O Infarmed — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde vai passar a ter sede no Porto, anunciou esta terça-feira o ministro da Saúde. A transferência será efetivada a 1 de janeiro de 2019, disse Adalberto Campos Fernandes que garantiu que “tudo será feito para que não se percam os melhores profissionais”, com a deslocalização do serviço. Mas rejeita que isso seja um problema: “Também temos na região Norte e no Porto muitos trabalhadores e peritos qualificados”. Os trabalhadores souberam pela comunicação social, estão “preocupados” e vão reunir-se para concertar uma resposta.
Representante dos trabalhadores garante: “Fomos apanhados de surpresa”.
Rui Spínola lidera a Comissão de Trabalhadores do Infarmed e disse ao Observador que existe “um sentimento de preocupação” com esta deslocalização. Os trabalhadores foram “confrontados com a decisão através da comunicação social”. Só quando a notícia já era pública é que “foram convocados para uma reunião”, garante Rui Spínola que sublinha que esta “não é uma decisão técnica, não existe qualquer parecer técnico, caso contrário os funcionários do Infarmed teriam tido conhecimento dele. Logo, é uma decisão estritamente política“, conclui.
“Uma decisão desta natureza, com o impacto que tem na vida das pessoas, não pode ser tomada de forma tão extemporânea“, acrescenta ainda o representante dos trabalhadores que compara mesmo a forma como a decisão foi tomada com o que aconteceu, ao nível europeu, com a deslocalização da Agência Europeia do Medicamento: “Se fizermos paralelismo com a mudança da EMA, já se discutia há muito tempo e foi elaborado um estudo profundo sobre isso”. Assim, a comissão de trabalhadores convocou um plenário para esta quarta-feira de manhã, para ouvir os funcionários e tomar uma posição sobre a deslocalização do Infarmed.
O Observador tentou contactar o Ministério da Saúde sobre esta queixa dos trabalhadores do Infarmed, mas até ao momento não foi possível obter uma resposta.
A notícia da mudança — avançada pelo Jornal de Notícias ao início da tarde — surge um dia depois de os 27 Estados-membros da União Europeia terem eleito Amesterdão, na Holanda, para acolher a nova sede da Agência Europeia do Medicamento (EMA, sigla em inglês). A cidade do Porto, que também fazia parte da lista, ficou na sétima posição. Questionado sobre se esta decisão do Infarmed tem alguma relação com a derrota da candidatura do Porto à EMA, o ministro preferiu responder que a resolução “significou o reconhecimento do enorme trabalho que a região do Norte do país e o Porto tiveram com a candidatura à EMA, uma candidatura que prestigiou o país e demonstrou vitalidade”. E evitou a questão uma segunda vez ao dizer que a decisão “é o reconhecimento de que Portugal é um todo e que se defendemos a descentralização temos de ser coerentes com isso“.
Também evitou dizer quando foi tomada a decisão que Rui Moreira garantiu ter conhecido apenas às 8h35 desta terça-feira, por telefone. Os trabalhadores queixam-se de ter sabido apenas pela comunicação social, ao início da tarde. Já o ministro disse que a decisão “é tomada no dia certo e com sentido de justiça adequado”.
Além disso, o ministro Adalberto Campos Fernandes explicou que o Governo, em coordenação com o Infarmed e a Câmara do Porto, têm um ano de trabalho pela frente. Vai ser constituído um grupo de trabalho para “definir o como, o quando e de que maneira se vai fazer” a deslocalização do Infarmed. “Nos primeiros tempos”, será mantido em Lisboa um pólo regional, “a instalação no Porto será feita de forma progressiva”, acrescentou Adalberto Campos Fernandes que disse esperar que “daqui a dois, três anos, 70% ou mais dos recursos estejam na cidade do Porto”.
“Acredito que os trabalhadores que vierem para o Porto ficarão contentes com o Porto”
Depois da notícia “dececionante” da ida da EMA para Amesterdão, Rui Moreira salienta que se trata de uma“boa notícia”. A transferência da sede do Infarmed e da “parte significativa dos serviços” terá “um impacto muito significativo para a economia do Porto e da Região, e também para a indústria”, elogia o autarca. Criação de emprego, importância para a indústria farmacêutica e um sinal de “descentralização” são outras das vantagens destacadas.
