Portugal vai ter de apresentar à Comissão Europeia garantias de que consegue atingir a meta do défice deste ano mesmo em caso de desvio na parte final do ano — será necessário criar mecanismos de correção que garantam esse objetivo, independentemente do que acontecer. Só assim a Comissão avançará com a proposta de sanção zero, apurou o Observador. Já o levantamento da suspensão — que é automática — de parte dos fundos estruturais dependerá da avaliação da Comissão à proposta de Orçamento do Estado para 2017.
As duas principais sanções a Portugal — a multa até 0,2% do PIB e a suspensão dos fundos comunitários — podem cair, mas apenas se Portugal ceder a exigências da Europa. Em relação aos fundos — numa altura em que o Governo ainda não tem uma proposta da Comissão –, o valor da suspensão vai depender da argumentação do Governo e da avaliação que a Comissão faz dela. Mais: como, na prática, são congelados apenas os fundos estruturais do ano seguinte, a decisão pode ser revogada ainda antes de haver danos para Portugal. Para que tal aconteça, o orçamento para 2017 vai ser fundamental.
Foi um Eurogrupo com pouca história, ao contrário do que se antevia. A discussão não foi longa e o resultado já estava mais ou menos garantido ainda antes de o jogo começar: os ministros aprovaram, como se esperava, a recomendação da Comissão Europeia segundo a qual Portugal e Espanha não tomaram medidas eficazes para cumprir os seus compromissos — e, por isso, abriram o processo que leva a sanções.
Se é verdade que o resultado era esperado, também o é que havia alguma discordância sobre o caminho a seguir, tornada pública por alguns intervenientes. A Alemanha defendia a aplicação estrita das regras; a França e a Itália argumentavam que não fazia sentido aplicar sanções.
Mas quando, na segunda-feira, os ministros se reuniram para discutir o tema, a história foi um pouco diferente. De acordo com três responsáveis com conhecimento do teor da reunião, França e Itália até defenderam que as sanções deviam ser simbólicas e que se devia sublinhar publicamente que estão em causa problemas do passado e que o país está agora no caminho certo — mas aceitaram que o processo fosse aberto. O ministro francês até tinha começado o dia com uma defesa pública, inesperada, de que Portugal não deveria ser alvo de sanções.
Michel Sapin parecia disposto a perdoar até a derrota sofrida pela sua seleção na final do Euro2016 com Portugal, dando um efusivo abraço a Mário Centeno, que surgiu no Eurogrupo de cachecol ao pescoço, a celebrar a vitória da seleção. No entanto, não concretizou essa defesa no Eurogrupo, tal como o ministro italiano Pier Carlo Padoan, depois da defesa pública do seu chefe de Governo, Matteo Renzi.
Só um país defendeu Portugal: a Grécia
O ministro das Finanças grego, Euclid Tsakalotos, foi o único dos ministros – com exceção dos visados, que apresentaram os seus argumentos – que se mostrou contra a aplicação de sanções e a declaração de que não foram tomadas medidas eficazes para reduzir o défice orçamental, que abre o processo que levará a uma proposta de sanções.
Euclid Tsakalotos de um lado e, como já é hábito, Wolfgang Schäuble do outro. O alemão tem sido muito crítico publicamente sobre os países que não cumprem as regras e tem pedido sanções. Na reunião do Eurogrupo não foi diferente.
O alemão, apoiado pela Holanda, Áustria, Finlândia, Eslováquia e os países bálticos, defendeu que as regras deviam ser aplicadas, num debate sobre se fazia sentido agravar o procedimento por défices excessivos contra os dois países sem prever já sanções.
“Naturalmente, tivemos um debate entre os ministros sobre se é inteligente tomar esta decisão no contexto do referendo britânico, mas eu e outros dissemos que era muito importante que as regras europeias sejam aplicadas”, afirmou o ministro alemão após a reunião.
