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O concelho-modelo no combate aos fogos ardeu. O que falhou?

Este artigo tem mais de 5 anos

O que falhou não foi só no domingo. O vice-presidente de Mação previu a tragédia, 24 dias antes de acontecer. E também avisou que "um dia destes vai arder uma aldeia de fio a pavio".

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Um sistema de monitorização e de combate de incêndios em tempo real, um kit disponibilizado às aldeias que inclui uma moto-bomba, bulldozers com rádio e GPS, equipas a trabalhar no fogo tático. Tudo isto existe em Mação, o concelho-modelo no combate aos fogos. Sim, Mação é tido pelas autoridades locais — e mesmo pelas nacionais — como um exemplo em matéria de Proteção Civil. Nada disto evitou que nos últimos três dias o fogo tenha devorado propriedades maçaenses, invadido aldeias, queimado casas, ameaçado a vila, feito evacuar populações e até provocado feridos. As dúvidas e acusações das autoridades locais já começaram a circular. E os alertas dramáticos — que esta quarta-feira se revelaram certeiros — nem sequer eram de hoje.

O incêndio anunciado (e o que falhou nos últimos anos)

Tenho quase a certeza absoluta que Mação vai ser percorrido por grandes incêndios florestais num espaço que vai quebrar a rentabilidade das árvores que hoje lá existem. Pode ser este ano, pode ser amanhã, pode demorar cinco ou dez anos”. Foi vinte e quatro dias depois destas declarações do vice-presidente da Câmara de Mação que aconteceu o que se temia. António Louro disse-o na SIC-Notícias (ao minuto 8:25 do vídeo), no “Expresso da Meia-Noite”, a 30 de junho. Há menos tempo, a 9 de julho, quando foi ouvido no Parlamento a propósito da reforma florestal (ver no vídeo abaixo aos 7:41 minutos), voltou a avisar:

Isto ainda está em agravamento. Nem pensem sequer que isto está a controlar se. O fenómeno dos grandes fogos ainda está em agravamento”.

No dia em que falou aos deputados, quando analisava o fogo de Pedrógão Grande, disse mais ainda: “Ando há dez anos a alertar que isto ia acontecer, que ia morrer gente. E ainda falta uma coisa: desta vez as pessoas foram apanhadas na estrada, um dia destes vão ser apanhadas dentro de casa. Até aqui os incêndios têm sido controlados e têm ardido casas da periferia. Fique aqui registado o aviso ao país: um dia destes vai arder uma aldeia de fio a pavio. Estão reunidas todas as condições para que isso aconteça“.

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Já esta esta quarta-feira, o vice de Mação veio lembrar os avisos que fez nos últimos 16 anos. Garantiu que o concelho os levou até ao poder central, “a pedir ajuda a todos os secretários de Estado das florestas, a todos os ministros da Agricultura. Porque tínhamos a certeza que este dia ia voltar.”

“Houve ministros que não fizeram o seu trabalho”, acusa vice-presidente de Mação

Contactado pelo Observador, o Ministério da Agricultura não respondeu às declarações do autarca, que é também presidente do Fórum Florestal-Estrutura Federativa da Floresta Portuguesa. O atual ministro, Capoulas dos Santos, cabe no intervalo de 16 anos referido por António Louro e em dois períodos diferentes, já que foi o responsável máximo pela Agricultura, entre 1998 e 2002 e voltou ao cargo no elenco governativo de António Costa, em 2015.

Este Governo já mostrou estar familiarizado com o exemplo de Mação, tanto que há pouco mais de um ano, foi marcar o Dia Internacional das Florestas, na Zona de Demonstração de Boas Práticas Florestais da Caldeirinha, em Mação. Todo o Executivo esteve presente, e António Costa destacou o que faltava fazer para combater os incêndios que deflagram no país: ordenar o território. Porque, a nível nacional, em matéria de sistemas de prevenção e de combate aos fogos, a avaliação que o primeiro-ministro fez então foi uma: “Estão hoje mais robustos” do que em 2003, quando arderam 22 mil hectares em Mação.