A autarquia colocou à disposição da instituição os mesmos três edifícios que tinha oferecido para acolher a Agência Europeia do Medicamento: Palácio dos Correios, nos Aliados, Palácio Atlântico, na Praça D. João I, ou um novo edifício na Avenida Camilo Castelo Branco. Afirma que ainda não é possível saber qual será o destino escolhido nem os custos que essa transferência acarreta, uma vez que ainda não se sabe quantos dos cerca de 350 funcionários do Infarmed vão fazer a transição para o Porto. O Observador soube, no entanto, que a ideia é que o Infarmed venha a instalar-se no Palácio dos Correios.
“Acredito que os trabalhadores que vierem para o Porto ficarão contentes com o Porto”, sublinha o vereador da Economia, Ricardo Valente, que ficará responsável por garantir todas as condições de logística da transferência. O facto de muitos trabalharem há vários anos em Lisboa não deve ser um entrave. “A lógica de que as pessoas trabalham no sítio onde nascem é uma lógica que, num país tão pequeno como Portugal” não se coloca, defende.
Rui Moreira sublinha que “não houve negociações” nem haverá “contrapartidas”. A questão essencial foi verificar se o Porto “tinha condições”. Caso a EMA tivesse vindo para o Porto, Moreira acredita que a decisão de transferir o Infarmed 300 quilómetros para norte manter-se-ia, ou seja, não acredita que seja uma compensação. “É provável que pudesse vir na mesma. Até faria mais sentido.” Questionado pelo Observador sobre quem suportará os custos desta transferência, o autarca não deu uma resposta clara, mas dá a entender que será o Governo central a custear a transferência. “Nós temos de nos habituar que a cidade do Porto também faz parte do Estado.”
Já o vereador socialista na Câmara do Porto, Manuel Pizarro, classificou esta como “uma grande decisão”. “O discurso sobre a descentralização não pode ser só um discurso”, acrescentou o socialista que considera que “se o Porto tinha condições para acolher a EMA, também tem condições para acolher o Infarmed”. Pizarro não vê a decisão tomada pelo Governo como “uma compensação” pela candidatura derrotada à EMA, mas antes “um reconhecimento na área
65 milhões de euros, cerca de 350 funcionários e mais de 300 peritos
A Autoridade tem uma dotação orçamental de 65 milhões de euros, tem 350 funcionários e mais de 300 peritos a colaborar com os seus serviços. E o ministro garante que a transferência para o Porto será feita “num quadro de estabilidade” e que “haverá muito tempo para que ninguém saia prejudicado”. Isto em relação aos trabalhadores, que terão tido conhecimento desta decisão esta terça-feira.
O ministro também disse que tudo será feito “para que não se percam os melhores profissionais, mas também temos na região Norte e no Porto muitos trabalhadores e peritos qualificados”.
Ao Observador, o ex-diretor do Infarmed Eurico Castro Alves admite que a decisão sobre o Infarmed “pode ser interpretada como um sinal de respeito pelo empenho e esforço da cidade do Porto na candidatura à Agência Europeia do Medicamento” e que até possa ter surgido agora “a propósito da EMA”, mas a dimensão da estrutura faz Castro Alves acreditar que a decisão tenha sido “estudada por muito tempo”. “Ser tomada apenas porque o Porto merece um rebuçado… é uma estrutura muito grande para isso”.
O antigo presidente diz que a decisão de deslocalização tem o seu “apoio condicional”, argumentando com a necessidade de “as reguladoras não estarem tão perto do poder político. Tudo o que seja arbitragem e funções de regulação deve estar afastado do poder político”, defende. E a solução sobre o Infarmed pode até passar por “por alguns serviços e a sede no Porto, mas manter outros em Lisboa”, que não estejam ligados a funções de regulação.
O ex-ministro da Saúde Fernando Leal da Costa (Governo PSD/CDS) classifica a mudança do Infarmed para o Porto como uma “extravagância”, em declarações ao Observador. “Não faz sentido nenhum e é uma reação ao chumbo pré-anunciado à candidatura do Porto para acolher a EMA”, acredita argumentando mesmo que essa candidatura foi “uma cedência do Governo para favorecer a clientela política de Manuel Pizarro”, na campanha autárquica.
O Infarmed, criado em 1993, é atualmente presidido por Maria do Céu Machado. Em 2012, a entidade adquiriu novas competências, nomeadamente no que diz respeito à autorização do preço dos medicamentos. Apesar de ter autonomia administrativa e financeira, o Infarmed realiza a sua atividade sob tutela do Ministério da Saúde.