“A presunção é a mãe de todos os erros.” Filipe Quendera, 25 anos, não esquece o momento em que viu a frase do filme “Under Siege 2: Dark Territory” num dos placards que estavam expostos na Novabase Academy. Decorou-a. “A verdade é que muitas vezes tomamos as coisas por adquiridas e não aceitamos que possam ser de outra forma”, remata. Mestre em engenharia eletrotécnica e de computadores, entrou para a academia da tecnológica portuguesa em agosto de 2015. Quase por acaso. “Conheci a Novabase Academy através do concurso de ideias anual da empresa, o Novabase Gameshifters, no qual participei e ganhei. Foi lá que acabei por conhecer melhor a empresa, os negócios, e pareceu-me que era um desafio interessante para quando terminasse o curso”, conta.
Filipe Quendera está colocado num projeto na Eletricidade dos Açores. Conta que ter participado nos 15 dias de imersão da Novabase Academy o obrigou a lidar com pessoas com personalidades distintas, que têm de resolver um problema comum – o que não acontecia na faculdade. “Quando se trata de entrar no mercado de trabalho e de trabalharmos com grupos com um número maior de pessoas, temos que conseguir gerir temperamentos. E a academia serviu-me muito para isso – para lidar com pressão, prazos e assumir responsabilidades”, diz.
Manuel Beja, diretor de Pessoas e Organização da Novabase, explica que é esse um dos objetivos: fazer a ponte entre o mundo académico e o empresarial. Proporcionar aos futuros colaboradores da empresa as bases necessárias para a integração no mundo de trabalho. Criada em 2006, a iniciativa, que começa num contacto com várias universidades do país, já ajudou a integrar mais de mil jovens. “Acreditamos que estamos a proporcionar-lhes uma experiência pessoal muito enriquecedora, já que desenvolvemos soft skills (como trabalho em equipa, espírito de partilha e colaboração), imprescindíveis na resposta aos desafios reais do mercado de trabalho”, explica Manuel Beja.
Durante o ano, existem entre três a cinco turmas de cerca de 40 alunos que participam na academia. São 15 dias de total imersão, em Santarém. Vinte e quatro sobre 24 horas para aprender e integrar a equipa. “A nossa perspetiva é que, desejavelmente, todas as pessoas fiquem cá o máximo de anos possível. Por isso, fazemos, desde o início, contratos sem termo e escolhemos as pessoas consoante as nossas necessidades. Já entraram cerca de 1.200 e saíram menos de metade. Mais de metade mantém-se na Novabase”, explicou Manuel Beja ao Observador.
A entrada para a academia implica um compromisso de fidelização à empresa de um ano. Ou seja, se o colaborador quiser sair antes de o prazo terminar, tem de devolver à empresa os gastos que esta teve com a sua formação. “A Academia tem sido essencial para suportar o nosso crescimento internacional. Tem permitido manter a Novabase uma empresa muito jovem, na qual hoje mais de metade da equipa é da geração Y, isto é, nascida depois de 1980”, adianta Manuel Beja.
E que equipa é esta? É uma equipa de jovens licenciados ou mestres, acabados de sair da universidade, de várias áreas, mas maioritariamente de engenharias, tecnologias de informação, matemática e gestão. “Há cerca de quatro anos encontrámos um filão, que é a engenharia biomédica. São pessoas que não têm uma grande formação em tecnologias de informação, mas têm competências base para conseguir aprender depressa. E têm menos mercado de trabalho”, adianta Manuel Beja. Competências que valorizam? As técnicas, mas também a capacidade de trabalho com foco nas responsabilidades, a execução, o espírito crítico, a capacidade colaborativa, de reação ao desafio ou aspetos da sua experiência pessoal.
Sara Pereiros tem 26 anos e entrou para a Novabase Academy em setembro de 2012. Ao Observador, conta que ter participado na formação a ajudou a perceber os obstáculos e imprevistos que teria de ultrapassar no futuro, os conflitos internos que teria de resolver, os clientes difíceis com quem teria de lidar. “Mostra-nos o que nos espera no futuro. Com um plano muito detalhado e muito bem pensado. Estava tudo previsto”, diz.
Atualmente, Sara desempenha funções de Analista Funcional de CRM na Celfocus, empresa da Novabase especializada em telecomunicações. Explica que, na academia, aprendeu a saber gerir conflitos. “Na faculdade, estamos habituados a trabalhar sozinhos ou com quem nos damos melhor, geralmente em grupos formados por nós. Na Academia, temos de lidar, durante 15 dias, com pessoas desconhecidas. E são criados cenários propositados de geração de conflito, de confronto. Tens objetivos a cumprir diariamente que só consegues se todo o grupo estiver a remar para o mesmo lado. Isto só se consegue aprendendo a gerir as relações pessoais: as tuas e as dos outros”, adianta.
