Miguel (nome fictício) nasceu com 770 gramas às 27 semanas e seis dias de gestação, e desde o segundo dia de vida que não larga o “Lopes”, um polvo cinzento que é apenas um dos 80 peluches em crochet que a associação Migos já entregou na unidade de neonatologia da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, desde o dia 1 de junho deste ano.
Realmente ter um peluche dentro de uma incubadora ajuda a que ele não fique lá sozinho e também nos dá sensação de conforto. Além disso, com tantas sondas e fios à mão de serem puxados, faz sentido ter aqueles tentáculos. Ele agarra-os e acalma-se”, relatou ao Observador o pai do prematuro, que, de início, estranhou o filho ter um peluche dentro da incubadora.
De cinco em cinco dias o “Lopes” vai a casa tomar banho e entra na incubadora o substituto — um peluche dado pela avó — “mas não faz tanto efeito como o polvo, ele não se agarra tanto”, atestou o pai, que conseguiu entretanto um novo polvo para o filho: o Flash. “Fiquei cheio de ciúmes do super herói de um bebé lá da unidade e quando procurei a associação para oferecer ajuda perguntei se podia ter um. Recebi-o hoje e por mim já o levava amanhã, mas não deve dar, porque temos de o lavar e secar.” Se tudo correr bem, Miguel ficará na unidade até outubro, que é quando fará as 36 semanas.
Na mesma unidade estão, desde a semana passada, os dois netos, gémeos, de Luísa Sottomayor, que também já se rendeu aos ditos polvos.
“É absolutamente enternecedor ver cada um com o seu polvinho diferente, saber que foram feitos por mãos amorosas com aquele objetivo específico, o de ser o primeiro amigo, o companheiro de luta pela sobrevivência”, relatou a avó ao Observador.
De facto, os tentáculos oferecem uma alternativa ao tato e distraem os bebés dos inúmeros tubos e sondas, reduzindo a possibilidade dos bebés arrancarem as suas sondas e cateteres. E ainda podem ser colocados junto ao peito da mãe para ficarem com o cheiro e células maternas. Estou fã e logo que possível vou começar a crochetar polvinhos”, completou Luísa Sottomayor, descrevendo as vantagens dos bichos.
A enfermeira-chefe da unidade de neonatologia da Maternidade Alfredo da Costa, Esmeralda Pereira, explica ao Observador que “a avaliação é francamente positiva”. “Acabou por ser interessante, porque nós, na unidade, e de forma transversal, tentamos ter uma perspetiva de humanização e este projeto enquadrou-se nisto mesmo: dentro daquilo que é o projeto da parentalidade e da vinculação.”
“O polvo é para o bebé um elemento de conforto. Os bebés têm muita tendência, quando começam a ter alguma energia, em agarrar os tubos, e temos já fotografias que mostram que os bebés agarram os tentáculos. Sentem-se aconchegados, seguros. Temos fotografias que são uma delícia. Olhando para uma fraldinha, ou para outro elemento, percebemos que os bebés se aconchegam mais no polvo. Mas tudo isto é empírico”, assegurou a responsável da unidade.
Clara Lopes, uma das fundadoras do Projeto Migos, também tem tido um feedback “muito positivo” e contou que até os pais de bebés que nasceram de termo pedem polvos. Ao todo, já distribuíram 95 polvos (os 80 da MAC e mais 15 no Hospital Fernando da Fonseca) e, em breve, estes “Migos” poderão chegar a mais quatro hospitais, com os quais já estão a ser estabelecidos contactos: São Francisco Xavier e Santa Marta, em Lisboa, Beatriz Ângelo em Loures e Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, no distrito de Setúbal.
O tamanho destes polvos — feitos com linha 100% de algodão — não ultrapassa os oito centímetros, abaixo da medida de referência na Dinamarca, a pedido da Maternidade Alfredo da Costa. E os tentáculos esticados não podem ter mais de 22 centímetros, sob risco de os bebés se enrolarem neles, detalhou Clara Lopes ao Observador.
Foi no Facebook que Clara Lopes e a amiga Patrícia Reis viram uma reportagem de um canal francês sobre este projeto, que teve origem na Dinamarca, e em abril resolveram avançar, juntamente com um terceiro fundador — Eduardo Filho — que ajudou na ponte com a Maternidade Alfredo da Costa. Neste momento, a equipa de voluntários, para dar resposta aos pedidos, já vai em 15 pessoas, um número que querem que aumente e, por isso, já estão a contactar centros de dia.
