Assim que chegou à Câmara de Tomar, Anabela Freitas, do PS, encontrou um conjunto de faturas que não estavam declaradas nos serviços financeiros da autarquia, no valor de cerca de 172 mil euros. Enviou queixa para a Inspeção Geral de Finanças (IGF). Mas as surpresas estavam só a começar. Depois de encontrar os primeiros documentos não registados, decidiu fazer uma auditoria a todos os departamentos. Resultado: 3,8 milhões de euros em faturas escondidas.

“Ficavam lá [nos departamentos da câmara] durante anos ou meses”, contou ao Observador. As primeiras facturas não registadas que encontrou, e que na queixa que enviou à IGF diz que podem constituir fraude, ilustram três casos diferentes: a primeira fatura, emitida pela Universidade de Coimbra, referente a prestação de serviços de estudo de uma rede ciclável na cidade de Tomar, a segunda pela empresa Modelstand, referente a serviços prestados em 2012 e apresentada em 9 de Outubro de 2013, e, por último, ao escritório de advogados PLMJ, por vários serviços.

No segundo lote de documentos, respeitantes a mandatos anteriores (desde 2008) – do presidente da câmara Fernando de Sousa, do PSD – , os montantes das faturas variavam e diziam respeito aos mais variados serviços, desde pagamentos de gás a eletricidade ou a reparações de carros. “Não há um padrão”, responde Anabela Freitas.

“Não tenho liquidez para pagar 3,8 milhões de euros”, queixa-se a autarca. Para as faturas registadas, Anabela Freitas fez acordos de pagamentos com os fornecedores. Para as outras, espera pela resposta da IGF para decidir uma solução.

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O pesadelo das contas em Tomar pode ficar ainda mais grave. Há vários processos em tribunal contra o município. O maior diz respeito a uma dívida que ronda os 750 mil euros, incluindo juros, à Águas do Centro, do grupo Águas de Portugal. Além deste processo, a câmara recebeu já este ano uma injunção para pagamento de 200 mil euros, da qual vai recorrer.

A câmara não pediu para entrar no Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), que foi lançado pelo Governo para resgatar as câmaras com dívidas avultadas a fornecedores. Como tal, a presidente espera que o Fundo de Apoio Municipal (FAM) entre em vigor, para poder pedir ajuda para pagar a fornecedores as dívidas que tem em atraso. Neste momento, de acordo com as contas que enviou para a Direcção-Geral das Autarquias Locais, a Câmara de Tomar não cumpre a lei e paga a 367 dias, quando o limite, por lei, são 90 dias. O caso está agora nas mãos da IGF.

O Observador tentou contatar o ex-presidente da câmara, Carlos Carrão, mas até ao momento não foi possível. À data a que se reportam as faturas, Miguel Relvas era o presidente da Assembleia Municipal (cessou o mandato em 2012, já como ministro dos Assuntos Parlamentares). Ao Observador, o ex-ministro-adjunto de Passos Coelho adiantou “não ter conhecimento” de futuras escondidas. “Não tenho nada a ver com isso”, disse.

Santa Cruz com contas penhoradas

O caso de Tomar não é único. Na Madeira, o presidente da Câmara de Santa Cruz pouco mais tem feito do que gerir pedidos de penhora que lhe chegam ao município. As seis contas da câmara estão penhoradas desde Novembro em 60 mil euros cada, depois de uma empresa ter feito queixa junto do tribunal.

“Encontrámos seis milhões de euros sem orçamento, sem procedimentos adjudicatórios, nem contrato”, diz o autarca Filipe Sousa ao Observador. Por ser na Madeira, as queixas não se dirigiram à IGF, mas sim ao Ministério Público e ao Tribunal Administrativo do Funchal.

O caso que fez soar os sinos ao presidente, que foi eleito numa lista de independentes, prende-se com a gestão do lixo. Mas há mais: “Foram estabelecidos acordos de pagamentos durante o período de gestão. Alguns casos são mais complexos porque temos de confirmar se as obras foram feitas”.

No total, Santa Cruz tem uma dívida de 45 milhões de euros, 15 milhões são dívidas que estão a ser contestadas em tribunal. “Felizmente temos liquidez, mas a forma como o município foi gerido colocou-nos na lista negra de pagamentos”. Filipe Sousa já sabia, no entanto, que ia enfrentar vários processos de penhora à câmara quando foi eleito. A culpa, diz, foi do presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim. “Somos um grupo de cidadãos e, quando fomos eleitos, o presidente do Governo Regional e alguns dirigentes do PSD fizeram ameaças de que a câmara iria fechar portas”, acusa.

A Câmara de Santa Cruz recebeu “luz verde” do Governo já este ano na candidatura que fez ao PAEL. E com isso já recebeu 12 milhões de euros para pagar a fornecedores o que lhe permitiu livrar-se de penhoras também às receitas do município: “Recebi uma penhora de receitas na ordem de 300 mil euros, mas consegui chegar a acordo com o empresário porque íamos receber dinheiro do Estado”.