Houve algumas manipulações da realidade mas não falsidades flagrantes no último debate realizado pelas duas rádios TSF e Antena 1, com os dois candidatos à liderança do PSD antes das eleições de sábado. Tanto Santana Lopes como Rui Rio andaram mais perto da verdade, ainda que o ex-presidente da Câmara do Porto a tenha moldado ligeiramente, por vezes, para fazer vingar o seu ponto. Veja algumas das frases ditas durante o quente do debate que foram tiradas a limpo.
Santana nunca apoiou um candidato contra o partido?
A frase:
“Eu nunca apoiei um candidato contra o partido.”
Pedro Santana Lopes
A intenção era atacar Rui Rio que, em 2013, apoiou o independente Rui Moreira, contra o candidato do seu partido, Luís Filipe Menezes, na corrida pela câmara do Porto, de onde saía depois de 12 anos na presidência. Nessa altura, falou mais alto a zanga antiga que tinha com o antigo autarca de Vila Nova de Gaia e, nessa campanha, chegou a dizer que “Menezes fez pior a Gaia do que o PS ao país”. Santana Lopes não o poupou no debate das rádios (TSF e Antena1), esta quinta-feira, e atirou esse momento a Rio. “O que é mau tom é falar da dívida dos outros sem falares da tua”, disse, referindo-se às declarações do seu adversário sobre Luís Filipe Menezes. E depois distanciou-se: “Eu nunca apoiei um candidato contra o partido”.
De facto, Santana não o fez, mas houve um momento onde a tentação foi grande. Quando o seu Governo vivia os dias do fim, Cavaco Silva deu o golpe final num artigo de opinião publicado no Expresso ao escrever uma frase indiretamente dirigida a Santana Lopes:”Segundo a Lei de Gresham, a má moeda expulsa a boa moeda. Os agentes políticos incompetentes afastam os competentes”. Depois, já nas legislativas que se seguiram, foi proibido por Cavaco de usar a sua imagem em cartazes eleitorais junto à foto de outros ex-líderes, que teve mesmo de retirar das ruas. Foi, por isso, um sapo difícil de engolir para Santana o apoio do partido, no final desse ano, a Cavaco Silva como candidato presidencial. E o sapo continuava difícil de digerir cinco anos depois, tanto que, quando Cavaco Silva preparava a recandidatura, Santana colocava na praça pública que era “mesmo necessária outra candidatura” à direita.
Sempre presidenciável, deixou o seu nome circular (juntamente com o de Bagão Félix) e chegou mesmo a dizer, em julho de 2010: “Estava inclinado na votação em Cavaco Silva para esta reeleição. Reabri para mim próprio este dossier e disse: Não posso votar num Presidente que promulga uma lei como esta”. Referia-se à promulgação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, decidida pela Assembleia da República e que Cavaco promulgou. Três meses depois, Santana meteu as duas violas no saco e declarou apoio a Cavaco. Justificou com o momento financeiramente difícil que o país estava então a viver, fez um apelo à “convergência e não divergência” e defendeu que “não fazia sentido nesta fase tão difícil estar a contribuir para dividir”.
Já em 2009, outra adversária interna, Manuela Ferreira Leite, concorreu às legislativas. O histórico entre os dois era também pesado, tanto que, quando ambos disputaram a liderança (2008), houve uma entrevista ao Jornal de Notícias em que Ferreira Leite não foi capaz de assumir em quem tinha votado em 2005. Perante a pergunta: Já votou em Santana Lopes?, respondeu: “Obviamente não lhe respondo”. No calor da disputa, Santana considerou “inacreditável” que Ferreira Leite não o revelasse, colando a adversária a Sócrates. Mas, nas legislativas, essas mágoas estavam serenadas, sobretudo porque a direção do partido tinha entretanto declarado a candidatura de Santana Lopes à câmara de Lisboa. As autárquicas foram imediatamente a seguir a essas legislativas.
