A tentativa independentista em curso na Catalunha é encarada por Madrid e por Barcelona segundo óticas totalmente opostas. Para Madrid, o Estatuto de Autonomia em vigor é suficiente para garantir aos catalães uma ampla margem de atuação nos vários domínios da vida social, política e económica. Para Barcelona, ou melhor, para o Presidente da Generalitat, Charles Puigdemont, mas também para Oriol Junqueras, Carme Forcadell, Ada Colau e dirigentes e militantes dos partidos com intenção independentista, a autonomia não chega e, por isso, o afã independentista autoriza o Parlamento da Catalunha a aprovar leis contrárias ao Estatuto.
Como se percebe, o extremar de posições não vai permitir as condições para uma análise menos emotiva e mais racional do processo. Aquela que permitiria uma solução negociada. Por isso, o divórcio, a acontecer no curto prazo, será litigioso. Divórcio que, diga-se, não parece ir acontecer.
Alain Dieckhoff (2001) considera que existem dois fatores que favorecem uma secessão por consentimento mútuo. Um deles prende-se com a existência de um contexto democrático-liberal que possibilite o diálogo e evite o recurso à violência, tanto verbal como física. O outro fator tem a ver com aquilo que designa como “a deliquescência progressiva do centro”, ou seja, com a existência de forças centrífugas que um centro enfraquecido não faz questão de combater.
Um centro que desistiu do projeto comum. Cada uma das partes pode ir à sua vida. Nem é preciso invocar elementos do foro histórico-cultural. A manifestação de vontade é suficiente. Tal como acontece com os casais, basta mencionar a incompatibilidade de feitios ou de projetos de vida.
Os parágrafos iniciais mostram que, no caso em apreço, estas condições não estão reunidas, embora a Espanha se assuma como uma democracia. Só que, para a Constituição e para os partidos que dominam a vida política espanhola, designadamente os dois maiores – PP e PSOE -, a Nação espanhola é a pátria comum e indivisível de todos os espanhóis. Por isso, não é de estranhar a reduzida simpatia com que os espanhóis, entre os quais uma parte considerável de catalães, olha para a convocação unilateral do referendo.
Não parece abusivo dizer que entre as razões dessa desconfiança o facto de o referendo ser inconstitucional não se assume como a mais importante. Os cidadãos espanhóis deixam a questão da legalidade para os órgãos próprios. Aquilo que os preocupa é de natureza diferente. Não percebem a razão desta tentativa de secessão. Tal como não compreenderam a razão da luta terroristo-independentista da ETA no País Basco.
Os espanhóis sabem que a Espanha resultou de um processo de aglutinação muito antigo. Fernando e Isabel, os reis católicos, iniciaram o processo no distante século XV. Só escapou Portugal, com exceção dos sessenta anos de domínio filipino. Desfazer o mosaico de povos quebrará a unidade e acarretará problemas a Espanha e às regiões. Tanto às que desejam a secessão como às que ficam.
Voltando a Dieckhoff, o autor recuperou a perspetiva de Allen Buchanan sobre as doze razões morais que podem justificar o direito à secessão. Desses argumentos sobressaem quatro: o politicídio, o economicídio, o etnomicídio e o genocídio.
Dispondo a Catalunha de uma situação económica invejável no conjunto das regiões de Espanha, o economicídio não pode ser usado como justificação. Quanto às duas últimas razões, enterrado o machado de uma guerra civil que conheceu uma violência desmesurada de ambas as partes, não parece aconselhável acordar os fantasmas.
Resta, portanto, na perspetiva catalã, a questão do politicídio. Algo que está muito longe de consensual tanto a nível de Espanha como da Catalunha onde cerca de metade da população não quer acordar espanhola e, no final do dia, deitar-se catalã.
Voltando à questão económica, a circunstância de a prosperidade da Catalunha resultar da colocação dos produtos catalães na União Europeia e nas outras regiões de Espanha, talvez aconselhe a questionar se a Catalunha não anda à cata de lenha para se queimar.
Como é sabido, o fogo, uma vez iniciado, fica difícil de controlar. Garantidos, só os prejuízos avultados.
Professor de Ciência Política