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“Sigam o vosso sonho. É isso que digo aos jovens”, contou o matemático Edward Frenkel. “Sei que soa vazio e que é usado em excesso, mas para mim tem um significado específico.”
Edward Frenkel é filho de mãe russa e pai judeu. E embora não tenha sequer sido educado dentro da religião judaica, foi vítima do antissemitismo que imperava na Rússia, nos anos 1980. Mas nem o facto de ter sido impedido de entrar na Universidade Estatal de Moscovo – por ser judeu – o fez deixar de lutar pela carreira académica que pretendia. “De alguma forma arranjei maneira de não perder a esperança, de não sucumbir à discriminação”, disse ao Observador. “Quando se está apaixonado, quem nos pode parar.”
Matemática: do ódio ao amor
Claro que ajuda ter bons guias. “Tive uma sorte incrível com os meus professores”, escreveu professor de Matemática da Universidade da Califórnia (Berkeley, Estados Unidos), no livro “Amor e Matemática”. Uma sorte que valoriza ainda mais agora que tem os seus próprios alunos. “Como a maioria das pessoas, achava que [a matemática] era um assunto chato, insípido.” Mas Evgeny Evgenievich, um matemático profissional e velho amigo dos pais, tinha um plano: “Apresentou-me a beleza da matemática e conseguiu que eu me apaixonasse por ela.” Para isso bastou mostrar-lhe que a matemática era muito mais do que se aprendia na escola. “O plano de Evgeny Evgenievich funcionou perfeitamente: fui ‘convertido’ à matemática.”
Apaixonado pela matemática, o jovem Edward Frenkel, com apenas 16 anos, passou quatro horas numa prova de acesso à Universidade Estatal de Moscovo (MGU), mas não entrou. Só porque era judeu. Um dos examinadores que o chumbou disse-lhe depois do exame: “Você saiu-se muito bem. Um desempenho realmente impressionante.” Frenkel nem podia acreditar. “Vou dar-lhe um conselho”, disse-lhe o examinador. “Procure o Instituto de Petróleo e Gás de Moscovo. Eles têm um curso de matemática aplicada que é muito bom. E lá aceitam estudantes ‘como você’.”
Foi no Instituto de Petróleo e Gás que conheceu Dmitry Borisovich Fuchs. “Fuchs salvou-me depois da catástrofe do exame na MGU e pôs em movimento a minha hesitante carreira matemática.” Fuchs não era oficialmente um professor universitário, mas supervisionou a investigação de Edward Frenkel sobre um problema matemático. O conceituado matemático dedicava-se a ajudar jovens estudantes judeus que tinham sido impedidos de entrar na MGU.
Dmitry Borisovich Fuchs entregou-lhe um artigo de 12 páginas para ele começar a ler: “Tente ler isto e quando encontrar uma palavra que não entenda ligue-me.” Quando ao fim de uma semana Frenkel lhe ligou, Fuchs perguntou: “Já começou a ler o artigo?”. “Na realidade já acabei de o ler”, respondeu Frenkel. Não só o tinha lido, como tinha entendido perfeitamente os conceitos. E foi assim que passou a ser orientado por um dos melhores matemáticos do mundo.
Mais tarde, Dmitry Fuchs apresentou-o a Boris Feigin, um dos seus antigos alunos. Na altura, Feigin tinha apenas 33 anos, “mas já era considerado uma das estrelas da comunidade matemática de Moscovo”. Feigin e o jovem Frenkel trabalharam ambos sobre o mesmo problema matemático e partilharam ideias semelhantes sobre a forma de o resolver. “No início da nossa conversa, de facto, basicamente completávamos as frases um do outro. Era uma sensação especial: ele entendia-me completamente e vice-versa.”
Amor e sofrimento para perseguir um sonho
O estudante Edward Frenkel tinha passado uma tarde em casa de Boris Feigin a discutir um problema, mas com a noite chegou o momento de voltar para casa. “Na viagem de comboio para casa, numa carruagem vazia, com as janelas abertas, eu não conseguia parar de pensar no problema. Tinha de tentar resolvê-lo, ali mesmo, naquele exato momento.” De caneta e bloco na mão começou a escrever as equações do problema. “A carruagem antiga fazia muito barulho, chocalhava de um lado para o outro, impedindo-me de segurar na minha caneta com firmeza; assim, as fórmulas que escrevia ficavam todas desarranjadas.” Mas… Eureka! No meio do caos surgiu o padrão: as fórmulas funcionavam.
