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O qué a imunidade diplomática e para que serve?

A imunidade diplomática é uma prática antiga nas relações entre países, tendo raízes antigas na história das relações internacionais e entre povos. Ao Observador, Jónatas Machado, professor de Direito da Universidade de Coimbra explica essa ideia, referindo-se a uma prática já presente nos tempos de Hamurabi, imperador da Babilónia entre 1792 a.C. e 1750 a.C.

“Havia a ideia de que todos os povos tinham por detrás uma divindade, que podia ser o próprio imperador. E, portanto, o mensageiro do imperador seria uma representação dessa divindade. Assim, tocar no mensageiro seria, por associação, toar na divindade do imperador”, explica o académico. “Já desde aí havia no fundo a ideia da imunidade dos mensageiros, das embaixadas, no sentido das delegações que eram enviadas para transmitir as vontades dos outros países.”

Só em 1961 é que estes princípios — e também depois da Paz de Vestfália, em1684, e de uma inevitável secularização do Estado — passaram para o papel e de forma praticamente global. Ficaram consagrados na Convenção Sobre Relações Diplomáticas de Viena, celebrada a 18 de abril de 1961.

O contexto de 1961 é um contexto de Guerra Fria, em que o mundo se dividia, grosso modo, no bloco soviético e no bloco norte-americano. Assim, explica Jónatas Machado, os objetivos da imunidade diplomática enquadravam-se naquele âmbito: “Para impedir que os representantes de outros estados fossem objeto de pressões indevidas, que assediem ou façam bullying contra os estados mais fracos através de um processo judicial”.

Assim, a imunidade diplomática é um instrumento internacionalmente consagrado que pode evitar situações de desequilíbrio entre nações no campo diplomático — algo que passa, inevitavelmente, pelas embaixadas.

É nessa linha que surge, por exemplo, o artigo 29º da Convenção de Viena, que diz que “a pessoa do agente diplomático é inviolável”. Ou seja, “não pode ser objeto de qualquer forma de detenção ou prisão”.

 

Ainda assim, o Artigo 41º diz que “sem prejuízo dos seus privilégios e imunidades, todas as pessoas que gozem desses privilégios e imunidades deverão respeitar as leis e os regulamentos do Estado acreditador”.

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Quem tem direito a imunidade diplomática?

Formalmente, a imunidade diplomática não é concedida a um embaixador em particular, mas sim a um Estado. Assim, há uma relação entre um Estado acreditador e um Estado acreditante, de acordo com os termos da Convenção de Viena. Assim, no caso português, Portugal é o Estado acreditador e todas os países que tenham representação diplomática em território nacional são Estados acreditantes.

Depois de obter licença por parte do Estado acreditador, o Estado acreditante tem o direito de nomear um embaixador. Cabe ao Estado acreditador aceitar essa decisão, tornando-o persona grata se der resposta positiva ou, pelo contrário, persona non grata.

A partir do momento é que é aprovado, o agente diplomático, vulgo embaixador ou embaixadora, passa a gozar de imunidade diplomática. Além disso, este estatuto é alargado aos “membros da família de um agente diplomático que com ele vivam”, segundo explica o Artigo 37º da Convenção de Viena.

Além disso, os membros do pessoal administrativo e técnico da missão, tal como os membros das suas famílias que com eles vivam, têm direito a imunidade. A exceção é se tiverem residência permanente ou nacionalidade do Estado acreditador.

Para Jónatas Machado, professor de Direito da Universidade de Coimbra, a extensão da imunidade diplomática à família do embaixador tem o mesmo fundamento que a imunidade garantida ao embaixador em si: prevenir casos de bullying ou assédio. “Às vezes, não podendo tocar no diplomata, pode haver a tentativa de atingir a família do diplomata, perturbando os familiares ou os filhos”, explica ao Observador.

Para este académico, esta situação terá de ser vista não à luz do exemplo português, ou de outros países da União Europeia, mas antes de forma mais global. “Nem tudo tem de fazer igual sentido no plano individual de cada Estado considerado, porque no fundo isto tem uma relevância sistemática”, diz.

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Um embaixador ou os seus familiares podem ser detidos para interrogatório no país que os acolhe?

Não.

A Convenção de Viena é clara quando diz que os membros da família de uma agente diplomático têm alguns dos privilégios de imunidade conferida ao embaixador.

O Artigo 29º refere que “a pessoa do agente diplomático é inviolável” e que esta “não poderá ser objeto de qualquer forma de detenção ou prisão”. No Artigo 37º, é explicado que esse pressuposto é estendido aos “membros da família de um agente diplomático que com ele vivam”. A exceção coloca-se caso tenham nacionalidade do país acreditador — vulgo, o país que os acolhe.

