Portugal continua a ser um país com níveis de desigualdade social bastante elevados à escala europeia, uma situação que se agravou na última década e se traduziu no aumento da precariedade laboral e da pobreza.

O retrato social de Portugal nos últimos 10 anos é traçado no livro “Desigualdades Sociais, Portugal e a Europa”, que engloba vários estudos de investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-UNL) e que será divulgado na quarta-feira, em Lisboa, no colóquio comemorativo dos 10 anos de atividade do Observatório das Desigualdades.

“A crise cavou fundo na situação social dos desempregados, dos trabalhadores precários, dos pobres, dos pouco escolarizados, dos jovens em transição para o mercado de trabalho, das mulheres com menos recursos, dos imigrantes mais desfavorecidos, daqueles que saíram do país ao encontro de melhores oportunidades, dos que têm menos capacidade de mobilizar a ação coletiva”, lê-se no livro.

Apesar de os dados do INE e do Eurostat registarem “uma pequena evolução favorável” nos últimos três anos, Portugal ainda está “num nível de desigualdades bastante elevado”, disse à agência Lusa o diretor do Observatório das Desigualdades, Renato Carmo.

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Desde que a crise surgiu em 2008, o Observatório das Desigualdades tem vindo a acompanhar de “forma muito sistemática e sistematizada” o que aconteceu no país em termos de desigualdade em setores como o emprego, educação, rendimentos e riqueza, saúde, ação coletiva.

“Foram 10 anos em que as desigualdades e a relação entre as desigualdades e a pobreza se agravaram profundamente em múltiplos setores e múltiplas dimensões” e o livro “é demonstrativo disto mesmo”, ao abordar o problema numa perspetiva multidimensional e na relação com a Europa, explicou Renato Carmo.

Os estudos constataram que a desigualdade está presente em “muitas dimensões da vida das pessoas e isso significa” que a persistência do problema em Portugal se deve, em grande medida, ao facto de não se circunscrever a “um setor ou a um indicador”, sublinhou.

Para combater o problema são necessárias “políticas estruturais”: “Há perfis e padrões muito vincados que são quase transversais e que, se nada for feito de uma forma mais profunda, levará gerações até poder existir uma alteração mais profunda”, advertiu.

Um dos problemas apontados por Renato Carmo prende-se com a disparidade na distribuição de rendimentos, que é “muito acentuada em Portugal”, nomeadamente a nível salarial.

“A questão que se põe neste momento é como as dinâmicas de precarização do trabalho, nomeadamente em alguns setores que estão a emergir com muita força, como o turismo, podem reforçar estas disparidades salariais na medida em que muitos destes trabalhos são precários e com níveis salariais relativamente baixos”, sublinhou.

A fraca qualificação escolar da população empregada é apontada como um dos principais fatores de desigualdades.

“Portugal ainda é um país com níveis de escolarização abaixo da média europeia e isso reflete-se nas desigualdades” em vários setores, como no acesso a bens e serviços.

No caso da cultura, “é muito claro”, disse o investigador, adiantando que são, sobretudo, as pessoas mais qualificadas que têm práticas culturais “relativamente regulares”.

Os estudos também demonstram que são as classes mais escolarizadas que têm mais “capacidade da ação coletiva e de reivindicação”.

“Verificamos que a questão da qualificação e escolarização é ainda um grande desafio em Portugal”, uma situação que “questiona muito algumas ideias feitas, como o país ter “diplomados a mais”, disse Renato Carmo.

Em Portugal, as classes dirigentes têm níveis de qualificações profissionais abaixo da média europeia e inferiores até à população empregada, um problema que se reflete ao nível do mercado de trabalho, observou.

“Durante a última década, as desigualdades, não só se aprofundaram dentro dos países da Europa, incluindo os mais ricos, como se constituíram num problema para a própria coesão europeia”, frisou.