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O interrogatório de José Sócrates: "Sempre tive dificuldades financeiras"

Sócrates disse no primeiro interrogatório que começou a pedir dinheiro a Santos Silva mal saiu do Governo em 2011. E até aí? Vivia da "generosidade da minha mãe, que lá ia dando umas massas".

Foi um José Sócrates irreconhecível aquele que esteve a ser interrogado durante três dias no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). Nervoso, inseguro e com medo do desconhecido, o ex-primeiro-ministro tinha sido detido cerca das 22h30 do dia 21 de novembro de 2014 no Aeroporto da Portela por suspeitas da alegada prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Marquês. Foi ouvido depois de o seu amigo e alegado testa-de-ferro Carlos Santos Silva e o seu motorista João Perna terem sido ouvidos em primeiro interrogatório judicial pelo juiz Carlos Alexandre e pelo procurador Rosário Teixeira. Tido como simples suspeito informal no caso Cova da Beira, Freeport e Face Oculta, era a primeira vez que Sócrates estava a ser verdadeiramente questionado pela Justiça — e era a primeira vez que um ex-primeiro-ministro democraticamente eleito tinha sido constituído arguido pelo crime de corrupção no exercício das suas funções.

Ao contrário do segundo interrogatório (realizado em maio de 2015 quando estava preso há seis meses) e do terceiro (que se efectuou em março de 2017), em que se mostrou agressivo e desafiador perante o procurador Rosário Teixeira e o inspetor Paulo Silva, neste primeiro frente a frente o ex-líder do PS quis responder a todas as perguntas e explicar a sua visão sobre os factos. Tinha, aliás, vindo de Paris para se entregar às autoridades.

Uma descoordenação da investigação permitiu-lhe adiar a viagem para Lisboa que esteve marcada para 20 de novembro (dia das primeiras buscas da Operação Marquês), o que permitiu a Sócrates ter 24 horas para se preparar depois de o seu motorista João Perna ter sido detido às 21h38 de 20 de novembro de 2014, enquanto Carlos Santos Silva e o seu advogado Gonçalo Ferreira foram detidos pelas equipas mistas do Ministério Público e da Autoridade Tributária de Braga às 1h45 e às 2h15 de 21 de novembro.

[Veja neste vídeo o último episódio da mini-série Sim, Sr. Procurador, com a reconstituição dos excertos decisivos do interrogatório a José Sócrates]

Juntamente com as informações reunidas pelo seu advogado João Araújo junto de Sofia Fava (também alvo de buscas), dos indícios contidos no mandado de busca assinado pelo juiz Carlos Alexandre que permitiu às autoridades entrarem no seu apartamento no condomínio Heron Castilho, muito perto do Marquês de Pombal, que lhe foram lidos ao telefone pelo seu filho mais velho e até de informações que lhe foram transmitidas em Paris por Paulo Lalanda e Castro (seu patrão, que também foi alvo de buscas na Octapharma em Portugal), José Sócrates já tinha uma ideia genérica das suspeitas que existiam contra si antes de Rosário Teixeira começar a falar na principal sala do TCIC, situada no rés-do-chão de um dos edíficos do Campus da Justiça em Lisboa — ironicamente inaugurado pelo próprio Sócrates a 22 de julho de 2009.

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A preocupação com os palavrões e a amizade com Carlos Santos Silva

Além de ser detido para ser interrogado e constituído arguido pela primeira vez, José Sócrates passou igualmente pela experiência de ser confrontado com escutas telefónicas de conversas suas. Conhecido entre amigos e dirigentes do Partido Socialista pelo seu temperamento irascível, Sócrates mostrou-se preocupado com o teor da linguagem que utilizou nas conversas intercetadas pelas autoridades judiciais.

José Sócrates: É pena que o vosso sistema não permita substituir por pis os palavrões porque quem os profere também não está, também não…

Juiz Carlos Alexandre: Senhor doutor, por amor de Deus, não é por aí.

José Sócrates: Bom, mas está uma senhora [funcionária judicial] presente na sala…

José Sócrates - É pena que o vosso sistema não permita substituir por pis os palavrões porque quem os profere também não está, também não…
Juiz Carlos Alexandre - Senhor doutor, por amor de Deus, não é por aí.
José Sócrates - Bom, mas está uma senhora [funcionária judicial] presente na sala...

Foi durante este primeiro interrogatório que Sócrates criou o essencial da sua defesa, recusando veementemente a tese essencial da equipa de Rosário Teixeira que veio a dar origem a um despacho de acusação formal: Carlos Santos Silva é um alegado testa-de-ferro de José Sócrates e todo o seu património financeiro depositado na Suíça, juntamente com diversos imóveis em Lisboa e em Paris, pertencerá efetivamente ao ex-primeiro-ministro visto que os fundos teriam origem em alegados crimes de corrupção no exercício das funções como chefe do Governo.

