Isaltino Morais, antigo presidente da Câmara Municipal de Oeiras, visitou Sydney em 1997. E foi na capital australiana que viu, em funcionamento, o comboio urbano que o levou a acreditar que um automated people mover como aquele – o Sydney Monorail – seria a solução para os problemas de mobilidade do concelho. Terá nascido, assim, a ideia para o SATU de Oeiras, um comboio não tripulado que foi inaugurado em 2004 mas que chegará ao fim da sua curta e conturbada existência no final da próxima semana, dia 31 de maio. Convidamo-lo a fazer uma viagem, amiga do ambiente, pela história deste comboio fantasma, que acumulou prejuízos milionários e que ganhará um lugar na História como um dos investimentos mais enigmáticos e controversos em Portugal.
O SATUOeiras foi inaugurado em junho de 2004, pela presidente da Câmara de então, Teresa Zambujo, do PSD, que “herdou” de Isaltino Morais uma obra que pretendia ligar a estação ferroviária de Paço de Arcos (da linha de Cascais) ao Cacém. As duas primeiras fases, indissociáveis no primeiro projeto, levavam o SATU até ao parque empresarial do Lagoas Park. A terceira fase levaria o SATU até outro importante parque empresarial da região, – o TagusPark – e a quarta e última fase até ao Cacém, já no concelho de Sintra. Mas a obra nunca passou do Centro Comercial Oeiras Parque (que fica a apenas 1.200 metros de Paço de Arcos).
Demasiados “parques/parks” para quem não conhece a zona? Aqui tem um mapa.
Infografia: Milton Cappelletti
“Esta nova linha deverá continuar, vindo mais tarde a ligar o centro histórico de Paço de Arcos (…) a um dos pólos inovadores de maior futuro deste concelho – o TagusPark – completando um sentido simbólico, de traço de união entre um passado de experiências e um futuro de desafios”, dizia na inauguração do SATU a presidente da câmara, Teresa Zambujo. Só que o futuro tinha mais desafios do que o esperado. Avançamos dez anos no calendário e, mais de 40 milhões de prejuízos depois, “muita gente aqui já considera isto uma coisa morta, alguns até pensam que já não está a funcionar”, diz um morador da zona, António Mouro.
O que correu mal? A ligação entre Paço de Arcos (Estação dos Navegantes) e o Lagoas Park (as tais duas fases indissociáveis) foi orçamentada em cerca de 43 milhões de euros. Segundo informações recolhidas pelo Observador, a construtora Teixeira Duarte, dona de 49% da empresa SATUOeiras (51% são da Câmara) aceitou pagar até 30 destes 43 milhões. Entre financiamento público, outros privados ou fundos comunitários, a Câmara de Oeiras ter-se-á comprometido a encontrar o restante financiamento para chegar ao Lagoas Park, onde a Teixeira Duarte tem os seus escritórios e cuja construção foi promotora.
Com exceção do capital social, de dois milhões de euros, (repartidos entre a construtora e a Câmara em 49%-51%), a Teixeira Duarte suportou integralmente os custos (cerca de 23 milhões de euros) para que o SATU chegasse ao centro comercial Oeiras Parque. Logo, então, foi inaugurado, por Teresa Zambujo, uma cerimónia para a qual Isaltino Morais não foi convidado mas onde o seu “espírito empreendedor e inovador” foi elogiado pela presidente da Câmara. A Teixeira Duarte estaria disponível para continuar a obra e investir os cerca de oito milhões de euros que faltavam, para que o SATU chegasse ao Lagoas Park, mas isso nunca aconteceu porque a Câmara nunca conseguiu mobilizar os 13 milhões que correspondiam à sua parte.
Em entrevista à SIC, em 2013, Isaltino Morais diz que “nunca teria inaugurado a obra sem que esta estivesse completa”. O Observador contactou o ex-presidente da Câmara de Oeiras Isaltino Morais, que remeteu para o executivo atual qualquer esclarecimento sobre este tema. E o que diz Paulo Vistas, o atual presidente da Câmara de Oeiras, sobre porque é que a obra não avançou? “Não avançou porque não houve financiamento” e porque “não houve vontade política para que aquele projeto pudesse candidatar-se aos fundos comunitários”, diz Paulo Vistas em entrevista ao Observador.