Com o mentor Feigin, Frenkel iniciava uma nova aventura, mas já antes tinha experimentado o desafio de se dedicar de corpo e alma a um problema matemático. “Comecei a ter problemas em dormir; foi a primeira vez que isso me aconteceu. A insónia que desenvolvi durante o trabalho nesse problema foi o primeiro ‘efeito colateral’ da minha pesquisa matemática.” Aquele tinha sido um teste noutros aspetos também: os falhanços no seu primeiro desafio matemático tinham-no feito questionar se continuaria aquela carreira.
Edward Frenkel não tinha entrado na Universidade Estadual de Moscovo, por isso os primeiros acessos aquele espaço – para assistir a palestras e seminários – tinham sido furtivos. Mas à medida que os encontros com Fuchs se tornavam semanais, o conceituado professor tinha conseguido uma autorização especial e Frenkel já não precisava de saltar a vedação. Entre avanços e recuos, novas técnicas e novas perspetivas, a solução apareceu a Edward Frenkel. “Pela primeira vez na minha vida, tinha em meu poder ‘algo que mais ninguém no mundo tinha’. Não era a cura para o cancro, mas era uma peça valiosa de conhecimentos e ninguém ma podia tirar.”
A dedicação do jovem matemático permitiram-lhe alcançar o sucesso à medida que desvendava os segredos das fórmulas matemáticas, mas sendo oriundo de uma família judia nunca poderia ter um emprego como matemático na União Soviética. “No entanto, havia uma surpresa reservada: os meus primeiros artigos sobre matemática foram levados ilicitamente para fora do país e ficaram conhecidos. Recebi um convite para me tornar professor visitante na Universidade de Harvard, aos 21 anos.”
“Deixar a Rússia foi um acontecimento tremendo”, disse ao Observador Edward Frenkel. Mas na altura, há mais de 25 anos, não poderia imaginar que hoje em dia andaria pelo mundo a mostrar a beleza da matemática. “Aqui está um exemplo de algo que um algoritmo não poderia prever.” Apesar de já ter conquistado vários prémios e distinções, Frenkel admite que agora, com 47 anos, isso não é o mais importante. “O que é importante para mim hoje em dia é aperceber-me que não são os prémios e distinções ou a carreira e as conquistas, mas é saber quem sou e encontrar o meu caminho.” Um caminho que encontrou com a ajuda da matemática. “Ajudou-me a conhecer-me melhor, indiretamente, e não através das fórmulas matemáticas.”
A matemática e o amor são linguagem universal
A paixão que o fez ser um autodidata e tornar-se um matemático bem-sucedido a nível internacional, usa-a agora para mostrar ao público que a matemática é bela, universal e unificadora. “Existe apenas uma matemática. Uma e única para todos nós, independentemente da língua que falamos, da religião, da cor da pele.” Uma matemática que é feita por humanos, para ser desfrutada pelos humanos. Uma linguagem universal que pertence a todos. “Ninguém pode patentear uma fórmula matemática”, lembrou o matemático ao Observador.
A matemática é, para Edward Frenkel, um elemento unificador. Um ponto de semelhança numa sociedade que, ultimamente, parece só valorizar a diferença. O matemático acredita que uma vez que todas as pessoas se apercebam disso, será muito mais fácil encontrar harmonia e ultrapassar as diferenças entre as pessoas. E foi isso que o motivou a realizar o filme “Ritos de Amor e Matemática”, em 2009, e a escrever o livro “Amor e Matemática”, em 2013 (editado em Portugal pela Casa das Letras).
“Um dos problemas da matemática é que é abstrata”, concordou Edward Frenkel. “Muitas vezes quando nós, matemáticos, tentamos explicar o nosso trabalho, deixamo-nos levar pelos detalhes. E isso deixa as pessoas muito cansadas e confusas.” Mas o autor queria fazê-lo de outra maneira. “Em vez de tentar explicar, arranjei uma maneira de o leitor sentir o que eu sinto quando faço matemática. E acho que resultou.” No filme, há uma fórmula de matemática tatuada na pele que representa como o matemático se sente em relação ao seu objeto de estudo.
O professor de Matemática da Universidade da Califórnia (Berkeley, Estados Unidos) “queria arranjar uma maneira de transmitir àqueles que não são matemáticos, o que é realmente a matemática”, porque reconhece que “a maior parte de nós teve experiências desagradáveis com a matemática na escola, até mesmo traumáticas”. “Quero como que hipnotizar o espectador para que esqueça tudo que sabe sobre matemática, para poderem olhar para a matemática com um novo olhar.”