiveram de atuar várias vezes por distúrbios. A polícia disse também que um grupo de cerca de 1.200 estudantes portugueses entre 14-17 anos causou estragos nos quartos na ordem dos 50 mil euros.