Ao seu lado, Wolfgang Schäuble teve, mais uma vez, o ministro das Finanças da Áustria, um dos países mais duros e que mais defenderam a aplicação estrita das regras. Hans-Jörg Schelling já tinha, juntamente com o seu representante no Eurogroup Working Group, sido um dos que mais acerrimamente defendiam em fevereiro que Portugal tinha de elaborar um plano B e aplicar essas medidas, para evitar surpresas desagradáveis no final do ano. O governo austríaco quer que Portugal seja diferenciado dos restantes países, porque saiu há poucos anos de um resgate, e em caso de turbulência quer evitar que o seu país seja mais afetado.
O ministro das Finanças espanhol, Luis de Guindos, pouco mais fez do que defender a sua posição, argumentando que não faz sentido prejudicar o país com melhor desempenho económico, defendendo a posição de Portugal apenas nas partes em que Espanha era afetada da mesma forma.
Mário Centeno defendeu perante os ministros que a sanção era injusta e contraproducente, como viria a explicar mais tarde publicamente, mas também os argumentos recentes dos responsáveis europeus contra os próprios. Lembrando por um lado as circunstâncias duras em que o défice foi reduzido no período entre 2013 e 2015, o ministro das Finanças português não relembrou também os presentes que durante metade desse período Portugal esteve sujeito a um programa de ajustamento com avaliações positivas, aprovadas pelas instituições e com elogios dos presentes.
O governante disse também que houve até uma redução do número de funcionários públicos maior que a prevista no programa, e que, se o processo avançasse, iria parecer que o país estava a ser castigado por cumprir o programa de resgate, quando o défice sem medidas extraordinárias (alegadamente ainda por fechar) não ficou sequer 0,1 pontos percentuais acima dos 3% de limite. Avançar com o processo, advertiu, iria provocar danos reputacionais que iria ter impacto nas contas públicas.
O comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, não aceita o argumento do valor do défice, e na reunião voltou a dizer que ambos os países ficaram muito aquém do ajustamento exigido. No caso de Portugal, nem descontando efeitos extraordinários – como o Banif –, o défice teria ficado abaixo de 3%. Apesar de reconhecer o esforço, o comissário defendeu que o processo deveria avançar e que, depois de propostas as sanções pela Comissão, seria também proposta uma nova meta do défice para este ano — ou seja, dando efetivamente mais um ano a Portugal para reduzir o défice para menos de 3%, mas também exigindo um novo caminho.
O jogo do empurra
Os ministros das Finanças acordaram que não iriam ter qualquer discussão sobre as sanções e que votariam apenas e só a recomendação da Comissão Europeia de agravar o procedimento por défice excessivo aos dois países. A conclusão de que os dois países não tomaram medidas eficazes para reduzir o défice para menos de 3% e cumprir com as recomendações do Conselho (no caso de Portugal, reduzir o défice para 2,5%, com um ajustamento estrutural de 0,6% do PIB potencial este ano).
Depois de Wolfgang Schäuble dizer antes da reunião que o Eurogrupo tem um acordo de princípio para aprovar as recomendações da Comissão Europeia sobre o procedimento por défices excessivos, a verdade é que os ministros não quiseram sequer discutir o tema das sanções e o alemão indicou até que o mesmo pode vir a acontecer quando a proposta de sanções chegar.
A bola foi passada para a Comissão Europeia, que tinha passado essa mesma responsabilidade para os ministros da zona euro quando decidiu que o processo devia avançar, mas sem qualquer proposta de sanções.
O procedimento foi feito sem recurso a qualquer votação, como é prática no grupo de ministros da zona euro. A posição manifestada pelo Eurogrupo foi de agravar o procedimento sem nenhum ministro querer apresentar um voto contra, posição essa que, lembrou o holandês que preside ao Eurogrupo, vinculou os ministros para a reunião do Ecofin do dia seguinte, onde não houve discussão, sendo apenas transmitida a posição já acordada no dia anterior. Portugal e Espanha não podiam votar nos seus próprios casos.
Sanções? Nim
Em Bruxelas, há pouco apetite para aplicar sanções. Os países da linha mais dura do Eurogrupo – Alemanha, Áustria, Holanda e Finlândia – estão abertos a que a sanção seja zero, já que com isso conseguem os seus principais objetivos: castigar os dois países e mostrar que são diferentes dos que não receberam resgates; e exigir que seja feito mais para corrigir o défice ainda este ano e no próximo.