O que falhou nas últimas horas

Apesar das certezas manifestadas por Costa em março de 2016, num momento em que já ardeu mais área no concelho do que em 2003, as críticas que os autarcas têm feito nas últimas horas são precisamente quanto à forma como foi feito o combate ao fogo no concelho, sobretudo no primeiro momento. Ao final da tarde de quarta-feira, o presidente da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais (ANBP) disse o mesmo, embora estivesse a falar genericamente. Fernando Curto explicou a dimensão dos incêndios deste ano com deficiências na primeira abordagem ao fogo.

A maior parte dos incêndios são extintos quando são detetados a tempo e com uma intervenção musculada no início”, disse Fernando Curto, citado pela Lusa.

Nas últimas horas, o presidente da Câmara de Mação, Vasco Estrela, já avisou por mais do que uma vez que há “que fazer contas no fim”: “Há três dias que estou a dizer que tenho perguntas para fazer. Em Mação arderam 18 mil hectares e nos outros dois concelhos [Sertã e Proença-a-Nova] arderam pouco mais de 7 mil ou 8 mil hectares, isto diz bem da tragédia que Mação viveu comparativamente com os outros dois municípios que felizmente conseguiram defender melhor o seu território”. O autarca levanta aqui também dúvidas sobre a forma como os meios foram distribuídos pelos vários concelhos para onde se dirigiu, no domingo, o fogo que começou na Sertã e que acabou por entrar Mação adentro.

Incêndios. O dia de desespero em Mação

Vasco Estrela quer saber, nomeadamente, que meios estavam “em determinados locais, em determinadas alturas” ou quantas aldeias foram evacuadas noutras zonas e no concelho de Mação “para se perceber a violência do incêndio nos vários locais”. Ainda disse ter a “perceção” de que “há muitos bombeiros que estão espalhados pelo território”, mas alertou que os “bombeiros de Lisboa ou do Porto não têm conhecimento deste território. Não sei se seria possível ter um bombeiro [local] a acompanhar cada um desses carros”. E acrescenta mais uma preocupação:

Há populações a queixarem-se de aldeias a arder onde não há um único bombeiro. A comunicação social já testemunhou situações dessas, há aqui várias questões contraditórias para refletir para o futuro”.

Vasco Estrela disse ao Observador na noite desta quarta-feira que, quando o fogo voltou a descontrolar-se às portas da vila, “não havia um único carro de bombeiros aqui disponível”, apesar de reconhecer que acabaram por chegar de forma rápida. Quanto ao SIRESP, o autarca nunca respondeu à existência de falhas do sistema de comunicações de emergência durante o combate a este fogo. Mas na terça-feira, em declarações ao Observador, o presidente da Câmara do Sardoal, município vizinho de Mação, falou num novo caso a envolver o SIRESP. “Já falhou. Falhou o ano passado no Sardoal, falhou este ano, falhou esta semana e não há consequências políticas”, garantiu Miguel Borges.

Além disso, também já se ouvem críticas dos bombeiros que estão no combate aos fogos na região centro, com o Jornal de Notícias a dar conta de queixas sobre a “interferência, pressão e desnorte” da Autoridade Nacional de Proteção Civil nos incêndios daquela área.

Ponto de situação das queixas sobre o incêndio de Mação que surgiram até aqui:

  • Problemas no ataque ao primeiro momento do incêndio, logo no domingo;
  • Deficiência dos meios destacados para essa primeira abordagem;
  • Desequilíbrio nos meios distribuídos pelos concelhos para os quais evoluiu o incêndio;
  • Desconhecimento do terreno por bombeiros que estiveram no combate às chamas no concelho;
  • Aldeias a arder sem bombeiros;
  • Fogo acabado de controlar que assume novamente proporções preocupantes sem carros de bombeiros presentes;
  • Falhas do SISRESP;
  • Desnorte da Proteção Civil.

