A coordenadora do BE manifestou-se este sábado disponível para “correções” ao projeto-lei sobre despenalização da morte medicamente assistida com vista a “consensos alargados” no parlamento, considerando que “é indigno” um país que negue essa opção aos cidadãos.
“É tão digno o fim de vida de quem decide suportar todo o sofrimento, como é digno o desejo de antecipar a morte para parar esse sofrimento que se considera inútil e irremediável. O que é indigno é um país que negue essa opção a quem quiser controlar o seu fim de vida”, defendeu Catarina Martins, no encerramento de uma conferência organizada pelo BE sobre a despenalização da morte assistida.
A coordenadora do BE fez questão de salientar que o projeto do BE sobre esta matéria — apresentado este sábado e que será entregue nos próximos dias no parlamento — visa “despenalizar e regulamentar a morte medicamente assistida”, permitindo que os profissionais de saúde que participem nesse processo a pedido dos doentes deixem de poder ser sujeitos a uma pena de prisão até três anos.
Segundo o jornal Público, a proposta do BE implica que o doente reitere o pedido de antecipação de morte cinco vezes. O primeiro pedido terá de ser feito a um “médico responsável” que terá de informar o paciente do seu prognóstico e dos tratamentos a que poderá recorrer, nomeadamente no que toca a cuidados paliativos. Depois desta exposição, o médico terá de confirmar se a sua vontade se mantém (a segunda reiteração) e registá-la no “Boletim de Registos”.
Em seguida, o doente terá de ter uma consulta com um médico especialista na sua doença. Será esse especialista a confirmar ou não que o problema de saúde não tem cura. Caso o médico concorde com a antecipação de morte, o doente terá de confirmar uma terceira vez a sua vontade de antecipar a morte e esta será registada novamente no “Boletim de Registos”. Caso o especialista não concorde, o processo fica por aqui.
Poderá ser pedido mais um parecer a um médico psiquiatra, se houver dúvidas de que o doente esteja em condições de pedir a antecipação da morte. Mais uma vez, se especialista concordar, o doente terá de confirmar pela quarta vez a sua decisão. O processo é anulado se em algum momento o doente ficar inconsciente. Só poderá ser retomado em dois cenários. Se a pessoa em causa recuperar a consciência e mantiver a sua vontade ou se a sua decisão constar no Testamento Vital.
A data do procedimento — dia, hora e local — é acordada com o médico responsável, que terá de confirmar pela quinta vez a vontade do doente. O paciente poderá escolher entre auto-administrar os medicamentos letais ou ser um médico, enfermeiro ou psicólogo a fazê-lo, sob supervisão médica.
“O projeto de lei do BE vai entrar agora no parlamento, vai seguir o seu rumo de debate e é bom que possamos debater cada ponto afincadamente, com mais propostas se existirem e corrigindo, chegando a consensos que sejam alargados sobre todos estes pontos, mas sem fantasmas, sem confundir o que não deve ser confundido”, defendeu ainda Catarina Martins.
Às críticas de que o diploma pode conter algum excesso de burocracia, a coordenadora do Bloco considerou este “um defeito que é a qualidade” necessária neste momento. “O que estamos a fazer é nem mais nem menos do que despenalizar e regular a morte medicamente assistida quando ela é pedida reiteradamente por alguém que tem uma doença incurável e está a reportar um sofrimento intolerável”, balizou, defendendo que “os dramas privados” dos cidadãos também exigem respostas políticas.
Francisco George alerta contra “abusos médicos” de prolongamento da vida
O ex-diretor geral de Saúde Francisco George defendeu que a despenalização da morte assistida tem de ser aprovada em nome do “interesse público”, alertando para o prolongamento artificial da vida em hospitais, sobretudo no setor privado.
No primeiro painel da conferência “Despenalizar a morte assistida: tolerância e livre decisão” organizada pelo BE e na qual o partido apresentou o seu projeto-lei sobre o tema, Francisco George lembrou que subscreveu “sem hesitação” o início deste movimento há dois anos.
“Esta lei tem de ser aprovada no interesse público, porque no final da vida há abusos médicos muitas vezes, por pressão de administrações sobretudo no setor privado, onde se mantém a vida artificial, que não é aceitável nem no plano moral, nem no plano da ética, nem no plano médico, nem no plano económico”, defendeu o atual presidente da Cruz Vermelha.
Francisco George acrescentou ainda que os custos deste prolongamento da vida artificial da vida “são pagos pelos contribuintes”.