Recapitulemos. Em outubro de 2015, na sequência das expetativas elevadas de uma vitória convincente, o PS perdeu. A composição da AR determinou que a coligação PSD-CDS, embora vencedora, não tinha condições para manter o XX Governo. O Dr. António Costa decidiu fazer um acordo que lhe garantiu suporte maioritário na AR e, assim, nasceu o XXI Governo. Sendo apoiado pelos comunistas do PCP e do BE, o PS teve de aceitar condições que eram contrárias ao cenário social e económico que tinham proposto aos seus eleitores.

Dessa forma, entalado entre as obrigações internacionais e as suas crenças macroeconómicas, por um lado, e as exigências da esquerda de que depende, por outro, prosseguiu uma política em que teve de mentir aos Portugueses. Devolveu, num ano, os cortes salariais que tinham sido impostos pela Tróika e apenas aplicados a funcionários públicos, mas nem a todos. Reverteu a igualização do tempo de trabalho entre setores privado e público, passando os funcionários públicos a 35h de trabalho semanal. Impediu a gestão privada de companhias de transportes públicos que estavam e ainda estão falidas. Manteve a TAP sob um aparente controlo do Estado. Iniciou o processo de redução das cobranças extraordinárias de impostos. Entretanto, criou mais impostos e taxas e, significativamente, tributou mais os combustíveis. Ou seja, criou uma ilusão de maior prosperidade pessoal que, esperavam eles, levaria a um aumento do consumo interno.

Não foi assim. Mais importante ainda, embora quase nunca falado, reocupou-se a administração pública por gente de confiança da esquerda, já que os velhos militantes, que se tinham lá instalado após o 25 de abril, estavam a reformar-se e era preciso recuperar o controlo da máquina. O turismo tem ajudado à recuperação da venda de serviços ao exterior. Ainda bem. Será acaso, conjuntura, estratégia? Será durável? Veremos. Em Portugal só há bons condutores e desejamos que nunca cá aconteçam acidentes.

Foi aplicada uma política de austeridade nunca antes sentida em Portugal. Foi conseguido um défice historicamente baixo. Boas notícias. Sairemos do processo de défice excessivo. Ainda melhor. Estamos todos contentes. A comunicação social já não zurze o Governo. Beatificou-se o Dr. António Costa, de cujos talentos políticos ninguém deve duvidar, e já se aplaude a sua futura maioria que se quer absoluta e duradoira. PCP e BE é que não estarão contentes com a ideia, mas já ganharam tanto, em particular o PCP, que não se podem queixar. Os sindicatos passeiam-se, já não se manifestam. Não há greves, há fins de semana prolongados. Uma maravilha. Será?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Toda a gente pede “reformas” mas ninguém diz o que pretende. Por exemplo, voltando à saúde, pretendem continuar a impedir o acesso a medicamentos inovadores como agora acontece numa dimensão nunca antes sentida? Vão continuar a agravar as dívidas a fornecedores? Será que as deixam acumular porque as empresas nunca farão greves, nem se manifestarão na João Crisóstomo? Os hospitais do Norte não têm dinheiro para pagar medicamentos, como disse o Sr. Presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos? Pudera, o OE de 2017 para a saúde era pior do que o de 2015. Os centros de referência não têm financiamento adequado. E as carreiras? Os concursos de progressão não são abertos, porquê?

Vão modificar o assimétrico e injusto sistema de pagamento dos médicos das Unidades de Saúde Familiar que ganham muitas vezes mais do que os especialistas hospitalares, sem que isso corresponda a um diferencial real de produção de cuidados ou de risco profissional? Vão melhorar o pagamento dos especialistas hospitalares? Pretendem reduzir as listas de utentes dos médicos de família? Ou há a intenção de rever as grelhas salariais para compensar a experiência e o desempenho em função de resultados de saúde, para todos os profissionais? Além dos médicos, vão procurar satisfazer as reivindicações dos outros profissionais de saúde cujas carreiras, em muitos casos, nem foram ainda aprovadas apesar de acordadas em 2015?

