De um dia para o outro, um português ficou 190 milhões de euros mais rico. Embora as probabilidades estivessem contra ele, o apostador ficou com o dinheiro suficiente para lançar uma oferta pública de aquisição sobre a Media Capital, a dona da TVI e da Rádio Comercial, ou sobre a Ibersol, que gere mais de 300 restaurantes Pizza Hut, Pans & Company e Burger King, entre outras marcas.
Havia muitas coisas para resolver. Como guardar o talão que, para todos os efeitos, valia 190 milhões de euros? O prémio devia ser reclamado no local onde fora registado o boletim com as apostas no Euromilhões? Contar aos familiares e amigos seria boa ideia? E ir ao banco? Em caso afirmativo, ao de sempre ou a uma instituição financeira especializada em grandes fortunas? Não iriam estas cobrar uma fatia grande do dinheiro, como sucede com o fisco?
Não se sabe a identidade do vencedor do maior prémio de sempre do Euromilhões (ex-aequo com a sorte de um casal britânico), nem quais foram as decisões iniciais que tomou, mas há um facto seguro: quando contactou o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa rejeitou o aconselhamento financeiro, jurídico e psicológico que lhe ofereceram.
Preparados para ajudar
Seis meses depois de o Euromilhões ter sido lançado em Portugal, o Departamento de Jogos Santa Casa criou uma unidade para ajudar quem recebe prémios de elevado montante. A partir de março de 2005, o Grupo de Apoio ao Alto Premiado (GAAP) começou a perguntar a quem ganha mais de um milhão de euros se desejava ajuda, qualquer tipo de auxílio. O grupo é constituído por funcionários das mais diversas áreas do Departamento de Jogos, desde a administração até à equipa jurídica e financeira. O GAAP nasceu da consciência “que os elevados montantes de prémios podem causar riscos inerentes à gestão de capitais elevados e até pressões psicológicas nos premiados“, explicou fonte oficial dos Jogos Santa Casa.
Apesar de, desde 2005, 236 portugueses terem ganho mais de um milhão de euros nos Jogos Santa Casa, “nenhum alto premiado solicitou apoio do GAAP”.
Os novos “excêntricos” passam obrigatoriamente pelo grupo de apoio. “No GAAP, existe uma pessoa destacada 24 horas por dia para a resolução de todas as situações relacionadas com o prémio, e que assegura o acompanhamento do alto premiado desde a sua identificação presencial no Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na sede em Lisboa ou na delegação do Porto, até à transferência do prémio para a conta bancária do apostador”, revela a instituição. Todos os apostadores com prémios iguais ou superiores a cinco mil euros têm de se identificar.
Se o novo milionário precisar, por exemplo, de um cofre para guardar o recibo premiado durante o fim de semana, o GAAP tem os contactos de instituições financeiras que abrem as portas a seu pedido. Todo o apoio que pode ser disponibilizado pelo GAAP é gratuito e personalizado e só depende da vontade do premiado. Se, nesta sexta-feira, ganhar o jackpot do Euromilhões (63 milhões de euros) ou se, no sábado, receber o primeiro prémio do Totoloto (3,3 milhões de euros), a primeira coisa a fazer é contactar os Jogos Santa Casa através Linha Direta Jogos, 808 203 377.
Personalizado ao extremo
Em Portugal, os novos milionários vão ter com o Departamento de Jogos da Santa Casa. No Reino Unido, a Camelot, a empresa que gere a versão britânica do Euromilhões, desloca-se até aos novos excêntricos. Em 2010, o Daily Mail revelou como trabalham os dez “conselheiros de vencedores”. O jornal descreveu as aventuras de Dot Renshaw, a funcionária da Camelot que entregou “pessoalmente” o equivalente a cerca de 400 milhões de euros durante 16 anos.
O apoio de Dot Renshaw é tão personalizado que, algumas vezes, desenvolve uma relação de amizade com os premiados. “Dot é inundada com postais de localizações exóticas, avisada sempre que uma das suas vencedoras tem um bebé e foi convidada por um jovem vencedor de jackpot para o seu casamento no próximo ano”, relatou o Daily Mail.
Em França, o país mais bafejado por jackpots do Euromilhões, a relação também é muito próxima. O programa oferecido estende-se desde a formação em gestão de patrimónios, ao debate sobre as relações humanas e ao ensino sobre os costumes de viver em palácios, revela o Le Figaro. O efeito é duradouro: 60% dos altos premiados mantêm o relacionamento com o departamento da Française des Jeux, a empresa pública francesa que explora os jogos.
Receber um prémio de muitos milhões pode ser um choque. Nos Estados Unidos da América, que detém o recorde de maior prémio de sempre, o equivalente a 493 milhões de euros em março de 2012, propõe-se, à partida, dividir o bolo por 30 pagamentos anuais. Contudo, os vencedores do Mega Millions e do Powerball normalmente optam por receber tudo junto, mesmo sendo um valor inferior. Por exemplo, em alternativa ao prémio de 493 milhões de euros atribuído em março de 2012, distribuído por 30 anuidades, os três vencedores do jackpot poderiam receber imediatamente cerca de 356 milhões de euros.
Domingos Oliveira, um dos dois primeiros totalistas do Euromilhões em Portugal, desabafou ao jornal i que “nunca conheceu outro euromilionário, mas era algo de que gostava até para debaterem ideias, quem sabe de negócios”. O vimaranense ofereceu-se para organizar o convívio. Em França, ao contrário de Portugal, onde os milionários não querem ajuda da Santa Casa, a festa dos altos premiados é paga pela sociedade que gere os jogos.