Ao comentar o caso do roubo de armamento militar em Tancos, Azeredo Lopes, ministro da Defesa Nacional, disse que bastava “procurar no Google” por outros casos de “roubo de armamento militar” para logo chegarmos a “conclusões importantes”. O Observador seguiu a sugestão. O que se segue é um levantamento de alguns dos mais mediáticos — e preocupantes — de roubo de material militar. Mas, à atenção do ministro, é preciso dizer que nem todos desapareceram de instalações do Exército, como aconteceu em Portugal.
O caso mais recente aconteceu este sábado numa empresa privada americana em Barcelona de onde dezenas de cartuchos de gás de nitroglicerina foram roubados. O material encontrava-se numa carrinha da empresa especializada em explosões controladas estacionada num parque em Eixample, carrinha que ainda não foi localizada. Os cartuchos de nitroglicerina, um composto químico explosivo, eram material industrial que pertenciam à empresa. O material pode ter causado ferimentos aos assaltantes por sido mal manuseado, de acordo com explicações da própria empresa à Europa Press. A informação só foi divulgada esta terça-feira numa conta de Twitter de um analista de segurança e confirmada mais tarde por fontes da polícia, explica o El Confidencial. A Polícia da Catalunha está a investigar o caso e mantém todas as hipóteses em aberto.
A frequência com que pistolas ou mesmo material pesado de guerra desaparece de sítios altamente sensíveis é suficiente para fazer soar sirenes em todo o mundo. Estamos mais ligados do que nunca: na Europa o espaço Schengen possibilita a movimentação livre de pessoas, bens e serviços e camiões onde já se esconderam espingardas e lança granadas. O tráfico de armas movimenta milhares de milhões de euros por ano. Um estudo recente realizado pelas universidades de Harvard e Northeastern, ao qual o diário The Guardian teve acesso, mostra que o número de armas roubadas a privados, por ano, nos Estados Unidos, está entre as 300 mil e as 600 mil. No limite máximo, isso seria equivalente a quase uma arma roubada a cada minuto na América.
Mas e se pensarmos não em revólveres ou pistolas – que mesmo assim já mataram este ano 7.627 pessoas apenas nos Estados Unidos — mas em arsenal de guerra como granadas ou lança-rockets? Na madrugada de quarta-feira, 26 de junho, desapareceram dos paióis de Tancos 44 lança-granadas, quatro engenhos explosivos prontos a detonar, 120 granadas e 1.500 munições de 9 mm. Foram roubadas ao Exército Português durante a noite e entre rondas de vigilância. O sistema de videovigilância não estava a funcionar e não se conhece o paradeiro do material. Mas o caso não é único.
Para que pode servir o armamento roubado em Tancos? É assustador
Milícia libanesa mostra o seu arsenal… norte-americano
Era a primeira parada militar da milícia libanesa em terras estrangeiras. Em novembro de 2016, o Hezbollah fez desfilar, na cidade síria de Qusayr, tanques e tecnologia anti-míssil de fabrico russo, mas o que causou estranheza foram os M113, tanques robustos de transporte de pessoal, que os Estados Unidos forneceram ao Exército do Líbano, levando alguns analistas a especular que o grupo terrorista pode ter tido acesso a estes veículos por vias oficiais.
O Hezbollah é financiado pelo Irão e é aliado deste e da Rússia na Guerra da Síria. Os Estados Unidos estão do outro lado da barricada, contra o regime do Presidente Sírio Bashar al-Assad. Seria incompreensível que estes veículos tivessem chegado a uma milícia inimiga e tanto Beirute como o Departamento de Estado norte-americano negam que estes tanques tenham origem no Exército do Líbano. Quem não tem dúvida que se tratem mesmo de M113 fabricados pelos Estados Unidos é Israel. Só não sabe como lá chegaram: tráfico, desvio?
Pouco tempo depois das fotografias da parada terem aparecido, ainda que com fraca qualidade, em algumas páginas ligadas à milícia xiita, um militar israelita denunciou, sob anonimato, a utilização destes veículos.
Israel acredita que uma guerra com o Hezbollah vai acontecer, e que, quando isso acontecer, não será Israel contra uma milícia mas sim Israel contra um exército fortemente apetrechado e profissionalizado. As estimativas dos analistas é que o grupo tenha mais de cem mil rockets, capazes de atingirem a capital de Israel, Telavive. Os Estados Unidos continuam a enviar equipamento para o Líbano. No verão de 2016, foram fornecidos ao Exército do Líbano 50 tanques, 40 peças de artilharia e 50 lança-granadas.
Não seria a primeira vez que armas norte-americanas chegam às mãos erradas.
