O cenário de compra de Media Capital pela MEO/PT, a concretizar-se, colocaria a operadora controlada pelo grupo francês Altice em posição dominante nos setores de televisão e da informação digital, aliada a uma posição muito importante nos setores da rádio, da produção de conteúdos e das telecomunicações. O parecer dos serviços da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) avisa ainda que a operação “iria reforçar a liderança da MEO no setor da publicidade de vários meios, conferindo-lhe um poder de negociação bastante superior ao dos seus concorrentes nos mercados de media e telecomunicações”.

O parecer, que acabou por não reunir o consenso dos três membros do conselho regulador da ERC, deixa o alerta. “Este poder de influência que resultaria da aquisição do Grupo Media Capital pela MEO e que poderia estrangular os outros grupos de media presentes no mercado, não se compadece, no entender do Conselho Regulador, com medidas preventivas comportamentais, cuja monitorização atempada é muito difícil, e cuja eficácia em tempo útil pode ser facilmente posta em causa com alterações mínimas das condições de mercado”.

Considerando ainda a estrutura acionista da MEO/PT e do seu acionista, os serviços da ERC sublinham também que a concentração “permitiria a uma pessoa individual, Patrick Drahi, que é o último beneficiário do Grupo Altice, controlar os principais órgãos de comunicação social portugueses, o que constituiria em si um aumento da concentração da sua titularidade”: Em causa está a compra da dona da TVI, de várias rádios e da produtora de conteúdos, pela principal operadora no mercado nacional, que por sua vez é detida pela Altice, que por sua vez, em termos acionistas é dominada pelo empresário Patrick Drahi.

Segundo os serviços do regulador da comunicação, o novo grupos será:

  • Primeiro agente no mercado de portais em Portugal
  • Maior produtor de conteúdos audiovisuais em Portugal
  • Segundo maior anunciante em Portugal
  • Teria 39,7% do mercado de telecomunicações mutiple play (oferta múltipla) em número de clientes.
  • Teria 24% das receitas de publicidade em Portugal, que no ano passado foram da Media Capital.
  • Teria 22,5% do mercado de radiodifusão
  • O único operador de Televisão Digital Terrestre

Apesar dos avisos, o presidente da ERC, Carlos Magno, explica na sua declaração de voto porque votou contra a proposta de parecer dos serviços, inviabilizando um parecer negativo ao negócio, defendido pelos outros dois membro. Se o parecer tivesse sido aprovado, teria sido remetido para a Autoridade da Concorrência. Ainda que, segundo os juristas da entidade, o parecer não fosse vinculativo, apesar de a lei da concorrência dizer que uma posição negativa em relação ao impacto no pluralismo e diversidade dos media é suficiente para impedir a realização de uma concentração.

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Começando por dizer que a “ERC não pode impedir um negócio entre privados com base numa lei que não existe”, Carlos Magno ressuscita o “fantasma da lei contra a concentração da propriedade dos media”, lembrando o diploma aprovado no primeiro Governo de Sócrates que foi vetado por Cavaco Silva e alvo de muitos ataques por parte de operadores. Conta ainda que ouviu os interessados e consultou colegas dos reguladores francês — o Conselho Superior do Audiovisual — e espanhol — Comissão Nacional dos Mercados e da Concorrência, cujas opiniões foram decisivas, tal como a posição do presidente do regulador francês sobre o comportamento de Patrick Drahi, reproduzindo mesmo a resposta de Olivier Schrameck em francês.

“Patrick Drahi é sempre claro e explícito nas suas informações e intervenções e o comportamento que adota a seguir está sempre plenamente conforme com o teor das suas conversas”.

O presidente da ERC justifica “que não podia ignorar este testemunho do meu colega francês, nem a experiência que eu próprio tive com o Sr. Drahi quando, perante os técnicos da casa, lhe perguntei se podia dar garantias de que não teria comportamentos nos limites ou mesmo à margem da lei, como vieram dizer à ERC alguns dos opositores à operação”.

Esta declaração contrasta com a dos outros vogais da ERC. Para o vice-presidente, Alberto Arons de Carvalho, a divulgação da deliberação preparada pelos serviços permitirá “a todos aqueles que analisarão este documento valorizar toda a extensa, fundamentada e assertiva análise dos evidentes riscos desta proposta de operação de concentração vertical não controláveis e gravemente lesivos do pluralismo e do direito dos cidadãos à informação”.