José Sócrates: Gostaria que se percebesse que sou amigo de infância… de juventude de Carlos Santos Silva e somos muito amigos, (…) passamos férias juntos há muitos anos… (…) a verdade é que fiquei a saber mais sobre os bens do eng. Carlos Santos Silva ontem [dia 21 de novembro de 2017], quando li estes factos, do que soube nos últimos trinta anos. Nunca perguntei nem nunca soube quanto é que o Carlos Santos Silva detinha. Portanto, não conhecia, até ler o que está aqui [no despacho de indiciação], o património do eng. Carlos Santos Silva. Bom, esse é o ponto mais importante. Mas eu não sei como é que o senhor doutor juiz quer conduzir o interrogatório, mas julgo que, do meu ponto de vista…

Juiz Carlos Alexandre: Esse ponto é fulcral, efetivamente.

José Sócrates: Sim.

Juiz Carlos Alexandre: Portanto, no seu dizer, não há qualquer conjunção no sentido de que as verbas que existiram nestas contas da Suíça [de Carlos Santos Silva] e que vieram transportadas para cá [para Portugal] aquando do RERT [Regime Excepcional de Regularização Tributária ] fossem em alguma parte suas?

José Sócrates: Não só isso é falso, não só desminto peremtoriamente isso, como também quero desmentir uma outra coisa a propósito da pergunta que me faz sobre o RERT. (…) O RERT I e o RERT II foram decisões tomadas de acordo com aquilo que o Governo na altura considerou ser o interesse do país (…) e não foi condicionado por nenhum interesse particular, repito, nenhum interesse particular. Nem era do meu conhecimento que o senhor eng. Carlos Silva tivesse ou não tivesse contas na Suíça. (…) A única coisa que sabia era que o senhor eng. Carlos Santos Silva era um homem de posses, porque sempre o conheci, como digo, como empresário.

Juiz Carlos Alexandre: Mas sabe de onde é que lhe vinham essas posses, pode dizer alguma coisa a respeito disso que seja útil aqui para a inspeção?

José Sócrates: (…) A única coisa que sabia é que o eng. Carlos Santos Silva era um homem com posses, ligado, desde sempre, a empresas na área de consultadoria de projectos e na área da construção civil.

A fortuna e a compra dos apartamentos da mãe

Desde o início da sua carreira de político que os seus aliados sempre relacionaram a vida folgada de José Sócrates com uma alegada herança recebida pela sua mãe, Maria Adelaide, da parte de um avô que teria feito fortuna nos anos 30 e 40 do século passado através da alegada comercialização de volfrâmio — minério muito disputado durante a II Guerra Mundial por ser utilizado no fabrico de armas e munições. Sócrates utilizou pela última vez a tese da fortuna da mãe — que a equipa de investigação liderada pelo procurador Rosário Teixeira não deu como provada — quando foi confrontado com o facto de três imóveis vendidos por Maria Adelaide terem tido sempre o mesmo comprador: Carlos Santos Silva.

De acordo com a tese explicitada no despacho de acusação, essa seria uma das formas que Carlos Santos Silva tinha para alegadamente branquear os capitais que tinha repatriado a partir da Suíça, fazendo-os chegar a José Sócrates. Tudo porque, sempre que recebia os fundos de Carlos Santos Silva, Maria Adelaide canalizava-os na sua totalidade ou em grande parte para o seu filho José Sócrates. De acordo com o despacho de acusação, Sócrates terá recebido entre 29 janeiro de 2012 e e 26 de agosto de 2014 um total de 550 mil euros da sua mãe que tiveram origem em Santos Silva.

A minha mãe (...) comprou o andar na Heron Castilho, (...) compra essa que me causou os maiores incómodos porque tive que me explicar de forma absolutamente injusta perante jornalistas que me questionaram sobre isso (...). A proprietária disse que a casa era dela, mas era dela estando em nome de uma offshore. Foi a primeira vez que ouvi falar em offshores.

José Sócrates: Que eu tenha conhecimento, a minha mãe vendeu três casas ao eng. Carlos Santos Silva. As primeiras duas casas, dois apartamentos, a minha mãe, a minha mãe herdou do meu avô — vários apartamentos e uma fortuna em dinheiro, fortuna que eu nem sei avaliar, mas enfim, que era significativa (…) bom, mas quem tratou disso foi o meu irmão [António Pinto de Sousa] (…) não tenho memória disso mas, para ser absolutamente franco e honesto, o que acho é que foi o meu irmão a falar-lhe e que mais tarde o Santos Silva comentou: “Olha, o Tó Zé falou-me nisso e eu vou comprar os andares à tua mãe” — qualquer coisa desse tipo. (…)

Procurador Rosário Teixeira: Isso. Quanto ao Heron Castilho?

