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ANDRÉ CARRILHO/OBSERVADOR

ANDRÉ CARRILHO/OBSERVADOR

Afinal os adolescentes têm razão quando dizem que ninguém os percebe, diz esta neurocientista

A sociedade não os entende: diaboliza e espera muito dos adolescentes, sem ter em conta que há comportamentos que fazem parte do desenvolvimento cerebral. Palavra de uma neurocientista britânica.

Encontramo-nos com Sarah-Jayne Blakemore numa manhã chuvosa de novembro. É no lobby do hotel que conversamos com ela sobre o quanto pressionamos e até subestimamos os adolescentes. Afinal, eles podem ter razão quando dizem que ninguém os compreende. Nada é ao acaso: Blakemore é professora de Neurociências Cognitivas na UCL (University College London) e há anos que se dedica ao estudo do desenvolvimento da cognição social e da tomada de decisões no cérebro do adolescente.

Ao Observador, fala abertamente sobre como a sociedade — pais e professores incluídos — esperam muitos dos adolescentes, uma vez que o desenvolvimento do cérebro, que continua bem depois da infância, ajuda a explicar muitos dos comportamentos associados a este período. A neurocientista, que esteve em Portugal a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos, afirma ainda que as escolas deviam adaptar-se à condição particular da adolescência e não o contrário.

“Até há pouco tempo as pessoas não compreendiam bem os adolescentes e até os culpavam, mas isto é apenas parte de um estágio de desenvolvimento natural, adaptativo e inevitável. É um pouco estranho que diabolizemos os adolescentes.”

Blakemore é professora de Neurociências Cognitivas na UCL (University College London)

ANDRÉ CARRILHO/OBSERVADOR

Já o disse antes numa entrevista: os adolescentes terão alguma razão quando dizem que ninguém os entende porque têm, de facto, dificuldade em ver outras perspetivas que não a deles. É isso?
Sim. Interessa-me muito a forma como nós entendemos as mentes das outras pessoas e as interações sociais. Há muitos estudos de desenvolvimento psicológico que se debruçam sobre aquilo a que chamamos “teoria da mente” [“mentalizing” ou “theory of mind”, em inglês] nos primeiros anos de vida, mas há muito poucos estudos feitos depois da infância. Descobrimos um exercício que aborda a questão da perspetiva durante a adolescência, que nos obriga a ter em conta a perspetiva da outra pessoa de maneira a tomar a decisão correta; descobrimos que a habilidade de ter em conta a perspetiva do outro ainda está em desenvolvimento durante a adolescência. Mas o importante a dizer sobre isto é que até os adultos nos nossos estudos — e noutros estudos que usam este exercício — consideram este exercício muito difícil. Sim, são melhores do que os adolescentes, mas falham quase 50% das vezes. É difícil para nós, humanos, termos em conta a perspetivas dos outros. É surpreendentemente difícil.

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Então não é uma questão de idade?
É uma questão de idade. Nós melhoramos com a idade, mas mesmo nos nossos 20-30 anos ainda não somos bons. Nós somos egocêntricos, a nossa perspetiva egocêntrica interfere.

Somos egocêntricos, mas não egoístas?
Não é uma questão de sermos egoístas. É vermos o mundo do nosso ponto de vista. É preciso um esforço para vermos as coisas pela perspetiva do outro.

"Há expetativas sociais muito diferentes face a este grupo etário, pelo que há quem argumente que não existe adolescência, que é algo que nós, no ocidente, permitimos que as crianças tenham, como se fosse uma coisa que não é real. Nós defendemos que é real, que é um período único de desenvolvimento biológico, psicológico e social."

Numa conferência TED referiu que os comportamentos da adolescência há muito que são retratados na história. Há quem pense que a adolescência é um fenómeno novo?
Sim, há quem pense. A palavra “adolescência”, que serve para descrever este grupo etário, foi usada pela primeira vez há cerca de 100 anos, nos Estados Unidos da América. Muitas culturas não têm nome para este período de desenvolvimento porque não o encaram como tal — as crianças passam, de repente, da infância para a fase adulta. Há expetativas sociais muito diferentes face a este grupo etário, pelo que há quem argumente que não existe adolescência, que é algo que nós, no ocidente, permitimos que as crianças tenham, como se fosse uma coisa que não é real. Nós defendemos que é real, que é um período único de desenvolvimento biológico, psicológico e social que podemos constatar através da história e de diferentes culturas — até o podemos constatar tendo em conta diferentes espécies. Os ratos, por exemplo, passam pela adolescência entre a puberdade e a maturidade sexual — são 20 ou 30 dias de adolescência, mas conseguimos ver comportamentos típicos naqueles dias.