 

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A imunidade diplomática de um embaixador pode ser levantada?

Pode, mas é um gesto que cabe ao país acreditante. Ou seja, traduzindo para o caso de Ponte de Sôr, o embaixador do Iraque só pode ficar sem a sua imunidade diplomática caso haja uma decisão nesse sentido por parte do Governo iraquiano.

Há ainda a hipótese de o país acreditador (Portugal) declarar o embaixador do país acreditante (Iraque) como persona non grata. “O Estado acreditador poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o chefe de missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata ou que outro membro do pessoal da missão não é aceitável”, lê-se no Artigo 9º da Convenção de Viana.

No caso de fim de as funções de um diplomata serem terminadas, “esses privilégios e imunidades cessarão normalmente no momento em que essa pessoa deixar o país ou quando transcorrido um prazo razoável que lhe tenha sido concedido para tal fim”. No entanto, essa perda de imunidade não é retroativa, como diz o segundo parágrafo do artigo 39º: “A imunidade subsiste no que diz respeito aos atos praticados por tal pessoa no exercício das suas funções como membro da missão”.

 

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O embaixador iraquiano e a sua família podem ser expulsos de Portugal?

O embaixador iraquiano e a sua família podem ser retirados de Portugal de duas maneiras.

Uma hipótese é se o Governo iraquiano tomar essa decisão, chamando o seu embaixador de volta ao país.

Outra hipótese será no caso de o Governo português declarar o embaixador iraquiano persona non grata, dando-lhe um prazo para sair do país em segurança. De acordo com o Artigo 9º da Convenção de Viena, “o Estado acreditar poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o chefe de missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata ou que outro membro do pessoal da missão não é aceitável”.

A Convenção de Viana refere ainda que “se o Estado acreditante se recusar a cumprir, ou não cumpre dentro de um prazo razoável, as obrigações que lhe incumbem nos termos do parágrafo 1 deste artigo, o Estado acreditador poderá recusar-se a reconhecer tal pessoa como membro da missão”.

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Em que país é que o beneficiário de imunidade diplomática poderá ter de responder à justiça?

No seu país de origem.

De acordo com o quarto parágrafo do Artigo 31º da Convenção de Viena, “a imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante”.

Por isso, num cenário em que o Iraque não retira a imunidade ao seu embaixador em Portugal, os seus filhos podem ser chamados à justiça iraquiana caso esta, mediante investigação, concluir que há fundamento para um processo judiciário. Este decorrerá sempre ao abrigo da legislação iraquiana e independente das leis portuguesas.

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O que podem fazer o Estado e a Justiça de Portugal?

De acordo com Henrique Salinas, professor de Direito da Universidade de Lisboa, o raio de ação do Governo português é limitado, restringindo-se a uma comunicação entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Embaixada do Iraque ou o Governo do Iraque.

Também a investigação do caso poderá ser limitada, devido à condição de imunidade diplomática do embaixador iraquiano e dos seus filhos. “A investigação terá algumas limitações, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento do processo”, explica. Isto porque o Ministério Público pode até conduzir uma investigação mas, se por acaso chegar a indícios suficientes para suspeitar de culpabilidade dos filhos do embaixador iraquiano, estes não poderão ser julgados em Portugal, uma vez que têm imunidade diplomática.

Só no caso de haver um levantamento da imunidade diplomática — decisão essa que cabe ao Governo iraquiano — é que “o processo-crime será um processo-crime como qualquer outro que segue os trâmites normais, em que o Ministério Público faz uma investigação, há um julgamento e uma sentença”, explica Henrique Salinas.

O professor de Direito da Universidade de Lisboa refere ainda que, caso os filhos do embaixador do Iraque sejam julgados por um tribunal iraquiano, as autoridades daquele país podem investigar o caso em questão.

Já o professor de Direito Jónatas Machado, da Universidade de Coimbra, refere que “seria uma posição defensável” para um tribunal português “considerar que este tipo de condutas nem sequer está abrangida pelo fim da imunidade, invocando a ideia de que as imunidades têm sido interpretadas cada vez mais como Direitos Humanos e não como tendo origem na soberania dos Estado”. No entanto, sublinha, esta seria uma “posição que não é absolutamente unânime ou consensual”, que poderia ser possível num “tribunal mais ousado” mas que seria descartada por um “tribunal mais tímido e mais clássico”.