José Sócrates: Quanto ao Heron Castilho, ora bem, a Heron Castilho é uma história que se conta muito facilmente. A minha mãe viveu e vivia em Cascais (…) e, enfim, é o que é, não posso dizê-lo de outra forma, houve um momento em que ela ficou muito infeliz porque morreu o cão; ela já vivia sozinha com o cão e então aconselhei-a: “Ó mãe, venha viver comigo (…), venha viver comigo não, venha viver para o meu prédio, há lá andares à venda, compra lá, venda a casa e compre lá um”. A minha mãe vendeu a casa do Cobre e comprou o andar na Heron Castilho, (…) compra essa que me causou os maiores incómodos porque tive que me explicar de forma absolutamente injusta perante jornalistas que me questionaram sobre isso (…), a proprietária disse que a casa que era dela, mas era dela estando em nome de uma offshore. Foi a primeira vez que ouvi falar em offshores. (…) Acontece que eu fui viver para Paris em 2012 e a minha mãe disse-me: “Olha, eu acho… eu quero sair daqui, quero ir para Cascais”. (…)

Juiz Carlos Alexandre: Vendeu a casa, pronto.

José Sócrates: Vendeu a casa. (….) E, nessa altura, lembro-me de conversar com o Carlos [Santos Silva], várias vezes, e ele tinha já há muito tempo, há muito tempo não… há muito tempo a partir de… tendo em conta o momento presente, me tinha dito que a intenção dele era fazer agora investimentos no imobiliário (…), isto é, queria… recordo-me das conversas em que ele dizia: “Bom, isto há uma ameaça aos sistemas financeiros, não se sabe bem o momento em que pode falir um banco” — a conversa era genericamente essa, não muito diferente das conversas que os cidadãos comuns têm nos cafés sobre a fiabilidade dos bancos (…) Falei à minha mãe nisso: “Olhe, talvez o Carlos Santos Silva queira comprar”. E ela disse “Gostaria de lhe vender a ele” mas, já porque tinha passado por tudo o que passei, e estamos a falar já de quando eu estava em Paris, não é, fiz duas coisas, uma foi dizer-lhe: “Olha, Carlos, muito bem, a minha mãe vende-te a casa, mas isto tem de ser um preço justo”. E ,para evitar chatices no futuro (…), por favor manda fazer uma avaliação. Eu nunca vi essa avaliação, mas o Carlos Santos Silva disse-me: “Mandei fazer uma avaliação e o preço que a tua mãe está a pedir [600 mil euros] é… está de acordo com a avaliação que fiz”.

A venda do andar que Maria Adelaide tinha no Heron Castilho levou, contudo, a uma disputa judicial com a ex-cunhada de José Sócrates, primeira mulher do irmão António Pinto de Sousa. A ex-nora de Maria Adelaide considerou que, em nome da sua filha (neta de Maria Adelaide e sobrinha de José Sócrates), também tinha direito a uma parte dos cerca de 600 mil euros que Santos Silva tinha pago. Além de uma queixa que apresentou no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (que foi noticiada no Correio da Manhã), a matéria obrigou Sócrates a consultar dois advogados: Daniel Proença de Carvalho e Vera Adão e Silva, mãe do comentador e militante socialista Pedro Adão e Silva.

Daniel Proença de Carvalho, ex-advogado de José Sócrates e Ricardo Salgado

José Sócrates: E nessa altura a minha mãe disse: “Mas olha, eu quero que tu fiques já com o dinheiro [600 mil euros], porque não quero que mais ninguém… fique já com o dinheiro isto é, quero dar-te já as coisas que tenho”. (…)

Juiz Carlos Alexandre: Dispor, como se diz na gíria.

José Sócrates: Sim, dispor do seu património para mo entregar ainda em vida. (…) E eu disse-lhe: “Mas ó mãe, eu acho que a mãe não tem esse direito porque é preciso acautelar, em termos de direito sucessório, a quem é que… o que é que a mãe me pode dar e o que é que a mãe não pode (…)”. Bom, e então vai daí, consultei dois advogados, (…) o dr. Proença de Carvalho, mas consultei primeiro um outro advogado, uma outra advogada que tratou do meu divórcio e da Sofia, ela foi advogada de ambos e era especialista de Direito de Família e é mãe de um amigo meu que é a… (Oh Deus!, pá, a partir dos cinquenta anos…)

Advogado João Araújo: Posso dar uma ajuda?

Juiz Carlos Alexandre: Diga, diga… senão não andamos.

José Sócrates: Pedro Adão e Silva.

Juiz Carlos Alexandre: Isso.

José Sócrates: O Pedro Adão e Silva… a mãe do Pedro Adão e Silva (…) tratou do meu divórcio e eu liguei ao Pedro e disse: “Dá-me lá o telefone da tua mãe porque eu gostaria de a consultar para saber o que é que a minha mãe me pode dar” e (…) ela esclareceu-me genericamente: (…) «a sua mãe pode dispor de metade”, se não é de metade é de não sei quanto e quanto ao restante produto ou ao restante do recebimento pela venda da casa ela pode doar-lhe a parte que lhe compete se ela acaso falecesse.

Juiz Carlos Alexandre: Isso

José Sócrates:… é o que está aqui dito, eu estou-me a fiar no que está aqui, porque eu não tenho…

Juiz Carlos Alexandre: Isso é inequívoco, o próprio eng. Santos Silva diz que foi.