Agora temos tempos máximos de resposta garantida para exames de diagnóstico. Boa medida. Decretar que se aceitam 90 dias de espera por um TAC, se for para uma pessoa com um cancro a necessitar de tratamento, é um avanço na gestão do SNS? E se reformassem os chamados centros de responsabilidade, unidades clínicas com gestão autónoma nos hospitais, com a intenção de os impulsionar em vez de lhes terem criado limites à sua instalação e desenvolvimento? Só para profissionais em exclusividade? Muito bem. Convirá não esquecer que foi um Governo do PS que acabou com esse regime no SNS, tendo ele sido criado por um Governo do Prof. Cavaco Silva. Vão repô-lo? Com que salários?

E se, finalmente, num dia de contrição, admitissem que o OE para a saúde não chega e continua a não chegar, passada a Tróika que foi substituída pela Esqróika? Que bom teria sido inaugurarem uma nova unidade, uma que fosse, de cuidados continuados de saúde mental, em vez de terem levado o primeiro ministro a abrir uma que já funcionava desde há anos. Pois é, a “inauguração” da residência comunitária da AEIPS no Restelo, a funcionar desde 2011 e que acolheu residentes do Miguel Bombarda, foi uma mera mudança de contratação que agora passou a ser partilhada pelo Ministério da Saúde e da Segurança Social, quando antes era apenas o da Segurança Social que a pagava, ao abrigo do Despacho Conjunto 407/98 de 15 de maio. Ninguém reparou?

E que tal voltar a divulgar os relatórios mensais de acesso aos cuidados no SNS, os relatórios semestrais da lista de inscritos em cirurgia, a discriminação das camas abertas na rede de cuidados continuados, uma lista inteligível de utentes sem médico, em vez dos “comunicados” com que vão entretendo os jornalistas para notícias de circunstância? O novo Portal do SNS, que eu tanto aplaudi, foi-se esvaziando de conteúdos e, como quase toda ação deste Governo, é apenas um instrumento de propaganda. O acervo documental despareceu todo, como se só agora a saúde tivesse nascido. Limparam o passado.

Na saúde os efeitos da austeridade em curso são encobertos e só aparecem evidentes para quem trabalhe no SNS. Mas a solidez do serviço não fará, por ora, piorar indicadores. Foi assim nos tempos do rigor do programa de assistência, só que agora ninguém anda a comparar variações mínimas em indicadores flutuantes, como foi com a taxa de mortalidade infantil que muitas vaticinaram que iria subir e, no fundo, continuou a descer até 2015. Há uma nova míngua, bem soviética nos termos e nas intenções. Que diz a esquerda que tanto se queixou de falta de investimento e agora assiste ao verdadeiro e derradeiro ataque ao SNS, ainda universal mas tendencialmente menos geral? Nada! O País está como sempre o desejaram, alegre, pobre e de pão com azeitonas.

Para lá da insensibilidade, não direi boçalidade, dos sucessivos comentários sobre a falta de alegria do Dr. Passos Coelho que, em boa verdade, dizem muito de quem os profere, não há argumentação política em Portugal. Vivemos intoxicados em felicidade. O nosso debate construtivo está parado na avaliação de quem diz as melhores larachas. Admito que a nossa próxima grande vitória será ultrapassar o Reino do Butão no índice internacional de felicidade. Só nos falta ganhar isso. Mas, contentes, temos melhores serviços públicos com a chegada da campanha alegre da esquerda nacional, o tal social-comunismo que é mais sovina do que qualquer Governo anterior?

Inventou-se uma nova doutrina, o social-otimismo! Tudo vai ser melhor porque acreditamos nisso, com muita força. As pitonisas falam e nem é preciso mais. Todavia, as previsões dos “matemáticos do comportamento”, denominados de economistas, falham muitas vezes porque é muito difícil prever comportamentos, por mais estatísticas, séries, análises históricas ou comparações que se façam. Também é assim com os prognósticos das doenças, umas vezes para melhor e, para outras, nem tanto.

Antigo ministro da Saúde