António Costa parece ter razões para ver o sol a brilhar, mesmo quando está a chover lá fora, como ilustrou, mais uma vez, o Presidente da República, para se referir ao optimismo militante do primeiro-ministro. Na verdade, a economia trocou as voltas às tendências e regularidades do passado e até ao modelo de Mário Centeno. A recuperação é lenta mas não é sentida como difícil por causa da evolução do emprego. Nunca, em anteriores recuperações, tão pouco crescimento tinha gerado tanto emprego. Não temos nenhum problema estrutural resolvido, mas vivemos neste último ano um tempo de confiança crescente no futuro.

Um dos mais interessantes gráficos do Boletim Económico de Maio do Banco de Portugal mostra como este ciclo económico rompeu com as regularidades do passado. Nas recessões da década de 1993 e de 2003, a produtividade desce quando se caminha para a crise e sobe na fase da retoma. Na crise de 2008 acontece o oposto – sobe na fase prévia e cai agora quando estamos em recuperação.

A rápida e brutal subida do desemprego na fase recessiva deste ciclo económico apanhou todos de surpresa. A taxa de desemprego chegou quase a tingir 20% da população activa e em Março de 2013 quase um milhão de pessoas estavam desempregadas (926.800 desempregados, de acordo com o INE). Taxas de desemprego destas, e até superiores, só se conheciam em Espanha e nunca se imaginou que tal viesse a ocorrer em Portugal. A subida histórica do desemprego foi acompanhada com a, igualmente inédita, subida da produtividade na fase recessiva – nas anteriores recessões caiu.

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Não se pode dizer que a queda do desemprego tenha sido igualmente rápida na fase de recuperação. Mas o desemprego está a cair muito mais, e o emprego a subir muito mais, do que seria projectável utilizando apenas os dados do crescimento da economia. Como consequência, a produtividade (medida pelo rácio entre o Valor Acrescentado Bruto e o emprego) está a cair, e não a subir como anteceu nas fases de recuperação das anteriores crises.

O Banco de Portugal não aprofunda o tema. “As explicações para a redução da produtividade são complexas, podendo relacionar-se com as alterações da estrutura produtiva, num contexto em que os níveis de capital por trabalhador permanecem reduzidos, após vários anos com baixos níveis de investimento”, lê-se no Boletim Económico de Maio, aquele que faz o retrato da economia em 2016. Analisa mais à frente os níveis de capital, e há nessa caracterização um atributo que reforça a convicção de que temos uma classe empresarial muito fraca: Portugal é o país “com maior proporção de estruturas no stock de capital, o que implica necessariamente um menor peso do equipamento em máquinas e dos bens intangíveis”.

As alterações na estrutura produtiva que podem explicar este aumento do emprego, muito mais rápido do que o do crescimento da economia, podem estar relacionadas com o sector que se tem revelado mais dinâmico nesta recuperação económica: o turismo. Intensivo em mão de obra e por isso grande criador de emprego, o turismo cria um valor acrescentado mais reduzido, apesar de todas as externalidades positivas que tem. Por exemplo, é ao turismo que se deve em boa parte o equilíbrio das nossas contas externas e é também por causa dele que os centros envelhecidos, e até há bem pouco tempo aterradores, de Lisboa e Porto estão hoje vivos.

É aqui que entramos no “dia de chuva que é um dia de sol” por duas vias. A primeira é que António Costa teve a sorte de beneficiar politicamente com um acentuado desvio do turismo para Portugal, neste momento um dos países mais seguros da Europa. Claro que a subida do turismo data de 2012/2013, com a instabilidade no Norte de África e Médio Oriente. Mas essa tendência reforça-se com a onda de terrorismo nos países do centro da Europa.

José da Silva Lopes (1932-2015), que foi ministro das Finanças e governador do Banco de Portugal nos períodos de intervenção do FMI, costumava dizer que Portugal tem em geral muita sorte. Quando está metido numa crise de contornos graves há sempre qualquer coisa que acaba por salvar o país do abismo. Na crise de 1983, por exemplo, foi a descida do preço do petróleo e do dólar e a entrada de fundos da então CEE.

Os militantes do PS podem querer acreditar que foi uma política económica alternativa, desenhada pela equipa de economistas da qual fazia parte Mário Centeno, que criou este emprego. Mas se olharmos bem para os números e observarmos o que se passou à nossa volta neste último ano, verificamos que o Governo teve uma política financeira recessiva – como aliás o Estado precisa de ter – e que a recuperação do emprego foi essencialmente ditada pelas exportações com um elevado peso dos serviços, onde está o turismo.

A segunda via em que o “dia de chuva” se consegue transformar em “dia de sol” está naquilo que os economistas designam como “gestão de expectativas”. António Costa conseguiu (ainda consegue) convencer os portugueses de que tudo vai correr bem, numa espécie de “não se preocupem que Costa resolve”. O vector da política económica em que o Governo teve um papel dinamizador na economia foi exactamente esse, o de transmitir confiança no futuro, que se encontra no valor mais elevado desde 1997, como os indicadores revelam.

A política económica de António Costa, vista com atenção, é marcada por um discurso optimista, com sucessivos anúncios de subidas do poder de compra por via de salários ou pensões, de compromissos de aumento da segurança no emprego e de promessas de investimento. Paralelamente, mas sem nos aborrecer nem irritar, o Governo consegue fazer progressos na resolução dos problemas no sistema financeiro – mesmo com alguns revezes pelo caminho, como aconteceu na CGD – e ultrapassa os objectivos para o défice público. A resolução destes dois problemas são realmente, e bem, os principais objectivos do Governo.

O optimismo e a desdramatização de todos os problemas fazem-nos ver dias de sol sem nuvens no horizonte. A instabilidade e a incerteza que nos rodeia podem até culminar em dias soalheiros. Ninguém o sabe. Mas sabemos que temos uma dívida enorme às costas e que a situação financeira do Estado não está resolvida e que é um problema difícil de ultrapassar. Por enquanto a sorte e o optimismo têm sido uma receita de sucesso para o Governo e para o país. Pode ser que tenhamos sorte, outra vez.