Ainda que tenha sido, muitas vezes, crítico de quem liderava (Ferreira Leite) ou ressentido com quem mais pesava (Cavaco), Santana acabou por resistir à tentação de saltar forma e enfrentar o seu “PPD/PSD”, numa qualquer barricada contrária. Quando mais vacilou foi na candidatura de Cavaco Silva em 2011 que, sendo presidencial (e, por isso, unipessoal), também não obrigava a uma fidelidade dos sociais-democratas.
Conclusão: Certo
Santana sempre foi contra o Bloco Central?
A frase:
“Sempre fui contra o Bloco Central, acho um erro os partidos principais irem juntos para o Governo”
Pedro Santana Lopes
A declaração surge numa contenda que tem sido a que marcou mais esta campanha interna do PSD: quem é que está mais próximo de António Costa ou quem se pode aproximar mais dos socialistas. Santana Lopes aí é radical e tem pergaminhos no partido para o fazer, já que a sua oposição a um Governo que junte PSD e PS é antiga.
Remonta aos tempos da Nova Esperança (1983-85), uma tendência do PSD que juntava Marcelo Rebelo de Sousa, José Miguel Júdice, Santana Lopes, Durão Barroso ou Conceição Monteiro. Verdadeiros guerrilheiros políticos , opunham-se ao presidente do partido, Carlos da Mota Pinto, que era também vice-primeiro-ministro de um Governo liderado pelo PS e por Mário Soares. Em 1984, num congresso em Braga, este grupo avançou com uma moção contra que se opunha à existência do Bloco Central e tinha como suporte um livro escrito pelos membros da Nova Esperança que tinha como título, precisamente, “Contra o Bloco Central”. O texto não foi dinamizador e teve poucos votos: desde então, Santana Lopes nunca se tornou um defensor da partilha do Governo com o PS.
Conclusão: Certo
Rui Rio nunca fez campanha por Rui Moreira?
A frase:
“Eu não andei a fazer campanha pelo candidato alternativo ao PSD”
Rui Rio
Pedro Santana Lopes voltou a trazer para a discussão a alegada falta de lealdade de Rui Rio para com o partido. Desta vez, o ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa centrou o seu ataque na falta de apoio de Rio à candidatura de Luís Filipe Menezes à presidência da Câmara Municipal do Porto, em 2013, chegando mesmo a acusar o seu adversário de ter feito campanha por Rui Moreira.
Cinco anos depois, Rio não recuou um centímetro em relação ao que dissera sobre Menezes. Para o antigo presidente da Câmara do Porto, a escolha de Menezes representou “uma afronta pessoal” da direção nacional do PSD, a sua eleição podia “destruir” tudo o que fizera pela cidade e o projeto do gaiense era “totalmente contrário” aos interesses dos portuenses. “Se fosse hoje faria a mesma coisa. A minha dignidade não está à venda”, resumiu. Para se defender dos ataques de Santana, Rio chegou mesmo a garantir que nunca andou “a fazer campanha pelo candidato ao alternativo ao PSD”. Diz a verdade?
Rui Rio nunca declarou publicamente o apoio a Rui Moreira, nem tão pouco fez campanha pública pelo candidato independente. Mas, como o próprio lembrou neste debate, foi, desde o início, frontalmente contra a escolha de Menezes. A 31 de julho de 2013, em entrevista à RTP, o ex-autarca foi particularmente violento: “Se apoiasse Luís Filipe Menezes era hipócrita. Se não dissesse nada era oportunista. Tenho a obrigação ética de me demarcar muito claramente do candidato que vai destruir tudo o que foi feito. O candidato do meu partido é precisamente aquele em que não posso votar”.
A pergunta era óbvia: isso significa que apoia Rui Moreira? Nessa entrevista, Rio colocou as coisas nestes termos: cabia aos eleitores fazerem “as leituras que entendessem”, não deixando de lembrar que havia figuras “de topo da cidade” entre os “impulsionadores” da candidatura do independente. A leitura era simples: Rio e o seu núcleo duro estavam com Moreira, contra Menezes e, naturalmente, contra Manuel Pizarro (PS).
