A contagem decrescente para a eleição presidencial francesa aproxima-se e as previsões para domingo 7 de Maio já foram mais simples do que neste momento. Com efeito, Marine Le Pen – líder do movimento fascizante e anti-europeu Frente Nacional (FN) – surpreendeu tudo e todos ao assinar um acordo com o 6.º classificado da primeira-volta, o gaullista dissidente Nicolas Dupont-Aignan, o qual se propõe trocar o milhão e setecentos mil votos que teve na semana passada pelo lugar de primeiro-ministro num eventual governo da FN… Façamos então de novo as contas!

No próprio dia da primeira-volta, a sondagem feita à boca-da-urna pela mesma empresa que antes previra com grande exactidão os resultados de dia 23 estimou que Macron poderia contar com o apoio de cerca de 79% dos eleitores de Hamon, cerca de 62% dos de Mélenchon e 48% dos de Fillon, num total de quase 10 milhões de votos a adicionar hipoteticamente aos 8,7 milhões que o candidato teve na primeira-volta. Pelo seu lado, Le Pen poderia contar com 33% dos eleitores de Fillon, 9% dos de Mélenchon e 4% dos de Hamon, num total de pouco mais de 3 milhões de votos a adicionar por hipótese aos 7,7 milhões que ela obteve naquele dia. Nessa altura, desconhecia-se o acordo que Le Pen iria fazer com Dupont-Aignan, o que trará a candidata certamente uma boa parte do eleitorado deste último, pelo menos um milhão de votos, se não mais.

Ainda segundo a mesma sondagem, a esmagadora maioria dos inquiridos afirmava-se segura do seu futuro voto. A ser assim, Macron poderia ter uma vantagem de cerca de 5 a 6 milhões de votos em relação a Le Pen. Finalmente, cerca de 68% do conjunto dos inquiridos que se declaravam decididos a votar na segunda-volta dividiam os seus votos entre Macron (62%) e Le Pen (38% não contando ainda com a transferência dos eleitores de Dupont-Aignan).

A abstenção permanece, contudo, a grande incógnita já que é improvável que a grande maioria dos votantes de domingo passado (75% do eleitorado) se mobilize de novo. Ora, o mesmo estudo observa que, quanto maior fôr a abstenção, mais probabilidades há de Le Pen se aproximar de Macron. E é aqui que entra de novo tudo aquilo que está em jogo politicamente nesta eleição presidencial, tanto para a França como para o resto do mundo, em especial a UE.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Primeiro: por mais que Le Pen tenha diluído a índole ultra-nacionalista e anti-liberal da sua frente populista fim de obter o apoio do seu anunciado primeiro-ministro e do mais amplo eleitorado possível desde a extrema-direita até à extrema-esquerda, a fragmentação e a desordem que a vitória dela introduziria no sistema político-partidário resultariam numa desgovernação generalizada do país com danos enormes.

Ora, é neste preciso contexto que se situa o gravíssimo anúncio feito por Mélenchon, líder dos chamados «insubmissos, de recusar o seu voto a Macron. Como tantas vezes aconteceu no passado, máxime quando comunistas e nazis se uniram no infame pacto germano-soviético, favorecendo naturalmente Hitler desde 1939 até 1941, a abstenção dos «insubmissos» defendida por Mélenchon arrisca-se a retirar a Macron qualquer coisa como 4 milhões de votos e, porventura, a levar Le Pen ao poder!

Num tal contexto, a abstenção, defendida também por membros da extrema-esquerda portuguesa, tem tudo a ver com a admiração destes pretensos insubmissos pelo «Podemos» espanhol, para não falar da ditadura venezuelana, e representa uma atitude partidária inadmissível, pois é um atentado directo à democracia, independentemente das opções dos dois candidatos, europeístas ou não. Revela-se, assim, a prioridade dada pela extrema-esquerda em todo o mundo à guerra contra a UE e a «moeda única», a qual constitui – os auto-designados esquerdistas sabem-no bem – a base em que hoje assenta a construção deste espaço comum de soberania partilhada que é a Europa.

Em suma, se é certo que o programa de Macron não constitui um programa de governo para pôr termo ao momento particularmente conturbado das actuais relações europeias e internacionais, não é menos verdade que a escolha entre Emmanuel Macron e a líder do movimento xenófobo e populista que é a FN equivale a escolher entre o único candidato decididamente democrático e as promessas ilusórias e demagógicas da FN.

Macron é também – e por isso levanta tanta resistência à esquerda como à direita – um dos candidatos europeus mais avançados quanto às futuras políticas económicas e financeiras de um bloco pluri-partidário mas liberal como o europeu, bem como as políticas sociais, educativas e culturais adequadas à reforma do Estado num país em que este absorve 57% do PIB.

Para terminar: a eleição de Macron pode ajudar a pôr de lado finalmente as miragens ideológicas do breviário partidário com que tanto as esquerdas como as direitas populistas esfregam os ouvidos do eleitorado. Basta pensar no discurso de alguém como Donald Trump e de todos os anti-globalistas para perceber que a classe operária e a grande indústria que eles invocam já não passam, nos países desenvolvidos, de um mito conveniente para enganar os eleitorados abandonados pela esquerda tradicional.