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Da esperança à ansiedade. Como olham bascos, galegos e andaluzes para o referendo na Catalunha?

Na Andaluzia, dão-se passos tímidos para maior autonomia. Os galegos pedem estatuto de nação. E no País Basco, berço do separatismo violento, renasce a esperança. Tudo graças ao referendo catalão.

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Uma selfie com um casal e uma menina pequena ao colo, outra com dois amigos que trazem a bandeira oficiosa da Catalunha usada pelos independentistas, a Estelada, pelas costas. Mais uma selfie, desta vez com um grupos de várias amigas. E outra, agora com um casal de meia-idade. Foi assim que Arnaldo Otegi passou o dia nas ruas de Barcelona durante os festejos da Diada, o dia nacional da Catalunha, a 11 de setembro. Mas por que razão é um antigo membro da ETA — hoje reabilitado como coordenador do partido político basco Bildu — tratado “como um ídolo”, como escreveu o ABC? Porque em vésperas de referendo, qualquer independentista é visto como um irmão pelos independentistas catalães. E vindo do País Basco, região marcada por uma história de separatismo, a sua visita ganha especial relevância.

https://www.youtube.com/watch?v=l09zgzteJuM

Otegi, contudo, não foi o único líder independentista a marcar presença na Diada deste ano. Pedro Ignacio Altamirano, fundador do Partido Nacionalista Somos Andaluzes, também esteve em Barcelona, participando num evento da Esquerra Republicana no Hotel Catalonia Eixample. Atualmente, Altamirano já não está na política “profissional” e representa agora os independentistas andaluzes através da sociedade civil — com um movimento civil chamado Assembleia Nacional Andaluza (ANA). E, como tal, não podia deixar de estar na Diada, já que, segundo diz ao Observador, “uma Catalunha independente beneficiaria muito a Andaluzia”.

Também Ana Pontón, líder do Bloco Nacionalista Galego (BNG), marcou presença nas ruas da cidade catalã, declarando que “o futuro tem de se escrever com ‘D de democracia’ e ‘L de liberdade'”. É que, como explicou ao Observador, a Catalunha é para si “um exemplo”. “Mostra que as nações podem decidir o seu futuro”, resume. Numa Espanha marcada por sentimentos nacionais tão variados, com regiões de língua e cultura tão próprias, os independentistas destas e de outras províncias olham com esperança para o referendo catalão. O discurso oficial é positivo — mas pode não chegar para mascarar a ansiedade de não saber o que vai acontecer depois do dia 1 de outubro.

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Andaluzia, uma autonomia tímida

“Luto por deixar aos meus filhos e netos uma Andaluzia independente, dona do seu destino e rica. Não só para que nenhum andaluz tenha de voltar a emigrar em busca de trabalho, mas também para que possam regressar todos aqueles que se foram.” O escritor e dramaturgo Altamirano não poupa no dramatismo quando explica ao Observador porque se considera um nacionalista andaluz: “Nós andaluzes fazemos parte de um dos territórios com mais História da Europa. Uma terra rica em personalidade, História e cultura.”

Em tempos habitada por romanos, árabes e depois cristãos, a Andaluzia tem atualmente a maior população de Espanha (8 milhões), que enfrenta a segunda maior taxa de desemprego do país (28%, apenas superada pelos 28,3% da Extremadura) e que é um bastião socialista, dominado pelo PSOE desde o fim da ditadura. Foi precisamente a aproximação ao PSOE que ajudou a determinar o fim do Partido Andaluzista, segundo aponta Altamirano, referindo-se ao fim desta força política autonómica, em setembro de 2015. “No dia seguinte fomos logo fundar o Partido Nacionalista Somos Andaluzes”, diz, explicando que abandonou o cargo de coordenador ao fim de um ano, como combinado. Agora dirige a ANA e espera sensibilizar os andaluzes para a causa do nacionalismo na região.

