Primeiro, defendia o aeroporto da zona centro do país, em Monte Real. Depois, com a aproximação das autárquicas, preferiu usar como trunfo o aeroporto de Coimbra. O presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, apoiava a abertura da Base Aérea de Monte Real à aviação civil, transformando aquela infraestrutura militar no tão desejado aeroporto da região centro, em discussão pelo menos desde a década de 60. Aliás, em junho deste ano, os autarcas de Coimbra, Leiria e Figueira da Foz juntaram-se para uma conferência de imprensa, e Machado foi pragmático: “Defendemos Monte Real, ponto. Não é alternativa ao Montijo ou em complementaridade a Lisboa e Porto”.

Três meses depois desta afirmação, apresentou o seu programa eleitoral para a recandidatura à autarquia de Coimbra, num discurso no Convento de S. Francisco — com o primeiro-ministro, António Costa, na fila da frente –, e surpreendeu o país ao prometer “transformar o Aeródromo Municipal Bissaya Barreto, em Cernache, num aeroporto civil comercial” para servir a região centro do país. Em três meses, Machado desistiu o aeroporto de Monte Real para apostar tudo na abertura de um aeroporto de Coimbra. Mas o Ministério da Defesa admite ao Observador o uso civil de Monte Real.

Os seus adversários ridicularizaram a proposta. No debate no Carpool do Observador, (ao qual Machado faltou), Francisco Queirós, da CDU, disse que o autarca “quis colocar Coimbra naquela página dos tesourinhos das autárquicas” com a proposta do aeroporto. Jaime Ramos (PSD/CDS) disse que a proposta é “risível” e que “causa chacota“, José Manuel Silva considerou que “não é viável” e Gouveia Monteiro que a proposta “não é de todo uma ideia“.

Mas Machado permanece confiante. Na manhã desta quinta-feira, o autarca foi ao aeródromo para uma ação de campanha em que garantiu que o aeroporto vai mesmo avançar no próximo ano. O projeto “está estudado, é viável e terá custos contidos”, assegurou Manuel Machado, estimando que o investimento seja da ordem dos “10 a 12 milhões de euros”, que pode ser comparticipado por fundos europeus. Um orçamento que é “compatível com a escala do mercado que Coimbra e a região Centro oferecem”, sustentou Machado, em declarações no aeródromo citadas pela agência Lusa.

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Durante a ação de campanha, Manuel Machado disse que constatou “a enorme dificuldade sentida para a transformação do aeroporto de Monte Real, abrindo-o à aviação civil” e que por isso assumiu “politicamente a transformação” do aeródromo de Cernache em “aeroporto comercial”, aberto a voos low cost”. E foi taxativo: “Não avançar para o aeroporto seria um erro histórico”.

O autarca de Coimbra parece, contudo, ter sido dos poucos a desistir de Monte Real. A ação de campanha de Machado no aeródromo de Coimbra acontece apenas dois dias depois de a câmara da Marinha Grande ter divulgado as conclusões da primeira parte de um grande estudo de viabilidade do aeroporto em Monte Real, financiado a meias com a câmara de Leiria (num total de 149 mil euros). A segunda parte, financiada pela autarquia leiriense, sobre o tráfego aéreo na região, deverá ser divulgada nas próximas semanas.

Resultado? Segundo o estudo já divulgado, abrir a base à aviação civil é viável e rentável, mediante um investimento de 20 milhões de euros na requalificação da infraestrutura (incluindo a construção de um terminal de passageiros, um reforço da pista, a instalação de estruturas de armazenamento de combustível, entre outras intervenções). Com um investimento desta ordem, o aeroporto teria, de acordo com o estudo, cerca de 5 mil movimentos (600 mil passageiros) por ano numa primeira fase, evoluindo depois para cerca de 9 mil movimentos (1 a 1,2 milhões de passageiros) anuais.

Os dados não serão suficientes para convencer Manuel Machado, que, em agosto, ainda antes da apresentação do programa eleitoral, já admitia a possibilidade de usar o aeródromo de Cernache como alternativa a Monte Real. Na altura, Machado garantia ter informações de que a abertura do aeroporto no concelho de Leiria se poderia tornar inviável por “dificuldades técnicas e de operação” e que a Força Aérea não permitira que a base fosse transformada num aeroporto comercial.