José Sócrates:... e que ela me transferiu… perdão?

Juiz Carlos Alexandre: O próprio eng. Silva confirmou isso e há os papéis…

Procurador Rosário Teixeira: Está escrito.

José Sócrates: Não, isso está documentado também. E ela [sua mãe, Maria Adelaide] deu-me, salvo erro, se é o que está aqui dito, 450 mil, que era a parte que ela podia dispor e podia doar-me de acordo com estas consultas que fiz. (…)

As dificuldades financeiras de Sócrates

José Sócrates não só classificou todo o dinheiro que lhe foi transmitido por Santos Silva como “empréstimos”, como assumiu: “Sempre tive dificuldades financeiras”. Mais: “Nunca tive contas a prazo, não tenho dinheiro de fortuna, tenho uma casa e um carro”. Ao mesmo tempo, o ex-primeiro-ministro fazia uma segunda confissão: “Sempre vivi com a generosidade da minha mãe, que lá ia dando umas ‘massas’ quando eu precisava”.

Procurador Rosário Teixeira: Não houve da sua parte nenhuma solicitação à sua mãe que, dado ter algumas despesas em Paris, precisasse deste dinheiro, de que tivesse pedido à sua mãe se lhe podia, digamos assim, isto ser um empréstimo?

José Sócrates: Ó senhor doutor! Correspondeu à vontade da minha mãe e correspondeu também à minha necessidade, porque a mãe sabia bem que eu não sou propriamente uma pessoa que… nem de bens e, pelo contrário, sou uma pessoa que vive com algumas dificuldades financeiras. Aliás, o que, se me permite dizê-lo, uma coisa que me espanta é que as dificuldades financeiras pelas quais eu passo sejam viradas contra mim em vez de me favorecerem. Eu sempre tive dificuldades financeiras, isto é, nunca tive contas a prazo, não tenho dinheiro de fortuna, tenho uma casa e um carro e sempre vivi com a generosidade da minha mãe, que lá ia dando umas “massas” quando eu precisava e nessa altura, bom, também me fazia jeito isso. (…)

Rosário Teixeira: Segunda questão: é que este pagamento do senhor eng. Carlos Santos Silva à sua mãe, de três tranches de 200 mil euros, é feito em datas coincidentes com a aquisição do imóvel de Paris. (…) Ao que acresce que, nesta data de 2012, tinha o senhor Carlos Santos Silva trazido o dinheiro para Portugal através da adesão ao RERT II. E a minha questão era essa: o senhor eng. Carlos Santos Silva falou-lhe pelo menos nalguma disponibilidade de fundos que tinha na altura por via dessa adesão ao RERT e se estes investimentos imobiliários, estes sucessivos pagamentos têm que ver com essa disponibilidade que ele tinha cá então?

José Sócrates: Não. (…) Essa coincidência eu não a sei explicar nem sei… e nem sei sequer quando é que o eng…, tenho ideia de quando é que o Santos Silva comprou o apartamento de Paris, porque acontece que eu fui para lá morar imediatamente a seguir, quase, e ele disse-me que comprou um apartamento e eu estava à procura de apartamento para alugar, e ele disse-me:’Porque é que não ficas lá até as obras estarem prontas? Tenho que fazer obras para o colocar no mercado’. A coisa passou-se mais ou menos assim.

Procurador Rosário Teixeira: Mas ele não… (…) não lhe falou, e a minha pergunta era mais nesse sentido, de que: ‘É pá, eu tenho agora umas disponibilidades, trouxe para cá o dinheiro do RERT’ e tal?

José Sócrates: Não, não, não falou, não, não me falou em nada. O eng. Carlos Santos Silva às vezes para lhe arrancar uma palavra é preciso… não é um falador como eu, como os homens da política que são maçadores até porque falam demais. Ele fala pouco, eu nunca lhe perguntei (…).

José Sócrates não só classificou todo o dinheiro que lhe foi transmitido por Santos Silva como "empréstimos", como assumiu: "sempre tive dificuldades financeiras". Isto é, "nunca tive contas a prazo, não tenho dinheiro de fortuna, tenho uma casa e um carro", ao mesmo tempo que fazia uma segunda confissão: "sempre vivi com a generosidade da minha mãe, que lá ia dando umas 'massas' quando eu precisava”.

A “matéria mais complexa”: entregas em numerário de Carlos Santos Silva, take 1

Os momentos de maior dificuldade deste primeiro interrogatório para José Sócrates passaram-se durante o tema que maior perplexidade causou na opinião pública desde o início da divugação deste caso: o ‘dinheiro vivo’ que Carlos Santos Silva fazia chegar de forma regular a José Sócrates e a utilização de uma linguagem codificada pelo ex-primeiro-ministro para solicitar essas entregas de dinheiro em numerário. A soma total em numerário que o ex-primeiro-ministro terá recebido entre 2010 e 2014 ultrapassou 1 milhão de euros — valor negado por Sócrates, mas sem conseguir explicar porque não fazia transferências bancárias e porque não pedia tais alegados empréstimos, segundo a sua versão, por transferência bancária ou até por cheque bancário. Seja como for, a primeira vez que o procurador Rosário Teixeira tentou abordar o assunto não correu bem.

