Os ingredientes para levantar suspeitas estavam lá. Adjudicação por ajuste direto, um projeto que avança sem estudos de procura e viabilidade económica, prejuízos crónicos e financiamento sem racionalidade económica por parte de um acionista. Mas a investigação judicial ao SATU, monocarril de Oeiras, acabou por ser arquivada, de acordo com indicação dada ao Observador por fonte oficial da Procuradoria-Geral de República (PGR).

Em 2010, a sede do SATU e as instalações da Teixeira Duarte foram alvo de buscas ordenadas pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal). A investigação ao Sistema Automático de Transporte Urbano (SATU) foi lançada na sequência de uma certidão extraída de um inquérito que tinha como alvo principal o ex-presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino de Morais. De acordo com o despacho de arquivamento, consultado pelo Observador, os “factos em investigação são (eram) suscetíveis de integrar a prática, designadamente, dos crimes de corrupção (…), e de participação económica em negócio”.

Os alvos do inquérito eram os factos relacionados com a construção e funcionamento do SATU, um sistema de transporte automático (sem condutor) urbano que ligava Paço de Arcos ao Oeiras Parque (centro comercial) e que em fases posteriores deveria chegar ao Lagoas Park e ao Tagus Park, parques empresariais do concelho.

Nota a PGR, que a câmara escolheu como parceiro a Teixeira Duarte, uma construtora também forte nas concessões, sem qualquer consulta ao mercado, atendendo exclusivamente à circunstância de ser proprietária os terrenos onde estava projetada a implantação do percurso do SATU.

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“Para além da vertente imobiliária, teve peso decisivo na escolha o critério do modelo de negócio e da participação financeira, sem qualquer dúvida favorável à CMO (Câmara Municipal de Oeiras). Na verdade, as conclusões do inquérito vão no sentido das garantias que a autarquia foi dando quando o SATU operava. Foi a Teixeira Duarte quem “assumiu o risco comportado por uma situação de não retorno e não remuneração das prestações acessórias, isto é, assumiu toda a responsabilidade do financiamento do projeto, independentemente dos resultados obtidos pelo SATU.

Isto apesar de a construtora ser minoritária (tinha 49%) da empresa municipal criada em 2001 para desenvolver o SATU, tendo sido celebrados acordos sucessivos que mantiveram as obrigações da TD que assumiu obrigações de fazer prestações acessórias em espécie, complementares às que foram assumidas depois de 2004, quando o SATU começou a operar.

As buscas passaram pela empresa SATU, pela Teixeira Duarte e pela Câmara de Oeiras numa tentativa de esclarecer todas as relações e fluxos financeiros, entradas e saídas de fundos, origem e destino, entre a construtora e a câmara. A Teixeira Duarte é a promotora do Lagoas Park, um dos parques de negócios de Oeiras, onde tem a sede.

Intervieram nas diligências a Inspeção-Geral de Obras Públicas, que, apesar de não haver justificação para o ajuste direto à Teixeira Duarte, concluiu que as condições aceites pela empresa eram as “ideais”. As motivações do envolvimento da construtora neste projeto são aliás o maior mistério do SATU. A Teixeira Duarte já assumiu publicamente prejuízos superiores a 40 milhões de euros, mas poucas explicações deu sobre a racionalidade económica deste investimento.

Também o Tribunal de Contas, que divulgou esta semana uma auditoria, fez a sua análise, da qual não resultaram evidência que concluam pela prática dos crimes em investigação. Apesar de “algumas irregularidades administrativas” e de se terem apurado várias questões que deveriam de ser sido acauteladas e não foram, estudos de tráfego, efeito do projeto, avaliação de necessidades locais, não se chegou mais longe na investigação.

A documentação contabilística e ficheiros eletrónicos apreendidos nas buscas foram analisados pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária, não se tendo “vislumbrado qualquer mail com interesse para a prova dos autos”

De todas as diligências realizadas e das conclusões de outras entidades, “não se obteve qualquer elemento que permita indiciar a prática dos crimes em investigação”, pelo que foi proposto o arquivamento, o que foi aprovado em junho de 2014.