Manuel Beja explica que, durante o processo de recrutamento, a Novabase procura cruzar diferentes competências e complementar técnicas com outros talentos. E afirma que é preciso complementar a formação académica com uma dimensão mais comportamental, que prepare os jovens para “enfrentar o mundo do trabalho”. Sobre os jovens que estão a ser recrutados – a geração Y – diz que “está a moldar os ambientes de trabalho” e que isso se tem refletido na cultura da Novabase que conta, por exemplo, com bicicletas e um balneário. A média de idades na organização ronda 31 a 32 anos.
A formação dos quadros da Novabase não se esgota nos 15 dias da Academia inicial. Nos dois anos seguintes, os colaboradores voltam, durante dois dias, àquilo que é considerado “a academia revisitada”, além da formação contínua que vão tendo na secção onde são integrados. Além deste, a empresa tem outros dois programas: o Leadership Gym e o Talent Gym, dirigidos às chefias. “O objetivo é o de fomentar uma cultura de feedback contínuo e de desenvolvimento de talentos em cada equipa, e por consequência, em toda a empresa”, explicou Manuel Beja.
Na EDP, a Universidade tem sete escolas
Integrar, desenvolver competências nas várias áreas de negócio ou específicas para as funções de liderança. “Antes, aprendíamos estas coisas on the job [durante o trabalho], com o nosso chefe e a ver os outros a trabalhar. Nos tempos mais modernos, temos que estruturar essa passagem de conhecimento, que é específico de determinada empresa, através de centros de formação internos”, explica ao Observador António Pita de Abreu, diretor da Universidade EDP. Na empresa liderada por António Mexia, há sete escolas a compor esta universidade corporativa. Visam todas integrar e formar os colaboradores.
“As universidades corporativas têm essencialmente duas funções: garantir a persistência do conhecimento específico da empresa e ser um formatador ou modelador daquilo que é a cultura da empresa. Porque é preciso passar esta cultura. E isso vai-se tornando cada vez mais importante à medida que a empresa vai crescendo. É preciso partilhar valores comuns, tradições. É esse o papel da universidade: fazer a educação da pessoa EDP”, adianta António Pita de Abreu. E esta educação é transversal a todos os mercados onde a elétrica opera, com especial destaque para Portugal, Espanha, Estados Unidos e Brasil.
O objetivo da Universidade EDP é o de gerir as necessidades de formação de todos os colaboradores, de um ponto de vista técnico ou de soft skills. Organizada em sete escolas, há duas que são transversais a todas as áreas de negócio da elétrica: a Escola EDP e outra específica para funções de liderança. A escola destina-se a todos os novos colaboradores e serve para ganharem competências em quatro domínios: organizacional, comportamental, técnico e corporativo, durante dois anos. Se na primeira aprendem a estrutura da organização, na segunda descobrem quais as atitudes e comportamentos que mais se encaixam na cultura da empresa. Na terceira, o enfoque recai sobre a componente técnica do trabalho e na quarta sobre aspetos como sustentabilidade e legislação, entre outros.
No centro de formação para dirigentes, a EDP forma internamente as chefias para questões relacionadas especificamente com o mercado de energia. Mas recorre a escolas de gestão para formar em matérias de liderança ou comunicação. Como? Suportando os custos de um MBA (Master of Business Administration). A empresa paga uma fatia dos encargos do MBA que o colaborador queira tirar, mas este compromete-se a ficar na empresa durante um período superior a três anos. Se quiser sair entretanto, tem de devolver esses custos à empresa. “Isto é válido para todas as pessoas que tenham funções de gestão em qualquer unidade do grupo”, explica.
Nas outras escolas da EDP, os colaboradores aprendem competências técnicas especificas sobre produção de eletricidade, redes de distribuição, negócio do gás, energias renováveis ou sobre a vertente comercial dos negócios. Nestes casos, os colaboradores são encaminhados para as formações consoante as necessidades da empresa ou a avaliação de desempenho feita pelas chefias. “As escolas técnicas acompanham a pessoa ao longo da sua vida profissional, tentando responder às necessidades de progressão que as pessoas têm”, explica Pita de Abreu. As necessidades do colaborador são passadas pela chefia à Universidade EDP, que depois organiza um plano de formação personalizado.
Pita de Abreu explica que o papel do ensino profissional ou superior é dotar os alunos daquelas que são as competências “não core” das empresas. E que o conhecimento core (principal) é obtido no local de trabalho. “No que diz respeito à produção e distribuição de eletricidade, a universidade vai até um certo nível de conhecimento, mas não a um nível altamente especializado. Porque uma universidade quando está a formar 50 alunos em engenharia eletrotécnica, por exemplo, não está a formá-los para trabalhar só na EDP. Dá-lhes um conhecimento geral que sirva para qualquer área”, acrescenta.
Há três anos, a elétrica decidiu implementar uma nova formação para quadros: para o final da vida ativa de cada colaborador. Nos dois anos pré-reforma, os trabalhadores passam a integrar equipas de formação que visam prepará-los para a nova fase que está prestes a iniciar-se. “O objetivo é o de que eles se habituem à etapa nova que os espera e que ajam internamente de forma a transmitirem os seus conhecimentos da melhor forma possível”, explica Pita de Abreu.