“A presidente da altura entendeu inaugurar o sistema numa sub-fase, quando chegou ao Oeiras Parque. Nem sequer a primeira fase chegou a ser concluída”, diz Paulo Vistas. E é por isso que “aquele troço nunca teve procura, porque nunca foi pensado para ter só aquele trajeto“. “É como fazer uma ponte e deixar a ponte a meio. É uma ponte com zero afluência”, remata o presidente da Câmara de Oeiras. O SATU não tem propriamente zero afluência, mas a média inferior a 500 passageiros por dia granjeou-lhe a alcunha de comboio fantasma de Oeiras.
O Observador procurou confrontar Teresa Zambujo com estas críticas, mas não teve sucesso. No discurso de inauguração do SATU, Teresa Zambujo dizia que “da Administração Central tem sido difícil receber os meios financeiros adequados ainda que saibamos que os tempos que correm são de grande constrangimento“. Mas acrescentava: “Com a sua presença [Carmona Rodrigues, na altura ministro das Obras Públicas], que muito nos honra, permite-nos a certeza de que poderemos contar com a sua solidariedade e a do Governo da República, e isso anima a nossa determinação“.
Após a inauguração, o projeto ficou imobilizado até ao regresso de Isaltino Morais à Câmara de Oeiras, em 2005. Em 2009, houve um protocolo com a Câmara de Sintra, na altura liderada por Fernando Seara, para conseguir concretizar o resto da obra, até ao Cacém, por via de uma candidatura aos fundos comunitários do QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional). Daí, em 2010, o projeto viria a ser integrado no PROT-AML (Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa – extrato aqui) como projeto prioritário para candidatar ao QREN, mas o eclodir da crise e a queda do governo da altura, no início de 2011, fizeram com que esse plano nunca fosse aprovado.
E a parceria com Sintra esfumou-se com a eleição de Basílio Horta, pelo PS, que diz ter “outras prioridades, nomeadamente sociais“. O argumento não colhe, junto de Paulo Vistas. Basílio Horta “tem outras prioridades mas quer fazer um teleférico na Serra de Sintra. O que é que isso tem de social? Isto é que é social – o SATU. Estamos a falar de áreas com rendimentos médios mais baixos e no próprio Tagus Park e Lagoas Park há muita mão de obra indiferenciada, pessoal de limpeza, jardineiros, estudantes….”, salienta o presidente da Câmara de Oeiras.
Com o novo governo, a partir de 2011, os trabalhos continuaram, foram atualizados os estudos de sustentabilidade (tema a que voltaremos abaixo) caso a linha fosse expandida. No verão de 2013, a Câmara chegou, mesmo, a aprovar uma proposta que previa que Oeiras contribuísse com 10,1 milhões e Sintra com 4,2 milhões para que a linha fosse estendida até ao Cacém. O restante seria pago por fundos comunitários (75%) e outros promotores privados (15%). Até 2017, o SATU aumentaria, assim, em 10,5 quilómetros e chegaria à dimensão para o qual foi concebido. Mas também aqui “faltou a vontade política, por parte deste governo como, também, dos anteriores, para que a obra se candidatasse aos fundos comunitários”, diz Paulo Vistas.
“Dissolução oficiosa” (o balde de água fria)
O balde de água fria para a Câmara de Oeiras e para a empresa SATUOeiras chegou já em 2014, quando a sociedade foi incluída numa auditoria às empresas públicas locais que a carimbou como empresa a encerrar, por preencher três dos quatro critérios de viabilidade – incluindo ter dado prejuízos três anos consecutivos (3,3 milhões em 2009, 2,9 milhões em 2010 e 3,1 milhões em 2011). Mas a Câmara de Oeiras, cujo contraditório segue nos tribunais, sublinha que todos estes prejuízos estão a ser suportados pelo acionista privado (a Teixeira Duarte) e, além disso, recusa que se possa avaliar a viabilidade da empresa quando a operação (o SATU) não está concluída.