Uma causa que, contudo, enfrenta dificuldades. “O independentismo nunca criou raízes na sociedade andaluz e a melhor prova disso é o facto de o nacionalismo moderado do Partido Andaluzista de Rojas Marcos ter acabado por se extinguir”, ilustra o jornalista da região Javier Caraballo. “Se o sistema educativo andaluz se tivesse dedicado nos últimos 35 anos a formar intelectuais da cultura do independentismo, a realidade hoje não seria esta de ‘quatro gatos pingados’ independentistas.” Pedro Ignacio Altamirano lá vai tentando, fazendo propostas como a de criar uma assembleia ‘alternativa’ à nacional — “aí os andaluzes dar-se-ão conta do erro em que vivemos, mais digno de um Matrix do que de um governo real”, promete. Mas, por enquanto, poucos são os partidos com assento no Parlamento regional que partilham das suas ideias.

"Se o sistema educativo andaluz se tivesse dedicado nos últimos 35 anos a formar intelectuais da cultura do independentismo, a realidade hoje não seria esta de 'quatro gatos pingados' independentistas."
Javier Caraballo, jornalista andaluz

O Podemos de Pablo Iglésias, no entanto, tem aberto a porta a uma maior autonomia. A sua líder andaluza, Teresa Rodriguez, é uma feroz partidária da autonomia, entrando por vezes em choque até com o próprio Iglésias. A independência “não é uma reivindicação que esteja nas ruas”, defende o Podemos andaluz, mas tal não tem impedido o partido de fazer propostas de maior autonomia para a Andaluzia. “Competências políticas, fiscais, em questões de energia… que cada comunidade se dote das suas próprias normas e finanças”, explicou o braço andaluz do partido ao jornal espanhol Público, quando questionado sobre que medidas concretas quer propor ao governo da socialista Susana Diaz. E sublinha a expressão “soberania popular andaluza”, não entrando contudo em pormenores.

Mais claro é Juan Sánchez Gordillo, histórico autarca da vila de Marinaleda, muitas vezes definida como uma “utopia comunista” pela sua política de ocupação de terras e assembleias onde se vota de mão no ar. “Viva a Andaluzia livre, viva a Catalunha livre, vivam os povos livres”, gritou Gordillo no dia da Diada, quando arriou a bandeira estrelada da Catalunha independentista no edifício da Câmara Municipal — e que lá ficará até domingo, dia da consulta popular. O político da Esquerda Unida não fala abertamente sobre um processo de independência andaluz, mas diz-se a favor dos processos de “autodeterminação dos povos” e tem sido um dos maiores defensores do referendo catalão. Este domingo, 1 de outubro, estará em Barcelona.

Juan Sanchez Gordillo, o autarca de Marinaleda e defensor do referendo catalão (JORGE GUERRERO /AFP)

Jorge Guerrero/AFP/Getty Images

Altamirano, por seu lado, acompanhará com grande expectativa o ato eleitoral deste domingo. Se o ‘sim’ vencer este domingo, o dramaturgo garante que terá uma noite feliz: “[A independência catalã] tornaria evidente que libertos do centralismo madrilenho é mais fácil crescer e desenvolver. Isso ajudaria a aumentar o nacionalismo na Andaluzia. É preciso recordar que, apesar de Madrid, o peso da economia da Catalunha e da Andaluzia juntas representam quase 50% do total espanhol“, atira. Um objetivo a longo prazo e em muito dependente de como correrem as coisas com os vizinhos catalães. Há meses que Altamirano aguarda por uma reunião com o chefe do executivo catalão, Carles Puigdemont. Está prometida — mas o mais certo é que nos próximos tempos Puigdemont esteja demasiado ocupado para conversar com os independentistas andaluzes.

Galiza, o nacionalismo “sentimental”

Se a sul há independentistas atentos ao que se passa na Catalunha, a norte também não faltam políticos preocupados com o que se tem passado nas ruas de Barcelona “Há aqui um Estado autoritário que está a reprimir direitos e liberdades fundamentais como o de reunião. É um autêntico escândalo, o que se está a passar“, diz ao Observador Ana Pontón, líder do BNG, uma das forças políticas galegas de espírito soberanista. Pontón refere-se às detenções de membros do governo catalão, ao reforço policial nas ruas e aos boletins de voto apreendidos.