Uma posição de que discordam fontes ligadas à defesa do aeroporto em Monte Real, que garantem ao Observador que no aeródromo de Cernache não há condições para fazer aterrar aviões de maior porte. A questão tem tudo para se tornar numa guerra entre Leiria e Coimbra para saber quem consegue fazer um aeroporto internacional na região centro.

A candidatura de Manuel Machado recuperou um estudo de 2005, encomendado pela câmara de Coimbra (na altura presidida pelo social-democrata Carlos Encarnação), que confirmava a viabilidade de expandir a pista do pequeno aeródromo municipal e abri-lo à aviação comercial. Esse estudo “confirma o que dissemos” e “comprova” que “ninguém de boa-fé ou idoneidade suficiente” pode dizer que esta é “uma promessa de ocasião”, disse na semana passada Manuel Machado. Um outro argumento apontado pela campanha de Machado é a recente aterragem de Marcelo Rebelo de Sousa naquele aeródromo a bordo dos maiores aviões em utilização pela Força Aérea Portuguesa, para visitar Pedrógão Grande depois do grande incêndio deste verão. Marcelo aterrou num EADS C-295M da Força Aérea, uma aeronave com capacidade para 70 passageiros.

Contudo, há que não esquecer que a construção de um aeroporto internacional em Portugal não depende das autarquias, mas sim do Estado central. Sobre Coimbra, nunca houve uma palavra do Governo nem do ministro das infraestruturas, Pedro Marques. Sobre Monte Real, o gabinete do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, confirma ao Observador que há disponibilidade para estudar a abertura permanente da base aérea à aviação civil.

O aeroporto da região Centro que nunca foi feito

Em Monte Real ou noutro lugar, a verdade é que há muitos anos que a necessidade de criar um aeroporto no centro de Portugal é defendida por muitos, que argumentam que esta é a única região do país que não é servida por uma ligação aérea. Mas o debate ressurge de tempos a tempos. Desta vez, o motivo foi a visita do Papa Francisco ao Santuário de Fátima, em maio.

As imagens da aterragem do Airbus A321 da Alitalia a aterrar em Monte Real e da descolagem do Airbus A320 da TAP que transportou Francisco de regresso a Roma são, aliás, utilizadas para documentar uma petição online que já junta mais de três mil assinaturas em defesa da abertura da base à aviação civil. Contudo, o estudo financiado por Leiria e Marinha Grande e a promessa de Manuel Machado são apenas o capítulo mais recente de uma história que já leva vários anos, vários estudos e várias negas.

Curiosamente, também é de papas que falamos quando recuamos na história desta luta: em 1967, Paulo VI foi o primeiro papa a visitar Portugal. Para assinalar os 50 anos das aparições de Fátima, o pontífice viajou diretamente de Roma a Monte Real num avião da TAP, completando a distância em três horas, como relatava na altura o Diário de Lisboa, que fez primeira página com uma fotografia de Paulo VI a descer do avião na base aérea.

Reprodução da primeira página do Diário de Lisboa de 13 de maio de 1967, em que se vê uma fotografia do Papa Paulo VI a descer do avião em Monte Real

O crescente número de peregrinos que visitavam o Santuário de Fátima anualmente foi alimentando gradualmente a ideia de ter um aeroporto que servisse aquela região, mas a hipótese nunca saiu do papel.

Apesar de a opção Monte Real sempre ter sido a que mais adeptos reuniu, foi em Coimbra que se deu um dos primeiros passos formais. Em 1992, numa altura em que todas as autarquias começavam a estabelecer planos diretores municipais, a câmara de Coimbra encomendava um estudo sobre os terrenos em torno do aeródromo municipal, com vista a uma possível expansão da pista no futuro. Treze anos depois, em 2005, a autarquia de Coimbra encomendou um novo estudo, para avaliar a viabilidade da expansão da pista e a capacidade da estrutura para receber aviões de maior porte.

Em 1997, dava-se um importante passo no que toca à eventual utilização da base aérea de Monte Real pela aviação civil: a 24 de junho desse ano, foi celebrado um protocolo entre a Força Aérea e a Associação de Municípios da Alta Estremadura, com vista à utilização civil da base. O protocolo viria a caducar a 24 de junho de 2000, sem que tivesse produzido qualquer resultado.

Foi também em 2005 que se deu um dos passos mais promissores na hipótese de Monte Real. Era na altura primeiro-ministro Santana Lopes, que antes tinha sido presidente da câmara da Figueira da Foz, cargo no qual tinha defendido a ideia de criar um aeroporto em Monte Real. A 7 de fevereiro desse ano, Santana juntou na base vários membros do Governo e assinou um protocolo entre os ministérios da Defesa e das Obras Públicas com o objetivo de promover um projeto que conduzisse à abertura da base à aviação civil. O novo protocolo caducou a 7 de fevereiro de 2006.