Os homens próximos a Rio estiveram diretamente empenhados na génese da candidatura do independente. Ainda antes de Moreira anunciar formalmente a candidatura à Câmara do Porto, começou a circular um manifesto de apoio ao independente, subscrito por várias figuras ligadas a Rio e ao PSD, como Miguel Veiga, Arlindo Cunha, Rui Nunes, Miguel Pinto Maria, Miguel Pereira Leite e Valente de Oliveira, que chegou mesmo a ser mandatário da candidatura de Moreira. Carlos Mota Cardoso, amigo de longa data de Rio, psiquiatra do ex-autarca e autor da biografia oficial do portuense, também assinava esse manifesto. Sampaio Pimentel, ex-vereador de Rio, tornar-se-ia número dois de Moreira e Guilhermina Rego, também ela ex-vereadora de Rio, seguiria o mesmo caminho.
Rui Moreira, por sua vez, fez campanha com o slogan “Contas à Moda do Porto”, afirmando-se como herdeiro natural de Rui Rio, por oposição a Luís Filipe Menezes. Numa das suas últimas intervenções públicas antes de deixar a Câmara, já depois de Moreira vencer as eleições, Rio sugeriu que a vitória de Moreira reforçava a herança que deixara na autarquia. “O grosso do eleitorado valorizou e [o que foi feito em gestão] foi transposto para o plano político porque estiveram em confronto [na campanha eleitoral] discursos antagónicos”, afirmou. Um dos primeiros gestos de Moreira como presidente da Câmara foi, aliás, condecorar o seu antecessor. Mais: a certa altura, quando o atual autarca do Porto mandou fazer uma auditoria ao processo de detonação do Bairro do Aleixo e depois ameaçou fazer o mesmo com o Palácio de Cristal, o PSD acusou Moreira de estar a tentar “matar o pai”, Rui Rio.
Tudo somado, Rio não pode dizer que não fez campanha por Rui Moreira. É certo que não andou de braço dado com independente, nem fez arruadas ao lado de Moreira durante a corrida eleitoral. Mas a demarcação que fez de Menezes, o facto de as suas tropas terem estado com o independente e os elogios que lhe dedicou depois da vitória, foram mais do que um apoio tímido e discreto.
Conclusão: Enganador
Marcelo nunca impôs condições a Guterres?
A frase:
“Quando o engenheiro Guterres ganhou as eleições, mas não teve maioria absoluta, as condições que Marcelo Rebelo de Sousa pôs na altura não foram nenhumas. ‘Tem aí o seu Governo e agora, diploma a diploma, os senhores façam o favor, no Parlamento, com o PP, com o PSD, com quem quiserem, de tentar manter esse Governo. Faria o mesmo’”.
Rui Rio
Rui Rio voltava assim explicar a sua posição em relação a um eventual apoio a um Governo minoritário de António Costa. Está disposto a apoiar os socialistas, diploma a diploma, discutindo centímetro a centímetro todos os dossiers. O ex-autarca até deu o exemplo de Marcelo Rebelo de Sousa: quando assumiu a liderança do PSD, o atual Presidente da República assumiu previamente que ia aprovar todos os orçamentos de Estado de António Guterres, atendendo ao estrito interesse nacional — Portugal jogava tudo para entrar na moeda única e uma eventual crise política podia deitar tudo a perder.
O ex-presidente da Câmara do Porto tem razão. De facto, Marcelo não impôs condições prévias ao socialista, motivando, inclusive, duras críticas no interior do próprio partido. Mas a abertura para negociar demonstrada por Marcelo esteve longe de ser um cheque em branco: Orçamento após Orçamento, os sociais-democratas conseguiram ganhos de causa importantes, como a revisão constitucional de 1997 — que ia sempre servindo de moeda de troca — o referendos à regionalização ou o fim da colecta mínima, por exemplo.
Jorge Coelho, à época braço direito de Guterres, chegou a resumir as coisas nestes termos: “Marcelo trabalhou bem: ia-nos encostando às cordas e nós fomos na conversa”.
