Ainda a contratação — e sucessiva demissão — de António Domingues como presidente da Caixa Geral de Depósitos. O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, explicou esta segunda-feira que o banco supervisor “não esteve envolvido” na contratação do antigo vice-presidente do BPI para presidente executivo do banco público, demarcando-se de todo o processo.

Ouvido no âmbito da comissão de inquérito à atuação do Governo no processo de nomeação da antiga administração da Caixa, o governador do Banco de Portugal aproveitou para explicar que o regulador “não esteve envolvido nem teve qualquer intervenção” na contratação ou negociações que estiveram na origem da escolha de António Domingues para presidente da Caixa.

Lembrando que é ao Governo — e não ao Banco de Portugal — a quem compete a responsabilidade de escolher os administradores do banco público, Carlos Costa admitiu ter tido uma primeira reunião “de cortesia” a 19 de abril com António Domingues, onde o gestor comunicou que tinha sido convidado para presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos.

“O Banco de Portugal não esteve envolvido, nem teve, no quadro das suas competências legais, qualquer intervenção no processo da contratação de António Domingues e da sua equipa, nem nas negociações que conduziram à mesma”, afirmou o governador, antes de lembrar que as autorizações necessárias para o exercício destas funções são da responsabilidade do Banco Central Europeu.

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Nessa reunião, admitiu Carlos Costa, António Domingues falou “en passant” de algumas “limitações” que teriam de ser ultrapassadas para o exercício das suas funções. Esta terá sido a única referência do então vice-presidente do BPI às regras previstas pelo Estatuto de Gestor Público vigente.

Recorde-se que na origem da demissão de António Domingues está um caso nebuloso que envolvia as exigências feitas pelo administrador para assumir a presidência executiva da Caixa e as concessões que terão sido feitas pelo Governo enquanto representante do Estado português.

Domingues terá negociado com Mário Centeno a eliminação das limitações salariais aplicadas aos administradores da Caixa e a isenção de entrega das declarações de rendimentos junto do Tribunal de Constitucional, como analisava aqui o Observador. As pretensões do vice-presidente do BPI acabaram por não ser correspondidas, num processo que terminou com o ministro das Finanças a admitir que tinha existido um “eventual erro de perceção mútuo“.

Por esclarecer ficou o conteúdo da correspondência trocada entre António Domingues e Mário Centeno, onde, aparentemente, o ministro das Finanças terá dado garantias ao antigo vice-presidente do BPI de que havia condições para satisfazer as exigências da nova administração da Caixa. A 28 de abril, quando foi ouvido no Parlamento, Domingues disse não ter dúvidas de que o Governo aceitou isentar a sua equipa da entregar declarações de património e depois mudou de ideias. Mas não apresentou provas, como contava aqui o Observador.

O que disse António Domingues e as perguntas ainda sem resposta

Governador assegura desconhecer exigências do BCE para alteração dos estatutos

Questionado sobre as eventuais exigências feitas pelo BCE no sentido de o Governo português alterar o Estatuto do Gestor Público e assim cumprir com as regras do supervisor, Carlos Costa disse desconhecer qualquer recomendação nesse sentido.

O tema foi levado à comissão pela deputada do CDS Vânia Dias da Silva, que confrontou o governador do Banco de Portugal com o conteúdo de um email trocado entre a chefe de gabinete do secretário de Estado adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, e a então diretora-geral do Tesouro e das Finanças, Elsa Roncon Santos.

Nessa missiva, enviada a 3 de maio de 2016, Susana Larisma pede a Elsa Roncon que forneça ao gabinete de Mourinho Félix “as diligências que se afigurem necessárias para que a CGD deixe de estar abrangida pelo Estatuto do Gestor Público, para que se dê corpo às exigências regulatórias formuladas pelo BCE”.

Na posse desta informação, Vânia Dias da Silva pediu esclarecimentos a Carlos Costa, “Que exigências regulatórias tem o BCE que exigiam a alteração do estatuto do gestor público?”, questionou a deputada do CDS.

Na resposta, Carlos Costa foi perentório: “Não tenho conhecimento e duvido que tenha havido exigências nesse sentido”, respondeu o governador do Banco de Portugal.

A deputada democrata-cristã devolveu: assim se “comprova a tese de que houve um acordo entre António Domingues e o Governo” no sentido de alterar o Estatuto do Gestor Público para acomodar as exigências do antigo vice-presidente do BPI. “Sobre isso não me posso pronunciar”, respondeu o governador do Banco de Portugal, explicando que estava a ser ouvido na de responsável pelo banco supervisor e não na qualidade de perito legal.

Para terça-feira está agendada a audição de Ricardo Mourinho Félix, pelo que os democratas-cristãos deverão continuar a explorar esta aparente incoerência: afinal, foi ou não o BCE que recomendou a alteração do Estado do Gestor Público?

Carlos Costa acusado de ter “lavado as mãos” em eventual caso de conflito de interesses

Outro dos pontos de destaque da audição de Carlos Costa foi o eventual conflito de interesses e de possível violação de sigilo bancário que precederam a nomeação de António Domingues como presidente da Caixa Geral de Depósitos. Recorde-se que o gestor começou a trabalhar diretamente no plano de recapitalização do banco público quando era ainda vice-presidente do BPI. A questão foi levantada por vários grupos parlamentares, com Marques Guedes, deputado do PSD, a acusar mesmo o governador do Banco de Portugal de ter “lavado as mãos” em todo processo.

O responsável pelo banco supervisor explicou várias vezes que, não tendo o BPI levantado objeções em relação ao envolvimento do seu vice-presidente com o banco público, e tendo o Governo, enquanto representante do Estado português, legitimado António Domingues como representante da Caixa nas negociações com as autoridades europeias, não competia ao Banco de Portugal colocar reservas nessa matéria.

Marques Guedes, à semelhança do que foram dizendo os deputados do Bloco de Esquerda, PCP e CDS, acabou por resumir as explicações de Carlos Costa como uma “trapalhada”.

* Com Lusa