16 de junho de 2017. O relógio estava quase a bater nas seis da tarde. Faltavam cerca de três minutos para o Dornier 228, da companhia Aero Vip, vindo de Portimão, pousar as rodas na pista do Aeródromo de Cascais, em Tires. Com o trem de aterragem em baixo, o comandante Jorge Cernadas já fazia a aproximação final à pista quando avistou algo no ar.
“Julguei que fosse uma ave, mas, como estava numa posição estática, comecei a estranhar e percebi que era um drone. Tinha mais de um metro de envergadura e estava mesmo na minha trajetória de voo. Aumentei a inclinação e passei por baixo dele”, contou ao Observador o comandante, que nunca se tinha deparado com tamanho risco de colisão. Jorge Cernadas podia ter desviado a trajetória, mas, naquela hora, tomou outra opção: “Foi o julgamento que me pareceu mais indicado em vez de manobras mais radicais que poderiam assustar os passageiros”.
Desde o momento em que avistou o drone até o evitar, “não terão passado mais de 15 ou 20 segundos”. Nesse momento, estava a uns 300 metros do chão onde, na vila de Tires, decorria uma feira com muitas pessoas. Os 12 passageiros que iam a bordo nem se deram conta da manobra de emergência e, por isso Jorge Cernadas não lhes passou informação sobre o que se passara. Apressou-se, sim, a comunicar o sucedido à torre, que, por sua vez, comunicou às autoridades e alertou a PSP.
Com 15 anos de experiência de voo, o comandante diz que estes incidentes com drones têm consequências: “Obrigam-nos a manter-nos ainda mais alerta porque é um risco muito grande”. Mais: “Alguém tem de tomar medidas para controlar esta situação dos drones. As aves nas imediações dos aeródromos são controladas. O Aeroporto de Lisboa tem falcoeiros, no Porto Santo há um caçador e a Madeira tem um sistema com bilhas de gás que faz disparos periodicamente para afastar as aves. Para os drones, neste momento, não há nada.”
Mas há regras, lembra o piloto, sublinhando que “existe é falta de divulgação” e que os utilizadores de drones não têm noção das áreas em que é proibido operar. “A zona de aproximação à pista 03 do Aeroporto de Lisboa, por exemplo, começa na Costa da Caparica. Será que as pessoas sabem disso?” É que nem todos os aparelhos que são comercializados têm um sistema de georeferenciação (GPS) que os impede de voar nas áreas proibidas.
Só em junho houve 7 incidentes com drones e aviões
Falta de informação, descuido ou outro motivo. A verdade é que este foi apenas um dos 11 casos já registados desde o início do ano. Só em junho, a soma já vai nos sete.
A situação mais recente é a desta segunda-feira: pelas 15h00, um avião da Ryanair, que saiu do Porto e com capacidade para 162 passageiros, cruzou-se com um drone a cerca de 500 metros de altitude, na zona entre a Praça de Espanha e Sete Rios. Menos de 24 horas antes, um avião da TAP Express, operado pela White Airways, com 74 passageiros, já se tinha cruzado com um drone “a 50 metros da asa direita, a 900 metros de altitude”, quando sobrevoava a zona do Pragal, em Almada, na aproximação ao Aeroporto de Lisboa.
A estes junta-se um outro caso no dia 19. Um Boeing da KLM reportou que um drone “voou ao seu lado” a 1.200 metros de altitude, no estuário do Rio Tejo. E cinco dias antes um Airbus 319, da TAP, proveniente de Milão com cerca de 130 passageiros, cruzou-se com um aparelho a 700 metros de altitude, pelas 21h, na zona de Alcântara, a aproximar-se do aeroporto.
Também no Porto, a 1 de junho, um Boeing 737-800, da companhia TVF, France Soleil, grupo Air France/KLM, com cerca de 160 passageiros, teve de realizar várias manobras para evitar a colisão com um drone a 450 metros, quando se preparava para aterrar. Desde o início do ano houve mais três incidentes registados na zona do Grande Porto.
Se o ritmo não abrandar, o número de incidentes a envolver drones e aeronaves tripuladas voltará a disparar este ano, à semelhança do que aconteceu no ano passado.
De acordo com informação disponibilizada ao Observador pelo presidente do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF), em 2016 foram registados 20 casos (nove na Grande Lisboa, quatro no Grande Porto, quatro nos Açores, dois na Madeira e um em Faro). Em 2015 há registo de cinco casos, todos na área da Grande Lisboa.
Governo pediu para avaliar se regulamento “é suficiente” e regulador já fala em alterações
A cascata de incidentes do último mês tem preocupado as autoridades e o Governo. O ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, disse esta segunda-feira, em Bruxelas, que o Governo aguarda respostas do regulador sobre estes incidentes, admitindo que “isto não pode continuar”.