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Que tipo de comportamentos associados à adolescência podem ser explicados pelo desenvolvimento cerebral?
O cérebro desenvolve-se praticamente todo no período da adolescência, particularmente o córtex. É difícil de dizer como é que isso se associa especificamente ao comportamento, sobretudo porque é tudo correlacional. Todos estes estudos têm por base correlações. Vemos mudanças no comportamento e, ao mesmo tempo, mudanças no cérebro. Não sei o que é que causa o quê, na verdade. É o problema desta área de investigação, neurociência cognitiva, porque é tudo correlacional. Ainda não é possível dizer que determinada mudança no cérebro explica definitivamente determinado comportamento na adolescência, mas existe muita pesquisa feita que mostra mudanças correlacionais no cérebro durante exercícios que envolvem o ato de correr riscos e/ou pressão de pares, em que decisões são influenciadas ou tomadas na presença de amigos. Estas coisas mudam durante a adolescência.

A atividade do sistema límbico muda com a idade. O que descobrimos é que o sistema límbico está mais “desperto” a recompensas durante a adolescência, pelo que responde mais a esses estímulos, em particular a exercícios em que exista algum risco. Se estivermos a jogar por dinheiro, por exemplo, temos um nível mais elevado de atividade no sistema límbico — mais na adolescência do que na fase adulta. Isso pode ser uma explicação sobre o motivo por que os adolescentes gostam de correr riscos, uma vez que poderão estar a receber maiores sensações de recompensa. Ao mesmo tempo, o córtex pré-frontal, que inibe a tomada de decisões de risco e nos impede de fazer coisas consideradas inapropriadas ou arriscadas, ainda está em desenvolvimento, ainda não amadureceu. Esta é uma explicação que atualmente é controversa. É controversa por diversas razões mas, do meu ponto de vista, o motivo principal é que há grandes diferenças individuais em tudo. É difícil generalizar.

Há cerca de 20 anos, pensava-se que o cérebro só se desenvolvia nos primeiros anos de vida. Afinal, não é bem assim…
Até há 20 anos assumíamos que o cérebro parava de se desenvolver numa certa altura durante a infância. Foi isso que me ensinaram na universidade e era o que o meu manual de estudo dizia. Isso acontecia porque não tínhamos a tecnologia necessária para ver dentro do cérebro. Na verdade, não sabíamos nada sobre o desenvolvimento do cérebro humano. A ideia de que o cérebro parava de se desenvolver particularmente cedo era apenas uma suposição. Nos últimos 20 anos fomos capazes de scanear o cérebro humano através de MRI (imagem por ressonância magnética). Muitos grupos em todo o mundo utilizaram este método para, ao analisar cérebros de diferentes idades, perceber como é que este órgão se desenvolve em termos de estrutura e função. O que todos esses estudos mostram é que o cérebro humano não deixa de evoluir na infância, continua a fazê-lo em termos de estrutura e função durante a adolescência e até aos 20 anos (até aos 30 anos em algumas regiões do cérebro).

O que é que isto significa?
Acho que nos dá uma explicação adicional sobre o porquê deste período da vida, a adolescência, representar uma mudança de desenvolvimento tão grande, ao nível comportamental e psicológico. Os comportamentos que associamos à adolescência — como o ato de correr riscos, a pressão dos pares ou a impulsividade — existem desde sempre. Podemos encontrar exemplos desses comportamentos na Grécia antiga, através de Platão, sendo que até Shakespeare escreveu sobre isso. Existem desde sempre, na história. Esses comportamentos, a que chamamos comportamentos típicos da adolescência, foram explicados por mudanças hormonais na puberdade e por mudanças socais. Agora sabemos que é uma parte muito natural e adaptativa do desenvolvimento cerebral, mas também das mudanças hormonais e sociais.

"Esses comportamentos, a que chamamos comportamentos típicos da adolescência, foram explicados por mudanças hormonais na puberdade e por mudanças socais. Agora sabemos que é uma parte muito natural e adaptativa do desenvolvimento cerebral, mas também das mudanças hormonais e sociais."

Tendo em conta que o desenvolvimento cerebral pode variar de cultura para cultura, o que é que sabem até agora que possa ser válido para a cultura ocidental?
Tudo o que sabemos sobre desenvolvimento cerebral provém de cérebros de adolescentes americanos e europeus. Acho que todos os cientistas que trabalham nesta área assumem que o cérebro se desenvolve [de formal igual] em todos os adolescentes em todo o mundo. Seria muito estranho se assim não fosse, mesmo que numa determinada cultura as expetativas sociais para com os adolescentes sejam muito diferentes da nossa… O que acontece é que, à partida, haverá diferenças subtis, não serão diferenças assim tão grandes. Essa é a minha previsão. Mas certamente que vão existir diferenças subtis, até porque o ambiente na infância e na adolescência tem uma influência subtil na forma como o cérebro se desenvolve.

Acha que a sociedade é dura com os adolescentes?
Sim, acho que os adolescentes passam um mau bocado. Em parte, acho que isso acontece porque eles comportam-se de forma diferente e mudam muito desde a infância. Até há pouco tempo as pessoas não compreendiam bem os adolescentes e até os culpavam, mas isto é apenas parte de um estágio de desenvolvimento natural, adaptativo e inevitável. É um pouco estranho que diabolizemos os adolescentes.