Sem avanços à vista, em 2008, o Fórum Centro de Portugal, um movimento de cidadãos — encabeçado por Manuel Queiró, Vital Moreira e Paulo Mota Pinto — dedicado a promover os interesses da região centro, entregou um documento com a defesa da proposta ao ministro das Obras Públicas, Mário Lino, que o recebeu e se mostrou disponível para analisar a ideia.

Recebi o documento e mandei fazer uma apreciação, que era o lógico. Fez-se a apreciação e concluiu-se que não era razoável, e informei o grupo de pessoas que fizeram chegar a proposta de que não era uma hipótese com pernas para andar“, recorda hoje Mário Lino ao Observador. “Havia aeroportos internacionais ali perto. Portugal tem uma dimensão relativamente pequena. De Lisboa ao Porto são 300 quilómetros, a meio são 150. Não fazia grande sentido“, sublinha o ex-ministro, recordando que na altura o processo que estava em cima da mesa era o do novo aeroporto de Lisboa.

“O grande problema do aeroporto de Lisboa é que podíamos construir mais hangares e terminais à vontade, mas não podíamos fazer mais pistas, não há espaço. Era preciso uma solução. A Ota era uma hipótese. Entretanto estudaram-se várias alternativas e na altura concluiu-se que Alcochete era melhor. Mas, seja como for, a ideia é que havendo um aeroporto em Lisboa — seja na Ota, em Alcochete, onde for, mas é preciso — não há necessidade de construir um a meio caminho”, diz Mário Lino.

O Fórum recebeu a nega e acabaria por se desintegrar algum tempo depois. Um estudo de viabilidade do aeroporto que o grupo promoveu no ano seguinte também não chegaria a ter conclusões. Organizado sob a égide da Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações, o grupo de estudo ainda reuniu uma vez — na data do seu lançamento oficial em 25 de junho de 2009 –, mas não chegou a realizar nenhum estudo.

O assunto ainda chegaria à Assembleia da República, numa proposta de resolução apresentada por um conjunto de deputados do PSD. A proposta foi aprovada por unanimidade e depois discutida na comissão de Defesa, mas viria a caducar. O assunto morreu ali, mas a vontade da região centro de ter um aeroporto não. Se em Coimbra já não se falava do assunto desde o estudo de 2005, em Monte Real a ideia nunca esmoreceu completamente.

Pedro Machado, presidente da Região de Turismo do Centro e um dos grandes defensores da criação de um aeroporto em Monte Real, recorda que nesta altura “foi feita uma reunião com o INAC [Instituto Nacional de Aviação Civil, órgão que foi substituído pela ANAC, Autoridade Nacional de Aviação Civil] e concluiu-se que para viabilizar o aeroporto precisávamos de cerca de um milhão de passageiros por ano, e esse valor nós conquistávamos”.

Além disso, defende Pedro Machado, “era apenas necessário chegar a acordo com a estrutura militar, que, à semelhança do que acontece nas Lajes, não tem restrições“. Para o responsável da região de turismo do centro, o investimento a fazer para criar o aeroporto de Monte Real é relativamente limitado. “Eu há pouco tempo estive em Zagreb, na Croácia, e o aeroporto é pequeno. Pode perfeitamente fazer-se uma coisa do género. Estamos a falar de um pequeno hangar e de uma estrutura para recolher e embarcar passageiros. Não é mais do que isso”, argumenta.

O anúncio de que o Papa Francisco poderia mesmo aterrar em Monte Real durante a visita-relâmpago que fez ao Santuário de Fátima reacendeu a discussão. Pela primeira vez, as câmaras de Leiria e Marinha Grande investiram num extenso estudo de viabilidade à hipótese. “Este é verdadeiramente o primeiro grande estudo a ser feito sobre esta opção”, comenta Pedro Machado. Ao mesmo tempo, lançaram-se petições (incluindo uma a que a própria câmara de Leiria se juntou) e todo o tipo de iniciativas para promover a construção do aeroporto. Muitas delas, com o apoio do autarca de Coimbra.

A um mês das autárquicas, Manuel Machado avançou com a sua própria proposta. De acordo com o próprio, graças às dificuldades que constatou na abertura do aeroporto de Monte Real, Coimbra é a melhor solução para a região Centro.