Ou seja, Rio tem razão quando diz que Marcelo Rebelo de Sousa mostrou desde sempre uma grande abertura negocial com os socialistas, anunciando mesmo que ia aprovar, à partida, todos os Orçamentos de Guterres — o que deu estabilidade ao PS. Mas Rio esqueceu-se de lembrar que Marcelo vendia caro este apoio, condicionando a governação socialista. Dizer que o agora Presidente da República não impôs condições nenhumas está correto, mas não conta a história toda.
Conclusão: Praticamente Certo
Miguel Relvas disse que o líder do PSD já perdeu?
A frase:
“Aquilo que vi hoje Miguel Relvas, apoiante de Santana Lopes, a dizer que o próximo líder é para dois anos (…) Está a dizer que já perdeu. É inadmissível. Que clima é este que se vai instalar no PSD? Não é antes das eleições estarem já a dizer que o próximo é para dois anos. Abrem a porta a quem não teve a coragem para ir. São rasteiras”.
Rui Rio
Foi um momento particularmente intenso de Rui Rio durante o debate desta quinta-feira. O ex-autarca lançou-se a Miguel Relvas, acusando-o de já estar a passar rasteiras ao futuro líder do PSD ainda antes da eleição se efetivar. Rio até deixou uma ameaça aos insubordinados: “Não vou admitir uma coisa destas. Estamos aqui pelo país. Se eu ganhar vamos mesmo estar muito mal. Deixe-me ganhar que vai ver como as coisas são”.
É conhecida a acrimónia entre Miguel Relvas e Rui Rio. Basta lembrar, por exemplo, que o ex-número dois de Pedro Passos Coelho disse que “pagava para ver” Rio como candidato à liderança do PSD. É também público e assumido que Miguel Relvas foi, no mínimo, um apoiante ativo de Pedro Santana Lopes nestas diretas. Mas o que disse exatamente Miguel Relvas?
Em entrevista ao Público, o antigo homem do aparelho social-democrata disse o seguinte: “Vamos ter um líder para dois anos, se ganhar as eleições continua, se não ganhar será posto em causa”. E ainda completou, visando diretamente Rio:
“[O Miguel Relvas acha, portanto, que o futuro do líder dependerá do resultado?] Dependerá das eleições e não das consequências. O que Rui Rio disse é um erro político inaceitável. Em primeiro lugar, o líder do PSD é obrigado a candidatar-se para ganhar eleições. Era o mesmo que o Sporting ou o Porto dizerem ‘vamos para o segundo lugar, não para sermos campeões, não há essa expectativa’. O líder do PSD é obrigatoriamente candidato a PM, não candidato a viabilizar um Governo do PS. E esse é o seu maior erro nesta campanha eleitoral”.
Ou seja, Miguel Relvas limitou-se a registar um fenómeno que tem acompanhado a vida do partido: um líder que não ganha as eleições sofre contestação interna e acaba por sair. A exceção mais recente é Durão Barroso, que sucedeu a Marcelo no cargo, mas estava há tão pouco tempo na liderança do partido que o aparelho lhe perdoou a derrota nas legislativas. Há os casos bem mais longínquos de Francisco Sá Carneiro, Mota Pinto ou Fernando Nogueira, que, perdendo para Guterres, ficou na liderança do partido até às presidenciais vencidas por Sampaio. E ainda o caso de Manuela Ferreira Leite que ficou até acabar o mandato, mesmo depois de ter perdido com José Sócrates, e ainda viabilizou um Orçamento do Estado. Mas acabaria por nem se recandidatar à liderança do PSD, conquistada depois por Pedro Passos Coelho.
Rui Rio pode ver nas palavras de Miguel Relvas “uma rasteira” e um gesto de calculismo político. E poderá não achar inocente o facto de Relvas aproveitar uma entrevista nas vésperas das eleições para o PSD para falar de Luís Montenegro, Miguel Pinto Luz e até de Luís Marques Mendes como possíveis candidatos a umas futuras diretas. Mas Relvas nunca sugeriu que o PSD ia perder as eleições. Mais: criticou Rio por admitir esse cenário. E notou o óbvio: o líder do PSD terá, nas legislativas de 2019, uma prova de fogo. Segundo a história do próprio partido, dificilmente sobreviverá se perder as eleições.
Conclusão: Esticado