"Acho que os adolescente passam um mau bocado. Em parte acho que isso acontece porque eles comportam-se de forma diferente e mudam muito desde a infância. Até há pouco tempo as pessoas não compreendiam bem os adolescentes e até os culpavam, mas isto é apenas parte de um estágio de desenvolvimento natural, adaptativo e inevitável."

Já disse que os professores deveriam ter noções básicas de neurociência. Também acha que as escolas são duras com os adolescentes? Acha que as escolas deveriam estar melhor preparadas e não o contrário?
Sim. Na adolescência, o córtex pré-frontal, que está relacionado com o planeamento, ainda se está a desenvolver e, talvez porque eles se pareçam com adultos, a escola e a sociedade espera que os adolescentes sejam capazes de planear os TPC e diferentes projetos, coisa que não esperaríamos de uma criança. Colocamos expetativas muito altas nos adolescentes. Talvez fosse útil os professores saberem como o cérebro dos adolescentes se desenvolve.

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Também defendeu que obrigar os adolescentes a estarem na escola às 08h-09h é o mesmo que nos fazer acordar às 05h30…
E é.

Que tipo de orientações é que o sistema de educação deveria ter em conta?
Não sei. É muito difícil mudar os horários de arranque escolar porque eles se adaptam à sociedade, aos horários dos professores e dos pais. Mas, idealmente, a escola não deveria começar tão cedo porque sabemos que o cérebro do adolescente começa a produzir melatonina [hormona que regula o sono] mais tarde, à noite, ao contrário do que acontece na infância e na fase adulta. É por isso que os adolescentes não têm sono à noite e não se conseguem levantar de manhã. Não deveriam ser obrigados a ir para a escola a meio da sua noite biológica.

É possível que estejamos a sabotar o potencial artístico dos adolescentes?
Talvez. Há alguma evidência, de colegas na Holanda, de que os adolescentes são, em alguns aspetos, mais criativos do que os adultos. Não fazemos muito para encorajar essa criatividade. Ocasionalmente vemos adolescentes extraordinários que são os melhores no que fazem… é óbvio que eles tiveram oportunidade de explorar essa criatividade, mas isso não acontece com muitas vezes. A escola consegue ser muito restrita e difícil e há muita pressão sobre os adolescentes.

"Idealmente, a escola não deveria começar tão cedo porque sabemos que o cérebro do adolescente começa a produzir melatonina [hormona que regula o sono] mais tarde, à noite, ao contrário do que acontece na infância e na fase adulta. É por isso que os adolescentes não têm sono à noite e não se conseguem levantar de manhã."

Uma pergunta diferente: as redes sociais potenciam a criação de versões otimizadas, uma vez que apenas mostramos o que queremos. Esta procura pela “aceitação social” faz lembrar uma espécie de adolescência tardia…
Percebo o que quer dizer. Penso que isso mostra que esta ideia de que os adolescentes são uma espécie completamente diferente dos adultos não é verdade. Todos nós mantemos um pouco destes comportamentos na fase adulta. É provável que bebamos um terceiro copo [de vinho] num bar com os amigos do que se estivermos sozinhos em casa — isso é pressão de pares. Enquanto adultos, todos somos influenciados pelos nossos pares, corremos riscos. Não é como se estes comportamentos parassem por completo uma vez que chegados à fase adulta.

Considerando que muita coisa mudou em 20 anos, é possível que o que sabemos hoje seja, no futuro, tido como uma suposição?
Essa é uma pergunta muito boa. Acho que a resposta é sim. Sabemos um pouco, mas há muito que ainda não sabemos. Por exemplo, não sabemos como o desenvolvimento do cérebro varia tendo em conta diferentes culturas. É provável que varie um pouco, porque sabemos que o desenvolvimento do cérebro é influenciado pelo ambiente em que nos inserimos. Estive há pouco tempo na Índia e lá as crianças são tratadas como adultos, têm de ganhar o seu próprio dinheiro e são supostas casar assim que alcançam a maturidade social. A pergunta é: como é o desenvolvimento cerebral destas crianças? Não sabemos, não fazemos ideia. Ou seja, é possível que esta suposição de que o cérebro se desenvolve exatamente da mesma maneira seja questionada. As imagens por ressonância magnética mostram grandes mudanças na estrutura do cérebro, como o volume de massa cinzenta no córtex. Não sabemos o que isso significa, porque as imagens por ressonância magnética, apesar de nos darem uma janela para o cérebro vivo dos humanos, não têm resolução suficiente para nos dar informações sobre o cérebro ao nível celular, pelo que não nos dizem nada sobre o que se está a passar com as células, com os neurónios ou com a conexão entre células e sinapses. Talvez daqui a 30 anos tenhamos mais informação sobre isso e estejamos a repensar tudo o que sabíamos até então. Sim, há muitas possibilidades. Nós sabemos informação muito básica.

Imagino que este conhecimento sobre o cérebro do adolescente, bem como a entrevista, não sirva para justificar maus comportamentos…
Se isto desculpasse o comportamento dos adolescentes, então, todo os nossos comportamentos seriam desculpáveis.

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