Paulo Vistas, o atual presidente da Câmara de Oeiras, diz que “o sistema vai ser encerrado porque o governo não deu luz verde a que o projeto se pudesse candidatar aos fundos comunitários”. Assim sendo, “não se vislumbra a continuidade do sistema tal como ele está, porque como ele está não faz sentido. Faria sentido se fossem concluídas as fases que estavam previstas”, diz Paulo Vistas. Quando chegou à Câmara, em 2005, como vice de Isaltino, Paulo Vistas sempre encontrou “muita vontade, não só das empresas do Lagoas Park como as empresas do Tagus Park, onde várias empresas alugam autocarros todos os dias para transportar funcionários”.
(Velocidade do vídeo ligeiramente acelerada no percurso entre as estações)
A poucos dias de o sistema SATU encerrar, o Observador fez algumas (rápidas) viagens no SATU e constatou porque é que lhe chamam comboio-fantasma. São poucas, muito poucas, as pessoas que utilizam este monocarril, sobretudo população idosa que o utiliza para subir de Paço de Arcos ou do bairro da Tapada do Mocho para o Centro Comercial Oeiras Parque. “Uso muitas vezes o SATU, só é pena é o trajeto não ser maior”, diz Maria Assunção Timóteo, aposentada, que mora em Paço de Arcos. “Espero que não feche, porque faz-me muita falta, para ir ao Centro de Saúde e fazer algumas compras”.
Cruzámo-nos apenas com uma jovem, numa das suas viagens, curiosamente que estava a andar no SATU pela segunda vez na vida. “Andei na altura da inauguração [em 2004] e, agora que li as notícias de que ia fechar, decidi voltar a andar”, diz Susana Daniel, que mora ali perto. O SATU teria sido “bastante útil se tivesse chegado ao Lagoas Park ou ao Tagus Park, como estava planeado”, diz a utente. Não tendo acontecido, “já prevíamos que fosse este o fim, ou era expandido ou acabaria assim, como está a acabar”, lamenta.
O SATU morre com um longo historial de prejuízos elevados, uma inevitabilidade tendo em conta o custo de infraestrutura e o reduzido número de passageiros. A Câmara Municipal de Oeiras garante, contudo, que é a Teixeira Duarte que está a suportar todas perdas. Paulo Vistas garante – como garantiu, também, Isaltino Morais em 2013, que “a Câmara nunca gastou nada. Isso é fácil de verificar, as contas da Câmara são públicas, não está nada escondido”.
Não foi esse, contudo, o entendimento de um relatório da Inspeção-Geral de Finanças (do qual falaremos mais adiante) que levou ao fim do SATU. Esse relatório dizia que a tese de que os prejuízos da SATUOeiras não onera as contas da Câmara “não corresponde aos factos apurados” pelos inspetores. Essa não é, também, a “perceção” dos utentes. Todos os utentes ouvidos pelo Observador dizem que “existe a perceção” de que a Câmara de Oeiras está a suportar todos os prejuízos “ou, pelo menos, parte, porque também já ouvi que há uma empresa…”
Essa empresa é, claro, a Teixeira Duarte, que várias vezes confirmou que suportou todos os custos da construção e que encaixa todos os prejuízos da operação. Em abril, no dia seguinte à confirmação de que o SATU iria parar no final de maio, a empresa emitiu um comunicado em que garantia que, com o encerramento do comboio “deixará de ter quaisquer encargos relativos a esta participação”. A construtora reconhece que até ao final de 2013 registou 39,6 milhões de euros com “perdas resultantes dessa sua participação”, a que se juntam 2,8 milhões entre o início de 2014 e estes primeiros meses de 2015. Uma fatura total de 42,4 milhões de euros.
O Observador contactou a Teixeira Duarte no início de maio, mas não obteve resposta. Este trabalho será atualizado com qualquer resposta da empresa aos pedidos de esclarecimento do Observador, se esta chegar. Para este trabalho contactámos, também, a empresa SATUOeiras, que se escusou a fazer quaisquer comentários.