A Proteção Civil veio tentar serenar os ânimos, na tarde desta quarta-feira, ao dizer que cerca de metade dos meios e dos operacionais que estavam a combater fogos pelo país, estavam concentrados no incêndio da Sertã.

E só no setor de Mação tínhamos empenhado pelas 17h00 cerca de mil operacionais, apoiados por 280 veículos, seis aviões pesados Canadair, dois aviões médios Fireboss, dois helicópteros ligeiros e seis máquinas de arrasto”, disse Patrícia Gaspar a porta-voz da Proteção Civil.

O que não evitou que o concelho-modelo ardesse

“Provavelmente, temos o melhor sistema de proteção civil do país mas nitidamente não chega“. A frase é, mais uma vez, de António Louro, no programa emitido pela SIC-Notícias a 30 de junho, e foi (também mais uma vez) premonitória. Nesse dia, o autarca e presidente do Fórum Florestal detalhou que, depois do grande fogo no concelho em 2003, Mação dotou-se de meios para situações futuras.

“Um kit distribuído pelas aldeias, uma moto-bomba que a população tem para se proteger que está à guarda de uma associação ou de um proprietário”. “Faixas de baixa densidade ao longo das estradas”, “mais pontos de água de grande dimensão”, bulldozers que saem mal é dado o sinal de incêndio, para limpar terreno à volta do fogo, evitando a sua propagação, e também para atirar terra para cima das chamas. Isto além de equipas que trabalham o fogo tático, ou seja “a utilização do fogo para combater o fogo”, explicou Louro.

“As nossas autoridades foram incapazes de perceber a dimensão do problema, nunca acompanharam o esforço que foi feito pelo município de Mação para evitar que isto voltasse a acontecer. Nunca foram capazes de nos ajudar”. Já esta quarta-feira o autarca responsável pela Proteção Civil no concelho não teve pudor em apontar o dedo diretamente aos governantes. Mas, na verdade, a sua leitura global acaba por coincidir com a do primeiro-ministro: o que falta é o ordenamento do território, uma gestão coordenada da floresta.

O Governo tem argumentado que é por isso mesmo que pôs em marcha a reforma florestal — que ficou aprovada apenas na semana passada, mas com um impasse de relevo. À última hora, o PCP roeu a corda e não aprovou o banco de terras. Este é um elemento essencial na reforma, já que é para lá que o Governo pretende que vão as terras que no cadastro que vai ocorrer identifique como “sem dono”. A resposta ficou adiada para o próximo ano, depois de experimentado o novo regime de cadastro que vai decorrer na área de Pedrógão Grande.

Num artigo de opinião publicado recentemente no Observador, o vice-presidente de Mação para a Proteção Civil apontou a necessidade de “novas ferramentas de gestão do território que substituam o pequeno agricultor que já desapareceu em muitas regiões, respeitando a propriedade privada mas viabilizando a gestão conjunta das propriedades”. Aponta problemas às Entidades de Gestão Florestal propostas (e aprovadas) pelo Governo, por não conceder benefícios fiscais aos proprietários que façam uma boa gestão da sua propriedade, sem exigir que a coordene com outros pequenos proprietários.

No Parlamento, no âmbito da discussão da reforma da Floresta, António Louro foi bem mais duro na análise, afirmando que “a política nacional para o mundo rural e os apoios de Bruxelas falharam redondamente”. Porquê e no quê? “Não há um indício sequer de uma coisa positiva que esteja a contribuir para que a situação melhore. Há um falhanço completo do combate aos incêndios, há uma falência da nossa paisagem em termos rurais e um falhanço total das medidas que andamos a aplicar há 40 anos para combater a desertificação rural e o abandono do território”.

“O risco e tão grande na nossa paisagem que isto vai demorar décadas a mudar”, disse Louro perante os deputados. Semanas depois, o fogo chegou outra vez a Mação — e com violência maior do que o de 2003. Para que o concelho volte ao lugar onde estava, às “décadas” de que falou o autarca de Mação, vai ter agora de se somar ainda mais uma.

Um novo perigo escondido na floresta

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