Sonae Retail School. Criatividade e ousadia procuram-se
Apostar em objetivos exigentes, na responsabilidade de formar e desenvolver os outros e criar um conjunto de programas e iniciativas que visem complementar o projeto de desenvolvimento dos líderes e equipa. Na Sonae, são estes os parâmetros que contam a história da formação de recursos humanos. “Hoje, a Sonae orgulha-se de ter construído as condições que permitem potenciar, de acordo com as necessidades dos diferentes segmentos de colaboradores, o desenvolvimento das suas pessoas, reforçando a capacidade de atração, ligação, desenvolvimento e retenção do nosso capital humano”, explica ao Observador José Côrte-Real, administrador da Sonae.
Na Sonae Retail School, os objetivos passam por criar contextos que potenciem a aprendizagem e desenvolvimento dos colaboradores, que lhes permita “ir mais longe” e desenvolver competências que a empresa considera críticas aos vários negócios, geografias e competências das áreas de negócio da Sonae.
O grupo liderado por Paulo de Azevedo quer que os colaboradores estejam preparados para enfrentar os desafios que a empresa tem de enfrentar. E aqueles que prevê enfrentar no futuro.
As soluções de formação são construídas tendo em conta o universo específico em que os colaboradores trabalham e contemplando várias vertentes: a de carreira (que visa assegurar a formação necessária para que os colaboradores possam progredir sustentadamente dentro do grupo); a de profundidade (que permite identificar os assuntos que devem ser alvo de estudo dos colaboradores); e a exterior (que permite partilhar a experiência construída internamente com fornecedores e comunidade).
Em abril de 2015, a Sonae celebrou um protocolo de cooperação com o Ministério da Educação e Ciência para o desenvolvimento de cursos vocacionais no ensino secundário. A iniciativa visa dotar jovens profissionais com técnicas adequadas ao mercado de trabalho, reforçando simultaneamente as equipas da Sonae. “O protocolo celebrado com o Ministério da Educação e Ciência para o desenvolvimento de cursos vocacionais para alunos do ensino secundário é um excelente exemplo da abertura da escola à comunidade”, afirmou o administrador da Sonae.
Além da Sonae Retail School, o grupo que é dono de marcas como Continente, Worten e Zippy tem também uma escola específica para líderes: a Sonae Management & Leadership Academy, cuja missão é potenciar e gerar líderes inovadores, empreendedores, capazes de desenvolver e diversificar negócios, mantendo-os em posições de liderança nos seus segmentos de atividade. Para levar a cabo estes programas, a Sonae estabeleceu parcerias com escolas nacionais e internacionais de gestão. “Internamente, fomos buscar os nossos melhores ‘professores’, líderes com inegáveis competências nas áreas de liderança e coaching“, diz José Côrte-Real.
Para os executivos, há programas sustentados em metodologias alternativas, com recurso a mentores, coach, experiências no mercado de trabalho, entre outras. “Desenhamos programas customizados, desafiantes e inovadores, tendo em conta as necessidades de atualização identificadas por e para cada executivo. E assumimos como ponto de partida e de chegada os vários modelos e políticas que a empresa utiliza na gestão de talento”, explica.
As várias escolas de formação de recursos humanos da Sonae contaram, em 2014, com mais de 40 mil participações, que efetuaram cerca de 1,3 milhões de horas de formação e totalizaram um investimento de aproximadamente seis milhões de euros. Tiveram por objetivo ajudar os colaboradores a desenvolver competências consideradas críticas ao nível técnico, pessoal e de liderança.
“A Sonae vive da heterogeneidade e diversidade de perfis”, diz Côrte-Real, acrescentando que procuram dar formações variadas e valorizar percursos profissionais abrangentes. “Privilegiamos os alunos que, a par do melhor percurso académico, valorizaram experiências enriquecedoras e potenciadoras de desenvolvimento, também pessoal. Procuramos pessoas criativas, ousadas e que valorizem a integração numa equipa”, afirma.
O objetivo passa por fazer com que os colaboradores aprendam os valores da empresa, bem como os comportamentos que devem adotar, como trabalhar ou relacionar-se uns com os outros. “Valorizamos cada vez mais as designadas soft skills e procuramos um perfil ambicioso, criativo, empreendedor, intelectualmente curioso, flexível e com foco na excelência”, diz. Outras competências valorizadas: capacidade de liderança, espírito de equipa, mentes abertas e espíritos visionários, “que saibam pensar ‘fora da caixa'”.
As características promovidas pela empresa devem preparar os colaboradores para a diversidade e heterogeneidade dos desafios que o grupo vive. E é por isso que a Sonae aposta em reforçar competências como a criatividade, empreendedorismo, curiosidade intelectual, orientação para resultados e excelência, entre outros. Porque a formação não se esgota na técnica. Nem nas escolas.