Um dos legados da crise económica e financeira que teve como origem os Estados Unidos foi uma premonição, quase universal, de que a China em breve passaria a ter a maior economia do mundo. Sete anos depois da queda do Lehman Brothers, Pequim parece estar finalmente a sofrer dores de crescimento e o mundo está nervoso.
Depois de um início de ano de espetaculares subidas, o verão trouxe más notícias para a Bolsa chinesa. O principal índice começou a cair a pique e a arrastar consigo grande parte das bolsas asiáticas. Só na última semana perdeu 11,5% do seu valor, para muito perto do nível mais baixo atingido este verão.
Pareceria um histórico muito curto se o ponto baixo do verão não fosse uma destruição de quase um terço do valor do índice, ao ponto de o Governo chinês lançar uma intervenção de grande escala. Por princípio, a bolsa chinesa poderia não indicar sinal de grande problema. As ações admitidas à cotação na China são apenas uma pequena parte das participações das empresas, das mais baixas no mundo, mas os investidores estão nervosos.
Durante anos, a economia cresceu a um ritmo de fazer inveja a quase qualquer país e este ano ainda espera crescer 7%. Seria muito para qualquer outra economia, mas para a China quer dizer a pior taxa de crescimento dos últimos 25 anos e uma tendência de queda.
Para aumentar o receio dos investidores, e evidenciar o medo dos responsáveis chineses, o Governo chinês avançou com um conjunto de medidas de estímulo para tentar estancar a sangria na Bolsa, mas não conseguiu. Entre essas medidas estava o grande tabu, impensável para a China em 2008 e 1998 durante a crise asiática, e que deixou os investidores de boca aberta: a China decidiu desvalorizar a moeda.
Quanto mais cresce uma economia, mais difícil é continuar a crescer. Acontece tanto com economias, como com empresas. Um crescimento de 7% este ano representa um crescimento muito maior do PIB (produto interno bruto) do que os 14,2% que cresceu em 2007, por exemplo, considerando que a economia nunca cresceu abaixo de 7% em nenhum dos anos seguintes.
Mas a economia chinesa enfrenta outros problemas de fundo. Quando Xi Jinping chegou ao poder, em março de 2013, o plano já era o de reformar a economia chinesa. O modelo de crescimento da China durante décadas estava a esgotar-se e era necessário fazer mudanças.
O modelo é assente na grande máquina de exportações chinesa e, a nível interno, no imobiliário. Mas, em 2008, quando a crise nos Estados Unidos começou a afetar todo o mundo, as exportações colapsaram. Para compensar, o Governo chinês avançou com estímulos à sua economia cuja dimensão não tinha comparação em qualquer outro país.
O dinheiro foi quase todo para a construção imobiliária e de infraestruturas, com a responsabilidade a ficar nos governos locais, leia-se a dívida. O resultado foi a China passar ao lado da Grande Recessão com taxas de crescimento elevadas. Mas não apenas isto. A dívida total da economia chinesa explodiu para o quádruplo desde 2007 e atingiu os 282% do PIB chinês, maior que na Alemanha ou nos Estados Unidos.
Esta explosão de crédito, financiado pelos bancos estatais, teve ainda mais duas consequências diretas. Em primeiro lugar, criou bolhas especulativas nestes setores. Em segundo lugar, deixou uma herança muito pesada de dívida nos governos locais.
O dinheiro foi usado para construir cidades praticamente do zero, com complexos habitacionais que são hoje autênticas cidades fantasma por várias razões. A principal é a de que os salários na China não acompanharam, nem de longe, o investimento feito nestas estruturas.
Por outro lado, os municípios que dependem em grande escala da venda de terrenos para estas construções, e outros impostos relacionados com os imóveis, não estão a ter retorno. As receitas com estes impostos caíram a pique, numa altura em que os governos locais têm cada vez mais dificuldade em suportar os encargos com a montanha de dívida que assumiram para estimular a economia.
As autoridades chinesas aplicaram medidas restritivas para evitar o crescimento da bolha especulativa no imobiliário até que o investimento em imobiliário voltou a cair. Quando isso aconteceu, voltaram os estímulos à economia, mas o resultado não está a ser o melhor. Os 100 mil milhões de dólares que o banco central da China injetou em dois bancos públicos para financiar projetos de infraestruturas dos governos locais terão mais dificuldades em serem aplicados, considerando o já elevado serviço da dívida do setor local e os resultados dos investimentos passados.
O Governo chinês tem tentado incentivar o investimento privado para contrapor as dificuldades do setor local, mas o resultado tem sido insuficiente para compensar a queda no investimento na indústria chinesa e nos complexos de habitações. O nível de investimento na economia chinesa chegou a atingir os 49%, um valor irrealista para a maior parte dos países.
Outro dos grandes problemas no setor imobiliário é que 70% do investimento está em cidades mais pequenas, com menos procura e menos emprego.
Na crise asiática, no final da década de 1990, e em 2008, quando a falência do Lehman Brothers abalou os mercados mundiais, a China resistiu sempre à tentação de desvalorizar a sua moeda. Na altura, a China manteve firme a indexação da moeda chinesa ao dólar e tudo fez para que ficasse estável.
Agora, quando nada indicava e não havia uma grande crise mundial ou regional, o banco central avançou para uma desvalorização, algo que não fazia há duas décadas. A medida apanhou de surpresa os investidores e falhou na tentativa de estabilizar os mercados. Xangai continua em contínuas quedas e um pouco por todo o mundo as bolsas estão a tremer.
A ideia do Governo deverá passar por tentar revitalizar um setor exportador que, em julho, caiu 8,3% face ao mesmo mês de 2014, mas arrisca-se a criar uma guerra cambial com os países da região, casos da Tailândia e Indonésia, que já viram as suas moedas cairem para o nível mais baixo desde 1998, altura da crise asiática.
O abrandamento da economia chinesa está a deixar os investidores de olhos em bico. E com razão. Nas contas do FMI, em 1990 apenas dois países tinham a China como maior mercado para as suas exportações. No ano passado já eram 43. O problema é que, com a economia a abrandar, a procura pelos produtos que estes países exportam está a cair consideravelmente, em particular as matérias-primas.
Muitos destes países estão na Ásia, Médio Oriente e África, e entre eles contam-se grandes economias como Brasil, África do Sul e Austrália. Só no ano passado, segundo o FMI, as exportações na África do Sul caíram mais de 32% e as do Brasil e Austrália mais de 11%.
O Brasil é um dos países que se vê já numa situação económica difícil, mas muitos outros terão de começar a fazer mudanças se a situação na China se mantiver. Xi Jinping espera mudar a economia chinesa para um modelo mais orientado para a procura interna e para os serviços, e já apelida a situação económica chinesa como o “novo normal”: menos ênfase no crescimento e mais nas reformas estruturais da economia e consequente mudança de modelo económico. Esta mudança ameaça mais os principais parceiros comerciais da China do que a própria China.