Mas afinal quais são os riscos levantados por este negócio de 440 milhões? Os serviços do regulador dizem que o potencial perigo não vem da mera combinação das duas empresas, mas sim da “gestão privada de um negócio, cujo objetivo primordial é maximizar o valor acionista, o que pode entrar em conflito com a diversidade e pluralismo mediáticos, enquanto resultado da tentativa de obter vantagens exclusivas face à concorrência”.

Consideram ainda que a tentativa de obter conteúdos exclusivos pode vir a “comprometer a capacidade concorrencial” dos outros fornecedores, concorrentes da Media Capital que ficariam, potencialmente, numa posição desvantajosa. Alertam também para a “possibilidade de condicionamento da opinião pública”, dado juntar no mesmo grupo o serviço de programas mais visto em Portugal, o segundo grupo de rádio mais ouvido, a maior plataforma de telecomunicações, a única infraestrutura de TDT e o segundo maior anunciante do país.

O documento elaborado pelos serviços da ERC identifica vários riscos que não têm todos a mesma probabilidade de se concretizarem. Apesar de os protagonistas do negócio terem, em contacto com os serviços do regulador, oferecido garantias e compromissos no sentido de que esses perigos não seriam materializados, os técnicos do regulador sublinham:

A atuação do regulador, ainda que oportuna, tem tempos e procedimentos próprios que constrangem (ou minimizam) a capacidade de implementar medidas corretivas, céleres e em tempo útil, em caso de incumprimento, inibindo o sucesso da sua aplicação e sendo ineficazes a prevenir o dano.

Os riscos

  1. Aumento da uniformidade dos conteúdos disponíveis em Portugal, nomeadamente pela possibilidade de reforço do investimento na produção de conteúdos audiovisuais para serviços e programas exclusivos da MEO.
  2. Partilha de informação sensível dos projetos concorrentes da Media Capital na plataforma MEO entre empresas do mesmo grupo.
  3. Lesão da autonomia e independência editorial dos órgãos de comunicação social do novo grupo, em resultado de estratégias de otimização de recursos humanos e materiais.
  4. Redução das receitas publicitárias dos serviços de programas concorrentes, porque o novo grupo ficará com uma posição reforçada na colocação de oferta de espaço publicitário.
  5. Comprometer o cumprimento do projeto de serviço da TV generalista da TVI, tirando partido da notoriedade da marca para transferir conteúdos do canal aberto para canais fechados e pagos.
  6. Incentivo para impor condições abusivas e discriminatórias às plataformas de distribuição concorrentes da MEO para acesso a serviços de programas TVI.
  7. Incentivo para bloquear ou discriminar negativamente a distribuição na sua plataforma MEO de serviços de programas concorrentes aos da Media Capital.
  8. Incentivo para degradação do serviço de TDT (televisão digital terrestre).
  9. Concentração desproporcionada de conteúdos desportivos premium.
  10. Capacidade e incentivo para condicionar o acesso dos seus clientes de Internet a conteúdos de terceiros, favorecendo os que estão na esfera da sua propriedade.
  11. Redução da pluralidade e diversidade dos conteúdos portugueses online pela consolidação dos portais da Media Capital e Altice (Sapo).
  12. Incentivo para impor condições abusivas e discriminatórias às plataformas de distribuição (rádio e televisão) concorrentes da MEO para acesso aos enventos MEO.

Altice responde com os benefícios e denuncia pressão

Assim que foi conhecido o desfecho inconclusivo da análise da ERC, que remete para a Autoridade da Concorrência (AdC) a decisão final sobre a autorização do negócio, a Altice tornou público em comunicado que toma “nota da pressão sem precedentes que impendeu sobre os reguladores nas últimas semanas por parte dos concorrentes, que utilizaram os seus próprios meios de comunicação para veicular os seus próprios interesses”.

Lembrando que a operação deverá ser analisada com base nos factos e nos méritos, e considerando que a AdC é a entidade mais bem posicionada para fazer essa análise, a Altice destaca os benefícios que, segundo a empresa, resultarão da concentração:

  • Crescimento do nível de emprego nos media em Portugal.
  • Promover o progresso da agenda digital.
  • Tornar conteúdos mais acessíveis,
  • Fortalecer criação de conteúdos locais e exportar conteúdos portugueses.
  • Garantir ambiente justo e competitivo, e proteger os valores fundamentais: pluralismo dos media, liberdade de expressão e liberdade editorial.