“O Estado não manda nos reguladores, é preciso termos isso presente, e, portanto, foi pedido ao regulador, ao Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes Aeronáuticos, que fosse feito trabalho para identificar se o recente regulamento produzido pelo regulador sobre esta matéria é suficiente”, indicou Pedro Marques.
Também o presidente da TAP, Fernando Pinto, veio dizer, à TSF, que “se continuarem a penetrar no espaço aéreo, nós mesmos vamos defender que o drone não poderá voar mais. E isso poderá ser um movimento forte no mundo todo. Se acontecer algo mais sério com um avião, com certeza que todos eles deverão ser impedidos de voar”.
À RTP, Fernando Pinto acrescentou que o drone “está a ser mal utilizado, de uma forma perigosa, que nos preocupa”. “Pode danificar um avião, pode destruir um avião, e isso preocupa-nos muito. Aqui fazemos um apelo a quem faz essa operação dos drones que, por favor, mantenham os drones nos limites que são especificados pelas autoridades. Mantendo os limites, não tem risco nenhum.”
Incidentes entre ‘drones’ e aviões leva à realização de estudo de segurança
Em resposta enviada à Lusa esta terça-feira, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) avançou que “poderão ser equacionadas eventuais alterações futuras ao regulamento ou a proposta de ato normativo que desenvolva outras matérias atinentes à utilização de drones, na certeza de que em termos de regras aplicáveis à utilização do espaço aéreo na proximidade dos aeródromos com CTR [controlo de tráfego aéreo], as regras definidas pela ANAC já acautelam, desde que cumpridas, a segurança da navegação aérea”.
Quanto à obrigatoriedade de registo destas aeronaves pilotadas remotamente, a ANAC explica que essa matéria é objeto de um ato legislativo, mas sublinha as limitações da eventual introdução dessa medida.
“Note-se que, do ponto de vista da prevenção de acidentes e incidentes, matéria relacionada com o regulamento em vigor, o registo tem uma utilidade muito limitada, porque não permite a identificação à distância do aparelho e do seu proprietário. Além disso, o registo no ato da compra só funcionaria nalguns casos, pois existem muitos canais de venda, nem todos os drones são adquiridos em lojas, muitos são adquiridos na Internet e alguns deles são mesmo construídos em casa, a título experimental”, adverte o regulador.
Regulador da aviação civil quer alterar regulamento dos drones
A ANAC realça ainda que o registo dos drones e dos operadores é uma matéria “que ainda se encontra a ser discutida a nível europeu, para constar de um eventual regulamento europeu”.
Voar até 120 metros de altura, de dia e longe dos aeroportos e concentrações de pessoas
Em resumo, o regulamento publicado em dezembro de 2016 — que visa garantir a segurança na utilização do espaço aéreo — estabelece que os utilizadores de drones devem efetuar voos diurnos, até uma altura de 120 metros (400 pés), e sempre com luzes ligadas, sendo que não podem sobrevoar concentrações de pessoas ao ar livre ou áreas sujeitas a restrições ou na proximidade de aeródromos e heliportos sem autorização prévia da ANAC.
É também proibido sobrevoar edifícios onde se encontrem “órgãos de soberania, embaixadas e representações consulares, instalações militares, instalações das forças e serviços de segurança, locais onde decorram missões policiais ou de proteção civil, estabelecimentos prisionais e centros educativos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais”, lê-se no site do Voa na Boa.
Em Lisboa, por exemplo, existem zonas onde o voo é proibido por razões de segurança interna ou nacional e proteção de património histórico e de instalações dos órgãos de soberania como a Assembleia da República ou o Terreiro do Paço.
Para saber se existe alguma reserva de espaço aéreo em locais ou áreas que não estão normalmente sujeitos a restrições, os utilizadores de drones podem consultar o site da NAV Portugal, E.P.E. e ainda a Base de Dados de Informação Aeronáutica Europeia (EAD). Qualquer dúvida pode ainda ser esclarecida através do endereço de email drones@anac.pt.
Em qualquer situação em que se pretenda efetuar voos noturnos, acima dos 120 metros, ou em que o drone fique fora da vista, é necessário pedir autorização à ANAC, o que deve ser feito com uma antecedência de 12 dias.
Outra das regras é que sempre que um utilizador de um drone aviste uma aeronave tripulada, deverá colocar o drone no chão.
Não é necessária qualquer licença individual para operar drones, com um peso máximo de 25 quilos, e a legislação também não obriga a ter seguro, mas “a ANAC recomenda que sejam contratados seguros de responsabilidade civil que possam acautelar os eventuais danos que possam advir da utilização das aeronaves pilotadas remotamente”, lê-se no site do Voa na Boa.
A violação das regras do regulamento constitui contraordenação aeronáutica civil grave ou muito grave. As contraordenações aeronáuticas civis muito graves são puníveis com coimas que podem chegar aos 4.000 euros se o infrator for singular e houver dolo, ou ficar nos 2.500 euros se houver negligência. No caso do infrator ser uma empresa, a coima pode mais grave chega aos 250 mil euros.