Procurador Rosário Teixeira: Senhor eng., vamos a outro tema que é o das entregas de numerário através de várias pessoas tal como aqui estão…

José Sócrates: Ó senhor doutor, posso fazer uma sugestão de metodologia? Se não estiver de acordo, fazemos como quiser. Eu preferia, mas enfim, é apenas a minha preferência, abordar algumas outras matérias antes de irmos a esta porque esta é a matéria mais complexa onde eu tenho mais dificuldade, mais dificuldade em… se pudéssemos, se enfim… se não prejudicar o interrogatório.

Juiz Carlos Alexandre: Não, não prejudica nada.

José Sócrates: Enfim, eu gostaria de ver, ver o quê, ver… (…)

Procurador Rosário Teixeira: Então diria que esta dificuldade também se estende ao tema seguinte, que estará ligado, que serão os milhões que passam pela conta do senhor Perna, ou não?

José Sócrates: Pois, pois… mas quanto a isso também… não, mas isso podemos… Eu, a minha sugestão era, se estivessem de acordo, claro, era vermos se podíamos despachá-los rapidamente, era vermos já o ponto 6 “Pagamentos realizados por Carlos Silva a favor de Sandra Santos” e o caso 7 “Pagamento de despesas de viagens” e o caso 8 “Participação de negócio de audiovisuais”.

Juiz Carlos Alexandre: – Nós somos apenas, eu só falo por mim, mas tenho acompanhado aqui o Dr. Teixeira nos últimos dez anos, somos apenas dois simples magistrados de província, preocupados apenas em … em andar com os processos para a frente e fazer o que for possível de justiça, mais que não seja processual.

O juiz Carlos Alexandre liderou o primeiro interrogatório judicial a José Sócrates na Operação Marquês

A 4.ª classe informática de João Araújo

O interrogatório também teve alguns momentos humorísticos. Um deles aconteceu quando João Araújo, o advogado de defesa de José Sócrates que passou a ter notoriedade pública a partir deste primeiro interrogatório judicial, procura um email que enviou para Amadeu Guerra a partir de Paris 24 horas antes de José Sócrates ser detido no Aeroporto da Portela.

A missiva tinha como objetivo informar o diretor do DCIAP de que Sócrates, após ter conhecimento das buscas realizadas à sua casa em Lisboa, estava disponível para colaborar com a Justiça — e sempre foi utilizado pela defesa como uma prova de como nunca houve perigo de fuga ou perturbação de inquérito por parte de Sócrates. Este é um dos poucos momentos em que o ex-primeiro-ministro mostrou o seu temperamento de “animal feroz” (um auto-retrato feito pelo próprio ao Expresso durante uma entrevista).

Juiz Carlos Alexandre: Encontrou o mail? (imperceptível) encontrar aí nesse labirinto?

José Sócrates: Mas não tem aí o seu computador, ó João?

Advogado João Araújo: Eu tenho aqui o meu… mas eu mandei… eu não mandei do computador. Ai, valha-me Deus… Pois claro que mandei do computador, mandei do computador, não foi do iPad?

José Sócrates: Eu, que eu me lembre você tinha um computador.

Oficial de Justiça: Mas se a conta for a mesma dá para aceder pelo iPad.

Advogado João Araújo: Pois, devia dar mas há mistérios… mistérios que me acontecem… que me acontecem

José Sócrates: Mas o seu computador não tem bateria? (…) Pá… isto é inacreditável! Eu em três anos… fiquei mais informatizado do que você, você nem a quarta classe…

Juiz Carlos Alexandre: Vamos para diante…

João Araújo: Eu só tenho a quarta classe disso.

O advogado João Araújo (à esquerda) a acompanhar José Sócrates após o terceiro interrogatório no DCIAP em 2017

A “matéria mais complexa”: entregas em numerário de Carlos Santos Silva, take 2

A segunda tentativa de abordar o dinheiro vivo entregue a Sócrates — depois de terem falado sobre temas como os pagamentos feitos por Carlos Santos Silva a uma amiga de José Sócrates (Sandra Santos) e a alegada participação do ex-primeiro-ministro num negócio de compra de direitos televisivos da Liga Espanhola de futebol através de Rui Pedro Soares e de Carlos Santos Siva — foi mais explicita.

O ex-líder do PS recusou o valor total que o MP imputava às alegadas entregas em numerário (cerca de 1,5 milhões de euros na altura do primeiro interrogatório que foram corrigidos para 1,1 milhões de euros no despacho de acusação) realizadas por Carlos Santos Silva, por Inês do Rosário (mulher de Santos Silva) e pelo motorista João Perna mas confirmou os “empréstimos” realizados pelo seu alegado testa-de-ferro devido a “dificuldades financeiras” que alegadamente começou a sentir a partir de finais de 2012.