Detenções na Catalunha colocam milhares de protestantes pró-referendo nas ruas

A líder do partido de esquerda, que ocupa 6 lugares no Parlamento galego, assinou este mês um texto a favor da independência catalã, citando o reconhecimento da ONU do direito à autodeterminação dos povos. Como ela, outros quatro mil galegos assinaram o texto, entre eles o histórico nacionalista galego Xosé Manuel Beiras — ex-membro do BNG e hoje em dia envolvido no movimento Anova.

“Sempre me senti galega, desde muito nova”, explica Ana Pontón. “Foi um processo natural de não entender porque a minha língua estava a ser discriminada, porque um país tão rico tinha tanta desigualdade…” A língua é sempre um dos fatores apontados pelos independentistas e na Galiza esse é um dos elementos mais importantes — muito embora, de acordo com as estatísticas, a percentagem de falantes de galego na região esteja em queda.

As questões económicas são outro dos fatores mais relevantes na região. “Até agora fomos sempre a última carta do baralho”, resume Pontón. “A Galiza é a nação que mais tempo leva a avançar. Temos a emigração mais alta e os salários mais baixos“, aponta. 20% de todos os espanhóis que vivem no estrangeiro são galegos. Todos concordam no diagnóstico, mas muitos diferem na solução.

"Até agora fomos sempre a última carta do baralho."
Ana Pontón, líder do partido Bloco Nacionalista Galego

Para Pontón, a independência ajudaria a Galiza a decidir sobre o seu próprio futuro e isso ajudaria a produzir mais riqueza. Para outros, como o escritor Santiago Jaureguízar, essa pobreza económica é o principal entrave à independência: “Temos uma economia subsidiária de Espanha. Quando vives dependente dos teus pais, não podes sair de casa.” Razão pela qual o autor, que nasceu no País Basco mas viveu grande parte da vida na Galiza, confessou ao El Confidencial que vê o nacionalismo galego como um nacionalismo “muito sentimental, do tipo de marcar umas quantas diferenças para mostrá-las aos turistas”.

O objetivo de soberanistas galegos como o BNG neste momento é o de conseguir o reconhecimento de nação para a região, como explica Pontón: “Neste momento temos o reconhecimento como nacionalidade histórica, o que é um eufemismo”, diz ao Observador. “Penso que a Catalunha vai abrir uma reforma constitucional no país e aí vai ser possível tornarmo-nos uma nação.” Outros não são tão positivos: “A independência da Catalunha provocaria uma recentralização do Estado e mataria qualquer ânsia de libertação galega“, vaticinava em 2014 o politólogo Millán Fernández.

País Basco, o independentismo com raízes

Quando se fala em separatismo em Espanha para lá da Catalunha, o nome que salta sempre à vista é o do País Basco. Marcada pelo terrorismo da ETA, que chegou formalmente ao fim em março deste ano com o desarmamento o grupo, a região tornou-se para muitos sinónimo de independentismo.

Contudo, a situação não é assim tão simples, nem sequer para Jon Inarritu, senador do partido independentista basco EH Bildu. “Eu não sou anti-Espanha. Agora vivo em Madrid, mas não me sinto parte daquilo”, confessa ao Observador. “Não é que eu venha do outro lado do mundo, é claro que eu tenho coisas em comum com os espanhóis. Mas como basco não me sinto um igual. Sinto que a cultura castelhana é vista como superior às outras.”

Por esses motivos culturais — e também históricos –, juntou-se ao Bildu, que defende abertamente uma consulta popular à independência no País Basco. O problema para o partido soberanista é que tem apenas 18 dos 75 assentos no parlamento regional e qualquer entendimento nesta matéria precisaria do apoio do Partido Nacional Basco (PNV na sigla original), que governa a região. Apesar de se definir como uma força política basca e de em tempos o seu antigo líder, Juan José Ibarretxe, ter defendido um referendo à autodeterminação, o partido é atualmente uma força muito mais conservadora nesta matéria, como explica ao Observador o sociólogo basco Ander Gurrutxaga: “O Bildu é uma força política nacionalista que mantém o programa máximo de alcançar a independência do País Basco. O PNV matiza muito mais esta opção e enfrenta-a com uma política pragmática, muito mais atenta à conjuntura e aos dados objetivos da realidade basca.”