PS viabiliza o SATU, mas depois demarca-se do projeto
Na campanha eleitoral para as eleições de 2013 que viria a vencer, Paulo Vistas, do movimento Isaltino, concorreu com uma posição clara: “envidar todos os esforços para dar sequência ao sistema SATU. E fiz todos os esforços – acredite – falei com os membros do Governo, eu e o parceiro privado, falei com a autoridade metropolitana, falei com toda a gente e não foi possível”, lamenta o responsável. O PSD, cujo candidato era Francisco Moita Flores – e que deixou a câmara no ano passado -, admitia que o SATU era “fundamental se estivesse ligado ao Cacém” e defendia a continuação do projeto se fosse possível obter fundos comunitários.
Já o Partido Socialista tinha uma posição diametralmente oposta. Marcos Sá, candidato do PS, queria parar o SATU imediamente porque, dizia, “não venho aqui para fazer fretes à Teixeira Duarte“, lembrando os prejuízos acumulados pela transportadora e pondo mesmo em causa os potenciais benefícios para a mobilidade alegados pelo movimento de Isaltino e pelo PSD. Dois anos depois, as posições de uns e de outros não mudaram.
“Acho fantástico como ele [Paulo Vistas] acredita num projeto que foi um fracasso”, comenta hoje Alexandra Moura ao Observador. A vereadora e líder da concelhia socialista em Oeiras já se opõe ao SATU há vários anos, mas essa nem sempre foi a posição do PS. Em 2000, o vereador socialista Emanuel Martins (que nas eleições de 2013 viria a apoiar Vistas) viabilizou o acordo entre a câmara e a Teixeira Duarte, mas rapidamente o PS se começou a demarcar do SATU.
Em fevereiro de 2001, por exemplo, Emanuel Martins manifestou dúvidas sobre facto de o acordo ter sido feito diretamente com a Teixeira Duarte e não através de um concurso público. Isaltino disse-lhe que a construtora era “um grande grupo económico”. Numa entrevista em 2005, Isaltino Morais garantiu que “foram convidadas várias empresas: a Refer, a CP, a Rodoviária, a Carris, e outras. A única que aceitou foi a Teixeira Duarte. Não era necessário concurso público. E a Teixeira Duarte aceitou porque tinha um interesse direto na questão, que se prende com o facto de o SATU ser levado até Lagoas Parque, o que valoriza este empreendimento”.
Citando artigos jornalísticos sobre inovação, Isaltino comparou, em 2001, a criação do SATU à ida do Homem à Lua. Olhando agora para esses tempos, Alexandra Moura considera que o comboio automático “foi andando um bocadinho entre o sonho e a tentativa de encontrar uma solução que não fosse onerosa para a câmara”. Esse sonho, que se tornou um pesadelo, não vai para já ter peso nas contas municipais, afiança o presidente, mas a socialista não está assim tão segura disso. “Tenho receio” de que a Teixeira Duarte, um dia, peça à autarquia um ressarcimento pelos prejuízos que agora assume.
Tribunal de Contas está a concluir uma auditoria sobre o SATU
A auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) de 2007 também questiona a escolha da Teixeira Duarte como parceiro sem evidência de consulta a outras entidades. Ao que a autarquia respondeu “apenas a Teixeira Duarte teria interesse em se constituir como parceiro deste projecto, atentas as suas especificidades, pelo que o recurso a um procedimento concursal seria apenas uma aparência”.
No relatório e contas de 2005, a construtora considerava que o SATU tinha demonstrado “desde já constituir um equipamento de grande prestígio e promissor futuro”, mas realçava a necessidade de se prosseguir com a prevista expansão da rede, que só então “revelará o potencial do sistema e a sua efetiva maximização como estrutura de grande valia para o concelho e para os utentes. Ainda assim registamos que o projeto tem sido alvo de uma apreciação muito positiva quanto à sua qualidade e inovação, suscetível de ser aplicado em locais e circunstâncias muito diversas”.
Opinião diferente tiveram as várias entidades de fiscalização e controlo que analisaram o empreendimento. Para além das críticas da IGF, que sublinha a inexistência de uma análise custo-benefício de alternativas, o caso chegou à justiça, tendo o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) realizado buscas na empresa gestora e na própria Teixeira Duarte em 2010.
Em resposta ao Observador, fonte oficial da Procuradoria Geral da República adianta que o inquérito foi entretanto arquivado. No entanto, o Tribunal de Contas está a concluir uma auditoria sobre o SATU, projeto que já foi analisado num relatório sobre a execução das parcerias público privado (PPP) de Oeiras.