Armas enviadas para a Síria acabam no mercado negro
Uma investigação do diário norte-americano New York Times e da cadeia televisiva Al Jazeera, sediada no Qatar, mostra que as armas enviadas para a Jordânia pela CIA e pela Arábia Saudita, com intenção de fortalecer as rebeldes sírios na luta contra Bashar al-Assad, eram constantemente roubadas por oficiais dos serviços de informações da Jordânia, e depois vendidas no mercado negro. Algumas das armas roubadas acabaram por ser utilizadas num tiroteio que vitimou dois americanos, dois jordanos e um sul-africano em novembro de 2015, em Amã.
Para o jornal norte-americano, o roubo de armas deixa a nu a complexa e problemática rede de fornecimento de armas criada pelos Estados Unidos para abastecer os rebeldes sírios. As consequências são impossíveis de prever e a fragmentação político-militar no conflito sírio torna demasiado perigoso o envio de armas.
As armas roubadas e revendidas no mercado negro incluem Kalashnikov, morteiros e lança-rockets. As fontes contactadas pelo New York Times, oficiais norte-americanos e jordanos, dizem que não é possível saber o paradeiro deste equipamento, que pode até já ter saído da Jordânia.
Como chegaram a França as armas usadas nos ataques de 2015 em Paris?
Said e Chérif Kouachi, juntamente com Amedy Coulibaly tinham na sua posse um arsenal bélico: Kalashnikovs, lança-rockets, granadas, gás lacrimogéneo, pistolas Tokarev, da era soviética. Os três homens que aterrorizaram França em janeiro de 2015, abrindo fogo sobre os jornalistas da revista satírica Charlie Hebdo, matando 12 pessoas e mais quatro dentro de um supermercado judeu e uma polícia, tinham tido acesso a armas de grande calibre. Como?
O jornal britânico The Telegraph tentou entender as rotas que poderão ter levado as armas até àquele grupo de jovens, nascidos e criados nos arredores de Paris e radicalizados por um homem que fazia limpezas de manhã e criara, no seu pequeno apartamento, aquilo a que o Le Monde chamou “a primeira escola para jihadistas de França”. As balas que mataram os doze jornalistas vieram da Bósnia, confirmou o próprio país, na altura, às autoridades francesas. Na sua posse, os irmãos Kouachi tinham também um lança-rockets “M80 Zolja”, também utilizado com frequência durante os conflitos nos Balcãs. Coulibaly fez vídeos com uma metralhadora SA VZ58, parecida as AKS-74U que Bin Laden costumava usar nos seus vídeos.
Os analistas contactados pelo jornal britânico consideram quase impossível saber de onde vieram estas armas: podem ter sido emprestadas pela pessoa que as tinha legalmente, podem ter sido vendidas na economia paralela, podem ter sido roubadas de depósitos militares. “As pistolas Tokarev foram produzidas aos milhões pelos russos e ainda são comuns entre gangues e no mercado negro”, disse ao Telegraph Ivan Zverzhanovski, que trabalha com as Nações Unidas com uma equipa de peritagem e catalogação de armas.
O próprio ministério da Defesa da Bósnia admite que o roubo de material é comum e que raramente ele é recuperado.
Armas desaparecem de base norte-americana em Estugarda
Em julho do ano passado, o Comando de Investigações Criminais do Exército norte-americano começou a investigar o roubo de equipamento militar de um dos armazéns da sua base perto da alemã de Estugarda. Foram roubadas várias pistolas semi-automáticas e duas espingardas de Panzer Kaserne, sede da guarnição local e base operacional de unidades de elite.
Este incidente aconteceu numa altura particularmente sensível. Dia 19 de julho de 2016 um refugiado que se declarou leal ao Daesh atacou turistas num um comboio em Wuerzburgo e um adolescente alemão-iraniano abriu fogo em Munique passados três dias, a 22 de julho, matando nove pessoas. No dia seguinte, um refugiado sírio fez-se explodir num festival de música, ferindo 12 pessoas.
Explosivos e granadas roubados em França
Em julho de 2015 mais um alerta em França. As autoridades deram conta do roubo de cerca de 200 detonadores, 40 granadas e vários explosivos que desapareceram da base de Miramas, no sul de França, perto de Marselha. O procurador de Marselha disse na altura que estava a tratar o assunto como “roubo com invasão de propriedade privada por parte de um grupo criminoso”. As autoridades que investigaram o caso disseram à imprensa que quem invadiu a base fê-lo cortando a rede que a envolvia. Um caso semelhante ao de Tancos.
Canadá: 10 milhões de dólares em equipamento militar roubado
Já este ano, soube-se que o Canadá perdeu mais de dez milhões de dólares em equipamento militar roubado na última década, que inclui não só armas como também computadores, fardas militares e outros materiais utilizados pelas forças armadas para evitar ferimentos, como coletes anti-balas e capacetes. A Radio Canada analisou o inventário do exército canadiano e reparou numa falha de mais 77 mil itens.
