Tudo se encaminhava para a aplicação de sanções simbólicas, na tradição das decisões de Bruxelas, que procuram agradar a todos (ou pelo menos não desagradar alguém). A Comissão cumpriria o seu dever – zelar pelos tratados – mas não obrigaria Portugal e Espanha a pagarem multas. O anúncio do governo espanhol sobre o corte de cerca de 6000 milhões de Euros colocou uma inesperada pressão política sobre o governo português e sobre a Comissão.

Depois do governo espanhol ter apresentado medidas extraordinárias, Madrid terá garantido que as sanções serão meramente simbólicas. Portugal terá que seguir o exemplo espanhol. Se não o fizer, não terá direito ao mesmo tratamento que a Espanha. A Comissão não poderá tratar do mesmo modo um país que apresentou medidas excepcionais e outro que se recusa a fazer o mesmo. E o governo espanhol, provavelmente apoiado por outros governos, não aceitará que se trate situações diferentes como iguais.

O governo de Rajoy agiu com enorme oportunismo. Internamente, coloca pressão sobre os socialistas e os Cidadanos para deixarem passar rapidamente um governo minoritário do PP nas Cortes. Caso contrário, serão responsabilizados pela incapacidade de se adoptar as medidas extraordinárias e de se evitar multas contra Espanha. No plano externo, Madrid afastou-se de Lisboa. Desde o início da discussão sobre as sanções, foi óbvio que, mal pudesse, a Espanha se afastaria de Portugal. Só fica admirado que não entende a política espanhola na Europa.

A “realpolitik” espanhola é independente do curso e dos interesses da política portuguesa. Ou seja, o governo português não tem capacidade para alterar os princípios centrais da diplomacia espanhola, mas foi muito ligeiro na sua actuação e irresponsável nas suas declarações. Faltou a Costa densidade política e prudência. Tratou tudo de um modo superficial e errático. Mas, pior que tudo, o governo português cometeu dois enormes erros de análise sobre a situação política europeia.

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Em primeiro lugar, parece acreditar na fantasia da solidariedade dos países do sul contra os do norte. Isso não existe. Ou melhor existe apenas parcialmente. A França usa os outros países do sul para tentar conter o poder da Alemanha. Mas recusa-se a apoiar os outros países do sul se isso não for no seu interesse. Deixou cair a Grécia o ano passado, quando se colocou ao lado da Alemanha para impor ao governo do Syriza o maior programa de austeridade jamais imposto na zona Euro. E na semana passada, deixou cair o governo português quando apoiou as sanções no Conselho dos ministros das Finanças.

O governo de Costa deve reavaliar o pressuposto dos interesses comuns entre os países do sul. Convém, por exemplo, que o faça a propósito dos bancos. Já se percebeu que Costa e Centeno estão à espera de uma solução europeia para os bancos italianos para depois fazerem o mesmo em Portugal. Talvez tenham uma surpresa se não decidirem tratar do problema dos nossos bancos sem esperar pela Itália. E o governo italiano será o primeiro a dizer em Bruxelas que o caso dos seus bancos não tem nada a ver com o que se passa em Portugal.

O segundo erro tem a ver com as implicações do “Brexit”. Mais uma vez, o governo caiu no facilitismo. Acreditou que a crise provocada pelo referendo britânico iria permitir uma maior flexibilidade em relação às regras europeias. O governo e os seus aliados de esquerda estão completamente enganados. O “Brexit” irá provocar uma exigência maior em relação ao respeito pelas regras no interior da zona Euro. A transferência de recursos para os países do sul é a maior armas dos partidos populistas no norte da Europa para aumentar a oposição ao Euro.

A Holanda tem eleições em Março do próximo ano e De Wilders já disse que o principal tema da sua campanha será a realização de um referendo europeu. Tal como Bloco de Esquerda em Portugal, os populistas holandeses perceberam que a inclusão do Pacto Orçamental nos tratados europeus abre uma oportunidade ao referendo (na Holanda só se pode referendar tratados ou nova legislação). Os estudos de opinião mostram que o incumprimento das regras por parte dos países que precisam de empréstimos é um dos factores (juntamente com a emigração) que mais contribui para o eurocepticismo. Nos países como a Holanda também há democracia. Os governos desses países tudo farão para que comportamentos de outros países não contribuam para a emergência de uma maioria anti-europeia. Principalmente, depois do “Brexit”. O governo espanhol percebeu isso. O português, infelizmente, não entende o que se passa na Europa.