O Papa Francisco aterrou este sábado no aeroporto Roma, depois de uma visita de cerca de 24 horas a Portugal. Na viagem de cerca de duas horas e meia, o Papa falou aos jornalistas a bordo do avião da TAP. E abordou temas como o dos abusos sexuais na Igreja ou a mensagem de paz que levou de Fátima. Mas recusou falar sobre Donald Trump.

Dois mil processos de abusos sexuais atrasados

O Papa assegurou que nunca assinou um indulto a padres envolvidos em escândalos de abusos sexuais e reconheceu que os processos estão muito atrasados. Francisco comentava o tema após a decisão da irlandesa Marie Collins de se demitir da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores.

“Ela explicou-me bem as coisas, falei com ela, é uma grande mulher, e vai continuar a trabalhar na formação dos sacerdotes, neste ponto”, disse o Papa sobre Marie Collins, que se demitiu acusando o Vaticano de “falta de cooperação”. O líder da Igreja Católica deu “alguma razão” à irlandesa, afirmando que “há muitos casos atrasados, porque se amontoavam ali”, e referiu mesmo que “há dois mil processos amontoados”.

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Mas, sublinhou, estão a ser feitos avanços: “Foi preciso fazer a legislação sobre o que deviam fazer os bispos diocesanos. Hoje, em quase todas as dioceses, há um protocolo para estes casos, é um grande avanço”. Francisco explicou depois que os demitidos do estado clerical recorrem da decisão na diocese.

O recurso é avaliado então por “outro tribunal”, criado pelo Papa Francisco, e que é liderado pelo arcebispo Scicluna, “um dos nomes mais fortes contra os abusos”, disse, referindo-se ao procurador do Vaticano para a questão dos abusos sexuais “Quem recorre, tem direito a ter um defensor. Se se aprova a primeira sentença, acaba o caso”, descreveu, e ao condenado apenas resta escrever uma carta a pedir clemência ao líder católico. Mas, até agora, sem sucesso: “Nunca assinei um indulto”, garantiu.

A mensagem de paz dos três pastorinhos é para repetir

O Papa Francisco comprometeu-se a repetir a “mensagem de paz” de Fátima “com quem quer que fale”. “Fátima tem uma mensagem de paz, certamente, que foi levada à humanidade por três grandes comunicadores, que tinham menos de 13 anos, o que é interessante”, afirmou, referindo-se aos três pastorinhos que estiveram na origem do fenómeno e dos quais dois, os irmãos Jacinta e Francisco, canonizou no santuário português.

A canonização dos dois beatos “não estava planeada inicialmente, porque o processo de milagre estava em marcha, mas de repente as perícias vieram todas positivas e acelerou-se, assim juntaram-se as coisas”, relatou, admitindo que este desfecho lhe causou “uma felicidade muito grande”. Questionado pela RTP sobre o que pode o mundo esperar, após a sua visita a Fátima, a primeira que realizou, o Papa respondeu: “Paz. De que vou falar eu, daqui para a frente, seja com quem for? Paz”.

Francisco relatou que, antes de visitar Portugal, recebeu um grupo de cientistas de diferentes religiões, mas também ateus e agnósticos e, um deles, ateu, disse algo que lhe “tocou o coração”. “Peço-lhe um favor: diga aos cristãos que amem mais aos muçulmanos. Esta é uma mensagem de paz”, afirmou.

A Rádio Renascença questionou Francisco sobre o significado da referência ao “bispo vestido de branco”, na oração durante a bênção das velas na sexta-feira, a mesma expressão do terceiro segredo de Fátima e que o Papa João Paulo II associou ao atentado que sofreu em 1981.“Essa oração não a fiz eu, fê-la o Santuário”, comentou. Mas, a referência ao branco pretende exprimir “um desejo de inocência, de paz, de não fazer ao mal aos outros, não fazer guerra”, explicou.