A multa deverá ser assim zero, algo que Espanha está convencida há muito que será o caminho a seguir. No entanto, para isso será necessário que Portugal apresente garantias de que consegue cumprir a meta deste ano caso aconteça um desvio, tendo à disposição mecanismos de segurança que possam apertar o cinto o suficiente e criar uma folga para acomodar eventuais desvios na segunda metade do ano.
Essa será parte da negociação com a Comissão Europeia. No que diz respeitos aos fundos estruturais, a suspensão parcial – cuja dimensão tem ainda de ser definida consoante os argumentos do Governo português – é automática, mas só diz respeito ao ano que vem. Mas essa suspensão pode vir a ser levantada ainda antes de o ano começar. Tudo depende do que o Governo colocar na proposta de Orçamento do Estado para 2016 e de esta satisfazer a Comissão Europeia, que avaliará o documento antes de este ser aprovado no Parlamento. Caso as exigências da Comissão sejam satisfeitas, apurou o Observador, a suspensão será levantada ainda este ano, e não terá assim qualquer efeito.
Foi isso mesmo que o vice-presidente da Comissão Europeia para o euro, Valdis Dombrovskis, quis dizer na conferência de imprensa após a reunião do Conselho da União Europeia na terça-feira, quando afirmou que a suspensão podia ser levantada: “Há tempo para os países reagirem e evitarem perder acesso aos fundos”.
A suspensão a impor tem de ser a menor destes dois limites: a suspensão de, no máximo, 50% dos fundos estruturais e de investimento para o ano financeiro seguinte; ou um máximo de 0,5% do PIB nominal. O nível do congelamento pode ainda ser mitigado tendo em conta alguns fatores económicos relevantes: a taxa de desemprego do país; a fatia da população em risco de pobreza e exclusão social; e anos consecutivos de contração económica.
O passo fundamental para agradar à linha dura do Eurogrupo será a apresentação de garantias de que a consolidação vai ser acelerada na terceira fase deste processo. Passada a abertura do processo e a proposta de sanções, a Comissão vai propor dar mais tempo para que corrijam o défice: um ano para cada.
No caso de Portugal, passa a ser este ano que tem de reduzir o défice excessivo. Mas não é apenas para menos de 3% que o défice tem de cair. A Comissão vai propor uma nova meta para este ano para o défice nominal e para o défice estrutural.
E é nessa trajetória, de acordo com um responsável europeu, que países como a Alemanha e a Holanda podem exigir mais garantias a Portugal ainda este ano, como indicava o presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças holandês, à entrada da reunião de terça-feira: “Tenho de esperar pela Comissão. Depende muito do que os governos de Espanha e Portugal vão dizer à Comissão. Como sabem, [os dois países] têm a oportunidade de reagir à ameaça de sanções e esperemos que essa seja uma reação pela ofensiva, falando sobre o que vai ser feito para resolver os problemas, em vez de uma reação defensiva”.
O processo irá agora seguir os prazos já conhecidos. A contar de terça-feira, Portugal tem dez dias para apresentar a sua argumentação contra as sanções. A Comissão tem 20 dias para apresentar a proposta de sanções aos dois países. De seguida, o Conselho tem de se pronunciar em 10 dias ou a multa (de zero a 0,2% do PIB) é aplicada automaticamente. Em um mês no caso dos fundos estruturais.
A Comissão fecha em agosto para férias e o próximo Ecofin onde podem ser tomadas decisões é em outubro, mas os ministros podem, de acordo com as regras, reunir-se de forma extraordinária. No entanto, segundo fonte europeia, tal não deve acontecer já que o caso não é considerado excecionalmente importante e, por isso, pode ser aprovado por procedimento escrito ou por teleconferência, o que não implica uma logística tão grande.
Do lado europeu, o objetivo máximo está acordado: o défice excessivo de Portugal é para acabar este ano, custe o que custar.