Juiz Carlos Alexandre: Entregas… muito bem… elencaram bastante… entregas… bastante bem. Entregas, livros e Perna.

José Sócrates: Portanto… E o ponto 1… ponto 3, 4 e 5, é isso?

Juiz Carlos Alexandre: Sim, sim.

José Sócrates: Bom, eu… (…) quero contestar, em primeiro lugar, que o Carlos Silva me tenha entregue, através de outras pessoas, as quantias que aqui estão, porque são exageradíssimas. Mas devo dizer-lhe que é verdade, que o Carlos Santos Silva de onde em onde me emprestava dinheiro, de onde em onde me emprestava dinheiro, é mesmo assim, porque eu tenho pouco, e sei que ele é um homem de posses e, de vez em quando, pedia-lhe dinheiro, de vez em quando pedia-lhe dinheiro. Portanto, genericamente, é o que tenho a dizer.

Juiz Carlos Alexandre: Dinheiro esse que devolveu, não é?

José Sócrates: Não, não… é que ainda não devolvi nada.

Juiz Carlos Alexandre: Não devolveu nada?

José Sócrates: Não devolvi nada, mas tenho espe… não devolvi nada não, vamos lá ver…

Juiz Carlos Alexandre: Diga, diga.

José Sócrates: Algumas coisas lhe fui devolvendo ao longo da vida, mas eu sei que tenho para com ele uma dívida que procurarei pagar, mas é assim… (…)

Procurador Rosário Teixeira: (…) nas contas que se fazem desses factos que estão aí (…) eu digo que se levantaram um milhão e meio de euros, números redondos, sobre contas do senhor Carlos Silva, compensadas pela tal conta que nós dizemos, em tese, que será do senhor engenheiro [José Sócrates]. Pronto. Teria sido levantado um milhão e meio, e nesse um milhão e meio estão incluídos 400 mil euros que foram levantados de contas do Barclays e… que foram previamente carregadas com contas do BES… e que se descobriu, no decurso já desta investigação, o paradeiro dele está ainda parado em cofres, pronto, e portanto, não incluído nestas quantias que lhe foram levantadas. (…)

José Sócrates: Ó senhor Procurador, o que tenho para lhe dizer é que um milhão e cem mil faz parte de uma…

Juiz Carlos Alexandre: Ficção…

José Sócrates: … quantia… ficção. Posso-lhe afirmar com… com inteira segurança, inteira segurança, completa ficção. Mas não nego, pelo contrário, digo que, ao longo, em particular destes anos em que tenho passado… muitas vezes passo por…

Juiz Carlos Alexandre: Quais é que são estes anos? Quais é que refere?

José Sócrates: Refiro-me aos… aos últimos anos

Juiz Carlos Alexandre: Da saída do Governo para cá?

José Sócrates: Mais propriamente, até lhe digo que é quando… digamos desde de.. desde quando? Princípio de 2013, talvez, no final de 2012, tenho tido dificuldades financeiras porque tenho várias… Foi uma grande ajuda (…).

José Sócrates - Ó senhor Procurador, o que tenho para lhe dizer é que um milhão e cem mil [em numerário] faz parte de uma...
Juiz Carlos Alexandre - Ficção...
José Sócrates - ... quantia... ficção. Posso-lhe afirmar com... com inteira segurança, inteira segurança, completa ficção. (...)

Códigos para entregas de dinheiro

Outra matéria que deixou José Sócrates pouco à vontade foi a imputação de Rosário Teixeira de que usaria uma linguagem codificada para alegadamente solicitar a Carlos Santos Silva a entrega de ‘dinheiro vivo’. O procurador chegou a mesmo a passar diversos trechos de escutas telefónicas que relatam conversas entre Sócrates e Santos Silva para melhor fundamentar o seu ponto de vista.

Procurador Rosário Teixeira: Já agora, só uma questão de, em termos de… quando fazia estas… estes pedidos ao senhor Carlos… ao eng. Carlos Silva, aquilo que se nota, mais uma vez da sua conversa, é que não é propriamente um pedido, é reivindicar aquilo que é seu e muitas vezes… (…) quer dizer mesmo quando uma pessoa normal pede [dinheiro], até a algum familiar mais próximo, pede: ‘Preciso… estou aqui com necessidade… e tal… liberta-me lá mais isto ou liberta-me lá mais aquilo, se puderes, e tal’. O senhor nunca utiliza estas expressões na sua linguagem com o Carlos Santos Silva, fala sempre em ‘preciso’, ‘olha, é o mesmo que da outra vez’, ‘metade que da outra vez’, há uma… há um… um sentido afirmativo no seu pedido que ele [Carlos Santos Silva] nunca nega, não é, mas…

José Sócrates: Ó senhor dr. …

Procurador Rosário Teixeira: E… à medida que o senhor pede, ele satisfaz.

José Sócrates: Ó senhor dr., eu tive conversas pessoais com o eng. Carlos Santos Silva, em que lhe dei conta das minhas dificuldades, que lhas expliquei, em que lhe disse como é que estava a pensar resolver o problema no futuro.