Sobre o significado do segredo, o então cardeal Ratzinger (que viria a ser o Papa Bento XVI), na altura prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (2000), “explicou tudo claramente”. A jornalista de origem argentina Elisabetta Piqué, autora de uma biografia sobre Francisco, mencionou que este sábado, dia 13 de maio, faz 25 anos que Jorge Bergoglio recebeu a informação de que seria apontado bispo-auxiliar de Buenos Aires, o que pôs um fim a uma espécie de exílio que sofreu em Córdoba, a 1.200 quilómetros da capital da Argentina. “As mulheres sabem tudo”, desabafou o Papa, sorrindo.

Francisco admitiu que na sexta-feira, enquanto rezava em frente à imagem de Maria na Capelinha das Aparições, em Fátima, é que se lembrou desta coincidência. “Somente ontem [sexta-feira], quando estava em frente à Senhora, me lembrei que tinha recebido o telefonema há 25 anos. Pedi perdão por todas as minhas falhas”, contou.

Os padres devem fugir da “peste da Igreja”

O Papa Francisco criticou o “clericalismo”, que classificou como “uma peste na Igreja” de que os padres “devem fugir”, porque “afasta as pessoas”. O papa respondia a uma pergunta da agência Lusa, em nome dos jornalistas de língua portuguesa, sobre o distanciamento entre populações de maioria católica mas cuja organização é contrária às orientações da Igreja, como o casamento entre homossexuais, a despenalização do aborto ou a eutanásia.

Francisco considerou que está em causa “um problema político”. Também, a consciência católica não é consciência, às vezes, de pertença total à Igreja. Por detrás, não há uma catequese matizada, uma catequese humana”, comentou.

Para Francisco, “falta informação e também cultura”, além de um “trabalho de catequese, de consciencialização, de diálogo, de valores humanos”. De seguida, o líder da Igreja Católica disse que “é curioso que em algumas regiões, como Itália, como a América Latina, são muito católicos, mas são anticlericais”. “É um fenómeno que acontece”, referiu.

Questionado se este fenómeno o preocupa, respondeu afirmativamente. “Claro que me preocupa. Por isso digo aos sacerdotes: fujam do clericalismo, porque o clericalismo afasta as pessoas“, salientou. “Fujam do clericalismo, e acrescento: é uma peste na Igreja”, disse ainda.

Papa recusa falar de Trump, com quem se encontrará este mês

O papa Francisco rejeitou tecer considerações sobre o Presidente norte-americano, que receberá no próximo dia 24, e defendeu a necessidade de haver “diálogos sinceros” porque “a paz é artesanal e faz-se todos os dias”.

Questionado sobre as suas expectativas sobre o encontro, previsto para dia 24 de maio, com o Presidente norte-americano, Donald Trump, Francisco respondeu: “Não quero fazer um juízo sem sentir a pessoa”. “Na nossa conversa, eu digo o que penso, ele dirá o que pensa”, referiu.

Francisco sublinhou que “a paz é artesanal, faz-se todos os dias”, tal como “a amizade, o conhecimento mútuo, a estima”. Instado a comentar o tema dos migrantes, que Donald Trump rejeita e cujo acolhimento Francisco tem defendido, o papa apontou que “há sempre portas que não estão fechadas”.

“Devemos aproximar-nos das portas que estão, pelo menos, um pouco abertas, entrar, falar sobre as coisas comuns e andar em frente, passo a passo”, considerou. Sobre estas conversas, Francisco sublinhou a necessidade de manter o respeito e a sinceridade. “É preciso dizer o que se pensa, mas com respeito. Mas dizer, ser muito sincero sobre aquilo que cada um pensa”, salientou.

O Papa deverá receber Donald Trump no dia 24 de maio na Santa Sé, durante a visita do Presidente dos Estados Unidos a Itália para participar na cimeira do G7, nos dias 26 e 27 na Sicília.