O material roubado inclui equipamento de transporte, telecomunicações, armas e munições. Em resposta ao artigo, o Departamento de Defesa Nacional recusou-se a dizer quantas armas desapareceram, referindo que o material roubado era apenas “uma minúscula fração” do seu inventário, que conta com mais de 600 milhões de entradas.
O pico de desaparecimentos aconteceu entre 2012 e 2013, por altura do fim da missão do Canadá no Médio Oriente, como aliado dos Estados Unidos. Mais de sete milhões de dólares em material bélico evaporou-se, incluindo algum equipamento que estava a ser trazido de volta ao país por via marítima e que desapareceu de um porto no Paquistão.
Reino Unido: milhares de balas, um camião e viagra desaparecem dos quartéis
Ao longo dos anos, vários jornais têm escrito sobre o material militar que desaparece dos vários espaços controlados pelo Ministério da Defesa. Em 2009, o diário Telegraph destacava que, nos três anos anteriores, desde 2006, mais de 27,000 balas tinham desaparecido, tal como 168 armas, uma média de 56 por ano. As armas roubadas — ou perdidas — incluem espingardas de assalto SA80, que conseguem disparar 30 balas em menos de cinco segundos e são capazes de matar alguém a mais de um quilómetro de distância, e várias pistolas 9 mm Browning.
Também o diário The Guardian, em 2014, publicou uma notícia onde detalhava o material desaparecido desde 2007. Além de quase sete mil euros em Viagra, o comprimido para aumentar a potência sexual (e que nunca ninguém explicou porque estava na posse de militares), desapareceram também 100 baionetas, milhares de balas, um camião e uma máquina de lavar roupa industrial.
O jornal Mail on Sunday também conduziu uma investigação, em 2016, no sentido de mostrar que o material bélico pode não estar assim tão bem guardado, mesmo em cenários de guerra. Segundo o jornal, mais de 85 mil balas foram roubadas ao exército britânico enquanto os militares conduziam exercícios de treino com colegas norte-americanos num deserto na Jordânia. As pessoas que falaram com o Mail on Sunday acham possível que os ladrões tenham agido a mando de terroristas, nomeadamente do Estado Islâmico. A investigação às responsabilidades ilibou as tropas britânicas de qualquer ligação ao roubo.
Armas fabricadas no Canadá chegam ao Iémen
Pode haver armas feitas no Canadá nas mãos dos Houthi, os rebeldes do Iémen que se opõem ao governo de Abdrabbuh Mansur Hadi, apoiado pela Arábia Saudita. A guerra civil dura desde 2015 e a violência já fez mais de 10 mil mortos e três milhões de refugiados.
As armas apareceram pela primeira vez num canal de televisão ligado aos Houthi e nas redes sociais de alguns dos rebeldes são descritas como “novas armas modernas”. Especialistas do ARES, um centro de análise à venda, tipo e rotas mundiais de abastecimento de armamento concluíram que se trata de espingardas LRT-3 feitas em Winnipeg, pela PGW Defence Technologies.
As armas terão sido roubadas aos sauditas, mais do que uma vez, a quem o Canadá vende armas legalmente — uma realidade que tem deixado a opinião pública canadiana muito desconfortável.
800 armas com destino aos Estados Unidos recolhidas em Espanha
Em agosto do ano passado, a Guardia Civil espanhola conseguiu intercetar mais de 800 armas, no porto de Algeciras, que teriam como destino os Estados Unidos. No total, a polícia espanhola e várias autoridades de inspeção portuária recuperaram 737 espingardas de assalto e 72 lança-granadas enquanto inspecionavam os contentores que chegavam ao porto. Suspeita-se de que as armas tenham sido fabricadas na Suíça, mas vinham do Gana. As autoridades disseram na altura que as armas estavam novas, mas os números de série tinham sido apagados.
Armas à venda no eBay
Em 2016, seis soldados norte-americanos roubaram material militar num quartel em Fort Campbell, na fronteira entre Hopkinsville, Kentucky, e Clarksville, Tennessee. O equipamento roubado incluía miras para espingardas, partes de metralhadoras, capacetes de combate e medicamentos. Os compradores espalham-se pelo mundo: da Rússia à China, da Ucrânia à Malásia e ao México.
O equipamento estava classificado pelo exército como “DEMIL D,”, o que significa que tem que ser destruído pelo exército quando estiver devoluto e não pode ser vendido nem utilizado fora dos meios militares.
Zachary Sizemore, 24 anos, de Dayton, Ohio, foi preso por roubar do inventário militar, que tinha sido contratado para gerir, binóculos noturnos e binóculos térmicos, além de algumas armas e munições. Sizemore vendia depois os objetos no site eBay, tal como os soldados de Fort Campbell, e terá lesado o exército em cerca de 2,9 milhões de dólares. Foi apanhado depois de vender um par de binóculos a um agente infiltrado.