“O SATU produz ruído. Não provado“
Poucos passageiros, pouco dinheiro, pouco entendimento político. Em relação ao SATU, faltou muita coisa, mas polémicas houve várias e para todos os gostos. Além de porem em causa a utilidade do projeto, diversos moradores de Paço de Arcos queixaram-se à câmara de terem perdido qualidade de vida. No bairro da Tapada do Mocho, onde o comboio faz a primeira paragem, alguns habitantes deixaram de ver o mar da janela e passaram a ter um viaduto como paisagem. Isso, dizem, não só desvalorizou os apartamentos como lhes tirou (literalmente) o sono. O barulho provocado pelo SATU e a manutenção realizada durante a noite impede muitas pessoas de dormir, queixam-se. O executivo de Teresa Zambujo chegou a pagar janelas novas a alguns, mas isso não terá resolvido o problema.
Foram movidos processos na Justiça, mas a causa dos moradores não teve sucesso. Em julho de 2006, num acórdão citado em ata camarária, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra refuta todas as queixas dos habitantes da zona, dando apenas como provado que o comboio é propriedade da empresa municipal SATUOeiras. “A Obra em questão faz a tangente à Tapada do Mocho, bairro onde se situa o prédio de que faz parte a fração autónoma do Autor? Não provado”, lê-se no documento. “Provocou o SATU uma diminuição no nível de vida do Autor? Não provado”, refere outra passagem. E, por fim: “O sistema da carris do SATU não produz ruído? Não provado”.
Opondo-se a estes moradores, invariavelmente aqueles que estão mais perto da obra, corre por estes dias um abaixo-assinado em Oeiras para que o SATU não desapareça. Os criadores do abaixo-assinado têm também uma página no Facebook, onde está um filme feito recentemente pela empresa SATUOeiras que procura mostrar os méritos do SATU. “Eu tenho aqui abaixo assinados com centenas de moradores da Tapada do Mocho para que o SATU não feche. O problema é que essas centenas não são, por si só, suficientes para gerar procura para manter o SATU aberto”, diz Paulo Vistas.
Primeiro investe-se e depois fazem-se os estudos de procura
Segundo a informação recolhida pelo Observador, o primeiro estudo de procura terá sido feito apenas em 2010, quando o sistema já estava a operar há seis anos. Já em 2007, a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) alertava, em auditoria, para o facto de o estudo de viabilidade económica-financeira que contemplava projeções de atividade não ter por base qualquer estudo de tráfego. Os promotores terão apenas alegado que teriam um conhecimento prático sobre um fluxo de tráfego muito importante que asseguraria o sucesso do projeto.
Em 2013, é atualizado o estudo de procura pela consultora TIS (Estudo Atualizado de Procura e da ACB – Jun. 2013) onde se conclui que o SATU pode ser viável em determinadas condições. Apesar de reconhecer que o saldo seria ligeiramente negativo para o operador e gestor da infraestrutura, sublinhava os benefícios económicos, sociais e ambientais, caso o projeto fosse desenvolvido até à quarta fase, que incluía a ligação entre as linhas de Cascais e Sintra (entre Paço de Arcos e Cacém), a concluir até 2018. Estas conclusões assentavam na concretização de pressupostos que seriam geradores de procura, desde projetos imobiliários até ao desenvolvimento parcial, até 25%, do novo cluster da saúde. Eis os principais números do estudo elaborado pela consultora TIS:
- 12 quilómetros e 12 estações, ligando os concelhos de Oeiras e Sintra e as linhas de Cascais e de Sintra, no Cacém.
- Segunda fase estaria concluída até 2016, com a ligação até ao Lagoas Park, parque de negócios gerido pela Teixeira Duarte e onde fica a sede da construtora. Eram esperados 2570 passageiros diários.
- Na segunda fase manter-se-ia a tecnologia de monorail automático, mas na terceira e quarta fases assentavam num veículo com motorização incorporada, que circularia numa segunda linha.
- A terceira e quarta fases, ligação a Tagus Park e ao Cacém (via São Marcos), respetivamente, estariam concluídas até 2018. Eram esperados 13.747 passageiros por dia.