Ao Observador, a candidatura de Manuel Machado destaca a importância dos dois estudos referidos — o de 1992 e o de 2005. “No fundo, é o que o presidente Manuel Machado tem dito. Queremos fazer perceber que isto não é uma promessa eleitoralista. É uma proposta estruturada, enquadrada por estudos, e que consideramos que é estrategicamente importante para a região Centro e para o país”, diz ao Observador fonte da campanha de Machado.

Reconhecendo que efetivamente Manuel Machado já apoiou a hipótese de Monte Real, a mesma fonte confirma que é intenção do atual autarca investir no aeródromo municipal. “Já estão a ser feitos contactos com empresas que fornecem sistemas de aterragem para podermos instalar lá, independentemente de ser ou não obtida a certificação para aviação comercial internacional“, destaca a mesma fonte.

Câmaras querem. Governo apoia?

A julgar pelo historial de promessas, avanços e recuos, é pouco provável que seja efetivamente criado um aeroporto internacional na região Centro num futuro próximo. Contudo, construir um aeroporto internacional num país não é uma competência autárquica: depende sempre de uma decisão do Governo, que raramente se tem pronunciado sobre o assunto. E mesmo entre Monte Real e Coimbra, os casos são diferentes.

No que toca a Coimbra, trata-se de um aeródromo municipal, pelo que a autarquia tem liberdade para realizar obras na infraestrutura. Além disso — e é esse um dos grandes argumentos utilizados pela campanha de Manuel Machado — a câmara acumulou ao longo dos últimos quatro anos um excedente orçamental de cerca de 30 milhões de euros, tendo por isso capacidade para investir entre um e dois milhões, a contrapartida nacional necessária para libertar os fundos europeus que financiariam os restantes dez a onze milhões.

Feitas as adaptações de infraestruturas, cabe à Autoridade Nacional de Aviação Civil decidir sobre a certificação ou não do aeródromo para receber voos comerciais internacionais — e é aí que poderão entrar as dificuldades, uma vez que será um trabalho sobretudo de lóbi por parte das empresas de aviação interessadas em voar para Coimbra.

Apesar de a proposta ter sido apresentada com António Costa na primeira fila, o Governo ainda não disse uma palavra sobre o aeroporto em Coimbra. Nem o primeiro-ministro, nem o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, que é quem tutela as infraestruturas de aviação. A campanha de Manuel Machado diz-se confiante com o apoio do Governo à proposta, “pelo baixo investimento e alta rentabilidade que representaria”.

No que toca a Monte Real, a história é outra. Sendo uma infraestrutura militar ao serviço da Força Aérea, em que o objetivo será abrir um terminal civil para uma utilização mista, como nas Lajes, a autorização teria de depender do Ministério da Defesa Nacional e de um acordo com a estrutura militar.

A última vez que o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, falou sobre o assunto, foi em 2016, quando se mostrou disponível para “colaborar em iniciativas com vista à utilização permanente” da base pela aviação civil, apontando contudo quatro grandes impedimentos que poderão colocar em causa o projeto: limitações físicas, limitações do serviço de assistência e socorro, falta de infraestruturas, equipamento e pessoal e ainda a inexistência de armazenamento de combustível.

Contactado pelo Observador, o gabinete do ministro da Defesa reafirmou a sua “disponibilidade para analisar este assunto, inclusivamente através da celebração de protocolos para a eventual utilização regular da infraestrutura aeronáutica da BA5 [Base Aérea de Monte Real] pelo tráfego civil”. Contudo, o gabinete de Azeredo Lopes sublinha que “terá, naturalmente, de ser garantida a prioridade da missão militar aí executada, estabelecidos os necessários protocolos e assegurados os recursos associados à operação civil”.

No que diz respeito à abertura da base à aviação civil “de forma mais regular e com aeronaves de médio porte”, o gabinete do ministro reforça as quatro limitações que já tinha referido. “No entanto, a utilização com caráter pontual pela aviação civil” da infraestrutura “ocorre com alguma frequência ao longo do ano”, esclarece o ministério, exemplificando com a aterragem do Papa Francisco em Monte Real no passado mês de maio.

A Defesa esclarece ainda que, ultrapassadas as limitações técnicas, a utilização permanente da base pela aviação civil poderá ser feita nos termos da lei, ou seja, após autorização do Ministério da Defesa e após certificação independente atribuída pela Autoridade Nacional de Aviação Civil.