Que o resultado eleitoral em Almada nas autárquicas de 1 de outubro deixou muita gente surpreendida, já se sabia: a CDU perdeu a câmara que detinha há 41 anos por apenas 406 votos e o PS ganhou uma câmara na margem sul do Tejo que não estava à espera de ganhar. O que não se sabia era que a mudança ia ser tão grande. Ao fim de duas semanas de negociações, a presidente da câmara eleita, Inês de Medeiros, que precisava de dois vereadores para ter maioria, fechou um acordo de governação com…o PSD. O PSD foi a terceira força política no concelho, com 14,08% dos votos, atrás da CDU e do PS, com 30,8% e 31,5% respetivamente. É um bloco central na eterna câmara comunista.

As conversações foram demoradas mas, ao que o Observador apurou, os principais pontos ficaram acertados esta quinta-feira à noite na primeira reunião de câmara do executivo socialista, em acordo com o PSD. A Inês de Medeiros e aos três vereadores do PS eleitos — Francisca Parreira, João Couvaneiro e Teodolinda Silveira — juntam-se assim os dois vereadores eleitos pelo PSD, Nuno Matias e Miguel Salvado, sendo que Nuno Matias fica apenas com meio tempo atribuído — por opção pessoal.

Ao Observador, Inês de Medeiros confirmou o acordo, avançando que estava a tratar esta sexta-feira à tarde da oficialização da distribuição de pelouros, que não vai requerer nenhuma cerimónia formal. O PSD fica, desta forma, com as seguintes pastas: redes viárias, iluminação pública, planeamento energético, espaços verdes e parques urbanos, assim como fica com um vereador no leque de três que compõem a administração dos SMAS (Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Almada).

Tudo pelouros que a ex-deputada socialista considera “consistentes”. “Convidámos todas as forças políticas e oferecemos pelouros a todos”, garante ao Observador a ex-vice-presidente do Inatel, explicando que só o PSD acabou por aceitar, na medida em que o Bloco de Esquerda, que apenas elegeu um vereador (insuficiente para fazer maioria com o PS), emitiu logo um comunicado a pôr-se de lado de um eventual acordo de governação, e as negociações com o PCP (que elegeu os mesmos quatro mandatos que o PS), não chegaram a bom porto.

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Inês de Medeiros não quis entrar “no detalhe das negociações”, limitando-se a dizer que foram “duas semanas de conversações com as três forças políticas que elegeram vereadores”, que terminaram sem “hostilização” por parte de nenhuma delas. Referir-se-ia concretamente ao PCP, que terá achado os pelouros disponibilizados pelos socialistas pouco significativos, sobretudo face à reduzida diferença no número de votos. É na soma dos 20.905 votantes do PS e dos 20.499 votantes da CDU que está a grande maioria de eleitores do concelho de Almada, o que contrasta bastante com os pouco mais de 9.350 eleitores que votaram no PSD. A Cultura, por exemplo, seria um pelouro apetecível para os comunistas, mas Inês de Medeiros não abdica dele para si.

Hostilidades à parte, certo é que a tomada de posse do último sábado no Teatro Joaquim Benite ficou marcada por muito ruído e alguma contestação, numa sala totalmente dividida ao meio, com comunistas para um lado e socialistas para o outro. O momento mais tenso foi quando Inês de Medeiros dedicou a sua vitória em Almada a Mário Soares, que motivou apupos sobretudo da parte do setor operário do PCP. “Dediquei a vitória a Mário Soares porque, para mim, é uma referência daquilo que é o processo democrático, independentemente do sítio onde estou“, explicou a presidente de câmara eleita ao Observador, desvalorizando o ruído gerado. “Barulho havia dos dois lados, do PS e do PCP”.

PSD e PS não descartam assinatura de acordo programático

Depois da tomada de posse de todos os vereadores eleitos no passado sábado, a oficialização do acordo de governação entre o PS e o PSD não carece de nenhuma assinatura formal, segundo explica Inês de Medeiros. Ainda assim, a hipótese de vir a existir um “acordo programático” mais formal entre as duas forças políticas não é descartada por fonte do PSD local. Seria uma espécie de posição conjunta com linhas vermelhas, como as que o PS assinou com o PCP, o BE e os Verdes, à vez, aquando da constituição da “geringonça” a nível nacional.

O Observador sabe que o PSD mantém essa hipótese em aberto, ainda que PSD e PS já se tenham entendido nos traços políticos globais, concordando em muitas matérias “do ponto de vista estratégico”. É também isso que reforça Inês de Medeiros. “Para já não há nada escrito, há apenas muita conversa. Os pontos essenciais de convergência já estão definidos, depois logo se vê”, diz.

No rescaldo da vitória tangente do PS em Almada, o cabeça de lista do PSD à câmara, Nuno Matias, já tinha dito ao Observador que não abria portas mas também não fechava janelas à partida. Quando questionado sobre se aceitaria integrar o executivo do PS numa perspetiva de bloco central respondia: “Depende das condições. Só se pudéssemos implementar muitas das nossas propostas, mas se for para vir executar o programa dos outros, não obrigado”.

Quem se pôs logo de fora foi o Bloco de Esquerda, que elegeu apenas uma vereadora, Joana Mortágua. Com os quatro eleitos pelo PS, uma vereadora do BE tornava-se insuficiente para um eventual acordo de governação com o PS, onde a maioria é feita com seis elementos. “Apesar da eleição de uma vereadora, a votação do Bloco de Esquerda não permite determinar a formação de uma maioria transformadora à Esquerda que garanta a estabilidade governativa em Almada, conforme foi decidido pela Convenção Nacional do Bloco. Desta forma, não tendo capacidade para definir as políticas do futuro executivo camarário, o Bloco de Esquerda não pode aceitar pelouros no desempenho dos quais teria de executar políticas definidas por maiorias que lhe são alheias, delineadas pelas negociações do PS”, escrevia a concelhia do BE de Almada em comunicado.

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