- Em 2030, o estudo de tráfego apontava para 25 mil passageiros por dia.
- Investimento de 140 milhões de euros, dos quais a grande fatia, 75%, seria suportada por fundos comunitários.
- Autarquias (Oeiras e Sintra) entrariam com 10% deste esforço, que corresponderia a 14,3 milhões de euros.
- O resto, 15% ou 21,2 milhões de euros, seria financiado pelos promotores imobiliários cujos empreendimentos seriam beneficiados pelo SATU.
- O percurso completo iria demorar meia hora com uma velocidade comercial de 20 quilómetros por hora e uma frequência de 15 serviços por hora, nos dois sentidos.
- O bilhete individual custaria 1,80 euros com o passe mensal integrado (com outros meios) de 35,72 euros.
E agora? O que vai acontecer ao SATU?
O SATU acaba e o elefante sai da sala, mas os problemas de mobilidade no concelho mantêm-se. “É mais rápido de Queijas ao TagusPark indo pelo Marquês de Pombal”, exemplifica Alexandra Moura, vereadora do PS, acrescentando que, através do atual sistema de transportes públicos, “de Queijas a Oeiras são 50 minutos”. As duas localidades distam menos de 10 quilómetros entre si e de Queijas ao parque empresarial são menos de sete quilómetros, mas pelo menos uma hora e meia perdida em autocarros e comboios.
“O que este concelho tem de fazer é pensar em soluções de mobilidade”, argumenta a vereadora socialista, acusando as sucessivas gestões autárquicas de “irresponsabilidade política nas decisões que são tomadas”. O futuro, diz, passa por olhar Oeiras de cima, “com uma visão estratégica”, que passa necessariamente pela ligação entre as linhas de Cascais e de Sintra. “É óbvio que temos de ir por aí”, reconhece.
A Câmara Municipal de Oeiras recebe o SATU e passa a ser dona de um ativo em que um privado injetou 44 milhões de euros (entre investimento, prejuízos e juros). A administração central, através do IMT (Instituto de Mobilidade e Transportes), deixa de ter a missão de fiscalizar a infraestrutura quando a operação terminar. Haverá contudo, alguns custos de manutenção. A Teixeira Duarte garantiu que não terá mais encargos com o projeto.
No fundo, a Câmara comprou o SATU por “dois euros”, como se ironizou numa das últimas assembleias municipais da cidade. E o que fazer com ele, agora? A resposta de Paulo Vistas, ao Observador: “Não sei. Estou aberto a sugestões e ideias“. O presidente da Câmara de Oeiras diz que uma das sugestões que mais lhe chamaram a atenção foi de um oeirense que gostaria de ver uma obra inspirada na High Line de Nova Iorque, uma linha ferroviária abandonada que se transformou num jardim e exposição de arte a céu aberto.
Não sendo certo que o declive que existe na linha do SATU permitisse uma inspiração na High Line, aquela que parece a última oportunidade para salvar o SATU poderá ser a eventual concessão da Linha de Cascais a operadores privados, que possam ter interesse em receber, também, por atacado, a linha do comboio de Oeiras. E, claro, que tenham interesse em expandir a linha além dos 1.200 metros atuais, para que esta tenha maior utilidade.
Contactado, o Ministério da Economia diz, a este respeito, que “esta é uma matéria a tratar no steering committee criado para o efeito [o processo de concessão da Linha de Cascais] onde terão assento a Infraestruturas de Portugal, Câmara Municipal de Lisboa, Cascais e Oeiras”. “Para já”, contudo, “não há decisão” sobre esta questão.
Potencialmente contrariando o ditado popular de que “o que nasce torto nunca se endireitará”, uma inclusão na Linha de Cascais poderia ser a solução para evitar aquilo que, no dia da inauguração, em 2004, Teresa Zambujo jurou evitar: “Não procuramos desenvolver projetos megalómanos, que visem a nossa notoriedade, vazios de potencialidades transformadoras, pois que essas cairiam rapidamente no vazio das coisas inúteis, comprometendo a nossa credibilidade e a nossa responsabilidade de autarcas”.