De Lisboa para Braga: os polvos de amor
Carolina Barbosa é mãe de uma bebé que nasceu prematura e, em abril, também através do Facebook, teve conhecimento do projeto dinamarquês. Juntou-se a outra mãe de um prematuro (Marta Soares) e a uma enfermeira do Hospital de Braga (Sandra Mendes), contactaram os ideólogos do projeto e avançaram com o movimento “Polvo de Amor”, no Norte. Afirmam-se como as “representantes” do Octo em Portugal, tendo escolhido o dia 1 de junho, por ser dia da criança, para começar a distribuir os polvos.
“Em dois meses entregámos 200 polvos: 110 para a neonatalogia de Braga, 47 para a neonatologia de Viana do Castelo e 43 para a neonatologia de Guimarães”, contabilizou Carolina Barbosa, acrescentando que têm dado também apoio a outros grupos e movimentos que estão a entregar ou a pensar entregar polvinhos no Porto, no Algarve e também na Covilhã e Guarda.
Os pais ficam muito sensibilizados. Quem passa por uma neonatologia sabe o quão conturbado é”, atestou Carolina Barbosa, que por lá andou faz agora um ano, a idade da sua filha prematura.
“Apesar de não haver relatos científicos, temos relatos de médicos e enfermeiros da Dinamarca que dizem que acalmam os bebés. Embora o projeto seja prematuro, os pais dizem-nos que o efeito é benéfico”, afirmou a professora de matemática, que se dedica ao projeto em part-time e que, juntamente com as outras duas fundadoras, está a ponderar avançar com a criação de uma associação até para poder receber apoios para continuar e alargar o projeto.
Projeto nasceu em 2013 na Dinamarca e há relatos de melhorias na saúde do bebé
A ideia de fazer polvos em crochet nasceu, em 2013, na Dinamarca, a pedido de um pai que tinha uma filha prematura internada na neonatologia. O The Octo Project já distribui bonecos em todos os 16 serviços de neonatologia da Dinamarca e também no departamento de neonatologia da Gronelândia, e ajudou a chegar esta ideia a mais de 15 outros países em todo o mundo, entre os quais Portugal, Itália, França, Turquia, Croácia, Alemanha, Bélgica, Austrália e alguns estados norte-americanos.
Segundo os promotores do projeto na Dinamarca, a experiência tem mostrado que os bebés passam a respirar melhor, regulam os batimentos cardíacos e aumentam os níveis de oxigénio no sangue.
E, em outubro de 2016, o Poole Hospital, no Reino Unido, dedicou mesmo um comunicado a estes “companheiros” dos prematuros, referindo que “estes polvos estão associados a melhorias de saúde e aumento do bem estar”.
“Pensa-se que os tentáculos fazem o bebé lembrar-se do cordão umbilical e de como é estar no ventre da mãe, fazendo-o sentir mais seguro”, explicou Daniel Lockyer, enfermeiro-chefe do serviço de neonatalogia daquela unidade hospitalar. “Quando ouvimos sobre os benefícios que um polvo fofinho podia trazer para os nossos pequenos bebés ficámos impressionados e, depois de pesquisarmos, ficámos ansiosos por dá-los aos nossos pequenos pacientes.”
É incrível como algo tão simples pode confortar um bebé e ajudá-lo a sentir-se bem. Estamos muito agradecidos por todos os donativos de polvos em crochet e estamos certos de que as famílias também.”
Por cá, ainda é cedo para perceber se há ou não melhorias no estado de saúde dos bebés, afirma a enfermeira-chefe da neonatologia da MAC. E evidência científica é algo que Esmeralda Pereira duvida que possa ser encontrada, mesmo com o passar do tempo. Ainda assim, não afasta à partida efeitos benéficos na saúde dos prematuros.
Queremos acreditar que, se o bebé estiver mais tranquilo e seguro, é claro que do ponto de vista hemodinâmico as coisas vão melhorar”, defendeu a enfermeira ao Observador.
A equipa da MAC quer, de resto, tentar perceber qual a importância deste polvo ao nível da “vinculação e da humanização”. Para isso vão ter de desenhar um projeto de investigação e apresentá-lo para depois poderem avançar, o que poderá acontecer ainda este ano, sendo que já começaram a fazer alguns registos e a delimitar idades (abaixo das 32 semanas).
“Tem sido muito interessante. Pequeninas coisas marcam a diferença. Alguma coisa vai sair daqui”, rematou a responsável.