É relativamente consensual que a situação económica e a percepção que dela têm os cidadãos são dados de elevada importância na definição do sentido de voto numa eleição.

Os eleitores votam com uma mão a segurar a caneta e a outra a carteira. O fenómeno foi resumido na expressão “É a economia, estúpido”, dita por um dos estrategas da campanha de Bill Clinton quando, em 1992, este bateu George Bush pai, que acabava de derrotar o exército iraquiano na primeira Guerra do Golfo – a que se seguir à invasão do Koweit por Saddam Hussein. Bush tinha a seu favor o trunfo do país confiante, vitorioso, orgulhoso do seu domínio global. Mas contra si tinha uma economia que entrara em recessão. E perdeu.

Sem surpresa, a economia é dominadora absoluta da nossa campanha eleitoral. Estranho era se assim não fosse por todas as razões e mais alguma.

A questão que se coloca é saber qual é a “economia” mais determinante para a maioria dos eleitores. É a conjuntura recessiva, de cortes nos rendimentos, de aumentos de impostos e do desemprego e de dificuldades para as empresas que dominou a primeira metade do mandato do governo? Ou é a conjuntura actual, de recuperação do fundo do poço, depois da viragem que ocorreu há cerca de um ano e meio?

O que é que pesa mais? A memória fresca das dificuldades passadas ou a noção presente de que o pior já passou?

Cada eleitor saberá de si e de todos os outros factores – ideológicos, de valores ou de simples urticária pessoal em relação a algum dos candidatos a primeiro-ministro – mas o lado para onde cair esse pêndulo pode ser determinante para decidir uma eleição que se mostra renhida como poucos previam.

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Se o presente e a expectativa do futuro próximo pesarem mais na decisão de voto, a coligação PSD-CDS tem certamente a vida mais facilitada.

Não o digo a olhar para os números do PIB, que são um barómetro importante mas demasiado estratosférico para ser sentido pelo cidadão comum. Nem, tão pouco, pela descida do desemprego, condição decisiva para todos os que nela se encontram e familiares próximos e indicador de enorme importância social.

Digo-o a olhar para os Inquéritos de Conjuntura às Empresas e aos Consumidores que o INE realiza mensalmente. São dados a que as redacções, por regra, dão pouca importância mas que são muito mais ricos para tomar o pulso às expectativas dos cidadãos do que as estatísticas de actividade passada. Estas são como conduzir um automóvel sem tirar os olhos do retrovisor.

Ao contrário dos dados do PIB, do emprego, da produção industrial, do consumo ou da inflação, que quantificam a evolução passada da actividade económica, estes inquéritos são autênticas sondagens de opinião – são inquiridas 2700 pessoas -, medindo o sentimento e a percepção que os agentes económicos têm da sua actividade, do país e da evolução que antecipam.

O último inquérito – o documento pode ser consultado aqui – foi divulgado há uma semana.

E o que é que nos diz? Diz-nos que a generalidade dos agentes económicos olha hoje para a sua actividade e para a economia da forma mais positiva ou menos negativa dos últimos cinco ou seis anos.

O indicador de clima económico (que agrega as avaliações qualitativas da Indústria Transformadora, Construção e Obras Públicas, Comércio e Serviços) é o mais elevado desde 2008. A Confiança dos Consumidores está no valor menos negativo desde, pelo menos, 2004. O mesmo se passa com as perspectivas sobre a evolução da economia do país. E em relação às perspectivas de evolução da situação financeira do agregado familiar, elas subiram para valores que já não eram atingidos desde o início de 2010.

Na Indústria, Comércio e Serviços o panorama é semelhante, com os empresários do sector a fazerem as avaliações menos negativas dos últimos seis a dez anos. O que confirma dados revelados também nos últimos dias sobre o consumo das famílias nos supermercados, que subiu para os níveis pré-crise. Mais atrasada na recuperação está a Construção, com avaliações próximas das que se verificavam em 2010.

Há, em contrapartida, um dado cada vez mais negativo. São as perspectivas dos consumidores sobre a evolução do emprego, que continuam a bater recordes mínimos históricos.

Quer tudo isto dizer que a economia já está bem e se recomenda? Que já podemos voltar a gastar dinheiro que não temos e a desapertar o cinto à vontade? Que os consumidores e empresários pensam que estão no país das maravilhas? Claro que não.

Isto só quer dizer que a sondagem que o INE faz mensalmente a uma amostra generosa e representativa da população e dos sectores de actividade, isenta de qualquer avaliação política ou partidária, mostra que os cidadãos olham hoje, em média, para a sua vida financeira e para a economia do país da forma mais positiva desde, pelo menos, o início da década.

Parece inevitável que esse sentimento não possa ter reflexo na definição do sentido de voto e talvez estes dados ajudem a entender a resistência que a coligação governamental mostra nas sondagens e a simétrica dificuldade que o PS sente em descolar.

É que para lá dos discursos políticos, dos grandes indicadores macro, das promessas e dos programas eleitorais, das grandes estratégias para falar para o eleitorado do centro ou para fazer decidir os indecisos, há milhões de eleitores que dispõem dos seus próprios dados para, individualmente, fazerem a sua avaliação e construirem as suas expectativas.

Passos Coelho pode ter estado nas tintas para as eleições. Mas que dentro das enormes dificuldades o ciclo económico até lhe correu de feição, lá isso correu.

Resta saber o que vai pesar mais para a generalidade dos eleitores, se as dificuldades do passado ou as melhores expectativas do presente.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com