Juiz Carlos Alexandre: Ó senhor eng.…

José Sócrates: … e pedi-lhe… e pedi-lhe ajuda para, de onde em onde….

Juiz Carlos Alexandre: (…) e por isso utilizava códigos de linguagem, porque isso se percebia?

José Sócrates: Códigos? Mas ó senhor… ó senhor Procurador… ó senhor dr. juiz desculpe mas eu não posso aceitar…

Juiz Carlos Alexandre: Não… não são códigos de linguagem?

José Sócrates: Não, são códigos, não, não é isso… eu não queria…

Juiz Carlos Alexandre: Nunca disse em tom claro que queria isto ou que queria aquilo?

José Sócrates: Exacto, exacto, é verdade!

Juiz Carlos Alexandre: É nesse sentido que eu digo que são códigos.

José Sócrates: É verdade, códigos… isso sim, mas eu não me referia a isso.

Juiz Carlos Alexandre: Códigos?! Expressões que..

José Sócrates: A expressão que eu utilizo…

Juiz Carlos Alexandre: … que não querem dizer exatamente o que é.

José Sócrates: A expressão que eu utilizo é ‘preciso’. Se isso é uma imposição? Desculpem, não é. (…) É um pedido de ajuda. E também gostaria que compreendessem o seguinte… Como é que vou explicar isto… mas, enfim, vou explicar da forma mais aberta que sei… Eu sou amigo do eng. Carlos Santos Silva há muitos anos, mas ele tem respeito por mim e admiração por mim. Ele… e… e esse respeito e admiração leva-o sempre a ser… Ele é uma pessoa muito cordial e é muito minha amiga. (…) O Carlos emprestava-me dinheiro para fazer face às minhas necessidades mais prementes, isso é assim, confirmo isso.

José Sócrates (ao centro) diz que Carlos Santos Silva (o primeiro a contar da direita) tinha uma “grande admiração” por si e por isso emprestava-lhe dinheiro

O êxito comercial do livro de José Sócrates e os militantes do PS

Outro momento importante do interrogatório foi a questão das compras em massa do livro de José Sócrates A Confiança no Mundo — Sobre a Tortura em Democracia, compras estas que, segundo o Ministério Público, inflacionaram artificalmente os números das vendas com o objetivo de catapultar a obra baseada na tese de mestrado de Sócrates em Filosofia Política para os tops dos livros mais vendidos. Sócrates nega tudo.

Procurador Rosário Teixeira: Se quiserem, entrávamos agora na questão dos livros.

José Sócrates: Sim, sim.

Procurador Rosário Teixeira: … e das entregas para suportar as despesas dos livros.

José Sócrates: Pois, ó senhor dr., eu tenho a dizer quanto a isto dos livros que é falso. Nunca dei orientações a ninguém para comprar livros, com excepção do João Perna a quem pedi para comprar alguns livros porque precisava de os oferecer a várias pessoas, nomeadamente, muitos militantes do PS. (…) Estou a falar de secções do PS e coisas do género, mas isto não é verdade, não é verdade.

Procurador Rosário Teixeira: Mas não é verdade que tenha…

José Sócrates: Não, não é verdade… nunca pedi a nínguem para ir comprar livros. Nem para como diz aqui a… a como diz aqui a…

Procurador Rosário Teixeira: A imputação, é como se diz.

José Sócrates: … a imputação, a imputação, sim, obrigado… eu ia a dizer acusação…não é…

Procurador Rosário Teixeira: Ainda não é.

José Sócrates: A imputação… Não, não é verdade isso, a imputação… (…) Isto não quer dizer que pessoas não tenham decidido elas próprias irem comprar livros para oferecer a quem achavam que deviam oferecer ou a pedido de seja lá de quem for (…). Agora que eu tivesse dado orientações ao André Figueiredo, ao Renato Sampaio, ao Rui Mão de Ferro… — eu não conheço o Rui Mão de Ferro –, ao Carlos do Carmo Martins, que é meu amigo, para comprar livros, não isso… à Maria Lígia, não nunca dei essas orientações, embora não… não possa…..embora eles possam ter feito isso por sua própria iniciativa, não sei. Mas quando diz aqui que ‘o livro terá registado uma venda próxima dos 20 mil, indiciando-se que metade dessas vendas foi induzida artificialmente’, e qual era o meu objectivo, era mostrar-me como campeão de vendas?

Procurador Rosário Teixeira: Era um bocado isso, mais do que os direitos de autor que mesmo assim com essas vendas não serão grande coisa (…)

José Sócrates: Eu escrevi um livro. Quando saí do Governo, o dr. Paulo Teixeira Pinto, gentilmente, fez-me um telefonema dizendo-me: ‘Olhe, se algum dia você pensar em escrever a minha editora tem o maior gosto’. (…) Mas, desculpe, portanto, qual é o seu ponto… senhor procurador, é que eu… foi… era por vaidade?