Jon Inarritu (terceiro a contar da esquerda), já está em Barcelona para acompanhar o dia do referendo (D.R.)

Uma situação que levou um dirigente do PNV — que não se quis identificar — a assumir ao ABC que a situação na Catalunha deixa o seu partido numa situação um pouco complicada: “Solidariedade com a Catalunha, mas sem nos contaminar”, disse. Formalmente, o porta-voz do partido no Parlamento basco, Joseba Egibar, definiu o processo na Catalunha como uma prova de que o Estado espanhol “não se adaptou aos novos tempos”. E definiu as aspirações soberanistas bascas do PNV como a defesa de um modelo co-federal. Uma postura que não é nova, como já tinha ilustrado há um ano Alfredo Urdaci, antigo jornalisa da TVE, ao falar deste partido “conservador e de raízes católicas”: “Há uma lição importante a retirar da via catalã. A rutura só beneficia o radicalismo. E o PNV não perde de vista o seu rival político, que não é o PP nem o PSOE, é o Bildu.”

A discussão sobre a independência basca, contudo, pode ser um passo maior do que a perna. Isto porque as sondagens revelam que a maioria dos bascos não quer uma separação, com apenas 17% a defender a independência, nos dados de junho do Deustobarómetro. “A sociedade basca é plural e o independentismo é apenas uma de várias opções. Quando o clima político serena, a ETA desaparece, a crise económica intensifica-se, há uma certa deslocação [de prioridades]”, explica Gurrutxaga. “Identificar: sociedade basca = nacionalismo = independentismo, é um erro. A relação é muito mais complexa.”

"Gostávamos de fazer uma ação semelhante à catalã, mas precisamos de ter a maioria. Não podemos forçar a independência se o povo não a quiser."
Jon Inarritu, senador do partido basco EH Bildu

Tão complexa que até o senador Inarritu, do Bildu, admite que é cedo para um referendo à independência basca. “Gostávamos de fazer uma ação semelhante à catalã, mas precisamos de ter a maioria. Não podemos forçar a independência se o povo não a quiser”, admite ao Observador. “O meu trabalho é convencer a maioria dos bascos de que esta é a melhor situação para nós. É o que tentaremos fazer no futuro.” Um futuro que dependerá inteiramente de como se desenrolarem os acontecimentos na Catalunha. Se houver de facto um voto maioritário no ‘sim’, o que acontecer depois disso pode ajudar a determinar a simpatia ou antipatia dos bascos por uma situação semelhante.

Inarritu crê até que os últimos acontecimentos, com Madrid a apertar o cerco à realização do referendo, poderão ter influência no sentimento independentista. “Não podemos dizer que Espanha não é uma democracia, mas é uma democracia muito pobre”, declara, reforçando que as imagens de boletins de voto a serem retirados pela polícia “não são normais na Europa do século XXI”. “Acho que há pessoas que apoiam a independência por motivos nacionais, mas alguns começarão a apoiar por motivos democráticos. A ação do governo espanhol irá promover mais independentismo“, vaticina.

Uma previsão que alguns, recorrendo ao inglês, poderiam definir como wishful thinking. O sociólogo basco Gurrutxaga, por exemplo, crê não haver distância suficiente para perceber o impacto que o referendo catalão terá nos processos autonómicos das outras regiões de Espanha, que têm tantas características diferentes entre si. “É fazer prognósticos que hoje não têm fundamentos empíricos. É um exercício de ficção política ou uma análise de laboratório.”

Inarritu concede que entre Catalunha e País Basco há um país inteiro e uma história diferente a separá-los. Não sabe o que irá acontecer no domingo, a não ser o facto de que estará em Barcelona a acompanhar de perto tudo o que se passa. O convite foi endereçado por “forças catalãs pró-referendo”, que partilham um sentimento independentista fraternal — o mesmo que levou tantos dos que levavam a Estelada às costas a apertar a mão a Otegi, na Diada. “Talvez este venha a ser um momento de catarse para o País Basco”, resume Inarritu. Talvez o que venha a restar de todo este processo para outros soberanistas de Espanha seja apenas um movimento emocional no próximo domingo. Mas, para muitos andaluzes, galegos e bascos, isso já não é pouco.

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