Procurador Rosário Teixeira: Era marcar a sua posição como uma pessoa que tinha como procura, pelo menos em termos de saber…..havia um ponto de honra de ser um êxito editorial, a ideia era essa. E acho que há mesmo algumas situações em que há essa preocupação de falar em êxito editorial.

José Sócrates: Foi um êxito editorial, eu tenho orgulho no livro que fiz, não pelas vendas, mas pelo o seu conteúdo. Desculpe a imodéstia, mas também fico satisfeito [pelas vendas]… não há nenhum autor que não fique satisfeito. Desculpará, eu nunca pedi a ninguém para comprar livros para mim. (…) Mas ainda que mal pergunte, senhor procurador, desculpe, qual é o crime disto?

Procurador Rosário Teixeira: É que o dinheiro é dinheiro do senhor Carlos Silva, mobiliza fundos que estão na posse de Carlos Silva para interesse seu, a tese é mais um indício [de que os fundos na posse de Santos Silva pertencem a José Sócrates]. (…)

Juiz Carlos Alexandre: O que é que é isto das equipas mobilizadas, e colocar a equipa a funcionar?

José Sócrates: Sr. dr. eu não tenho memória disto. O que posso dizer é o seguinte: (…) tive imensas solicitações de pessoas que gostavam de ter o livro e admito que eu passei tardes inteiras a assinar livros para várias secções do PS, em todo o país. (…)

Procurador Rosário Teixeira: Relativamente ao sr. André Figueiredo, nunca pediu ao Carlos para entregar dinheiro ao André Figueiredo?

José Sócrates: Não, não, não. Nunca pedi. (…) Olhe, sr. dr., não quero, como digo, quero dizer toda a verdade, não tenho memória disso, mas pedir ao André Figueiredo para ir buscar dinheiro para me entregar?

Procurador Rosário Teixeira: Não, para com esse dinheiro fazer compras de livros?

José Sócrates: Não, não, nunca dei orientações nenhumas ao André Figueiredo para comprar fosse o que fosse, não tenho memória se André Figueiredo algum dia foi ter com o Carlos, para o Carlos lhe entregar dinheiro para me entregar a mim, não tenho essa memória. (…) O André Figueiredo é… foi secretário nacional da organização, conhece as secções do PS todas e tenho solicitações para todas elas, para levar livros autografados.

Juiz Carlos Alexandre: E depois os militantes pagavam-nos ou eram oferecidos?

José Sócrates: Ouça, eu como digo, o André Figueiredo tinha solicitações e recebia o dinheiro dos militantes e comprava-os. As operações que estamos a falar dizem respeito a trabalho manual, isto é, ‘à querida camarada Amelia não sei quantas, com a amizade do José Sócrates’ — passei tardes infinitas a fazer coisas dessas. Claro que fiz isso por vaidade, isso é verdade, agora eu, desculpe, sou muito vaidoso como todos os políticos, todos os políticos, aliás a minha motivação ao longo da minha vida e que me apontam, para a minha actividade política, a vaidade que é uma das características humanas. Agora que eu fizesse uma operação para vender livros artificialmente e que dizem que gastei uma fortuna para receber 8%…..

Juiz Carlos Alexandre: lsso daria quanto?

Procurador Rosário Teixeira: 170 mil euros.

José Sócrates: 170 mil euros para receber 8%? (…) Desculpe, mas acho que é levar isso longe de mais a ideia que por mera vaidade, e para ficar bem visto no conjunto dos outros escritores gastar esse dinheiro. Não, isso nunca existiu, sr. dr.. Desculpe insistir neste ponto, nunca dei orientações a ninguém para comprar livros, a não ser ao João Perna que lhe pedi, salvo erro, duas vezes para ir comprar uma quantidade de livros porque precisava de os assinar. Aliás, devo dizer…

Procurador Rosário Teixeira: O João Perna também não dá livros…

José Sócrates: Nunca dei orientações a ninguém para comprar livros, com excepção do João Perna a quem pedi para comprar alguns livros (...) Isto não quer dizer que pessoas não tenham decidido elas próprias irem comprar livros para oferecer (...). Agora que eu tivesse dado orientações ao André Figueiredo, ao Renato Sampaio, ao Rui Mão de Ferro... - eu não conheço o Rui Mão de Ferro -, ao Carlos do Carmo Martins, que é meu amigo para comprar livros, não, isso... à Maria Lígia, não nunca dei essas orientações,

O interrogatório a José Sócrates terminou às 12h34m do dia 24 de novembro de 2014, tendo o juiz Carlos Alexandre, após promoção do procurador Rosário Teixeira e alegações do advogado João Araújo, ordenado a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro por suspeitas dos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais — medida comunicada ao país às 22h30 através da leitura de um comunicado do Tribunal Central de Instrução Criminal. Após a emissão do mandado de condução à prisão assinado pelo juiz Carlos Alexandre, Sócrates entrou no Estabelecimento Prisional de Évora na madrugada de 25 de novembro. Seria durante 10 meses o recluso número 44.

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