Nesta história das multas por défices excessivos, não sei se foi verdade que o ministro alemão das Finanças intercedeu pelos países ibéricos. Sei que quando a notícia começou a ser veiculada como uma surpresa – e nas redes sociais consegue-se apanhar o sentimento geral – a verdade é que achei que fazia todo o sentido o apoio do homem à “causa do multados”. Não porque ache que o ministro alemão se tenha tornado especialmente solidário connosco ou se tenha tornado incompetente, mas porque deve ter percebido que a única forma do estado português pagar a multa era com o dinheiro dele.

Se nós temos défices no Estado é porque não conseguimos suportar os custos e andamos a pedir dinheiro emprestado para pagá-los. Se levamos uma multa por isso, o que o estado vai fazer é pedir dinheiro emprestado para pagar a multa. Como os únicos que nos emprestam dinheiro são os europeus, por via das garantias do BCE, íamos pagar a multa com o dinheiro deles. Ou, mais rigorosamente, íamos aumentar a dívida perante eles, porque até para pagar multas vivemos de fiado. Portanto, bastava ao senhor telefonar aos demais ministros europeus a dizer “pessoal, com que dinheiro é que aquela gente vai pagar?” para a multa ter passado a zero.

Peço desculpa se estou a estragar a festa da vitória tão aclamada de Norte a Sul, mas a verdade é que os festejos dizem muito da nossa relação enquanto país com as contas públicas. A realidade não muda só porque a nossa vida é enxameada por especialistas em Economia (daquela com “E” grande, porque com “e” pequeno vivemos uma carestia histórica) que nos bombardeiam com métricas mal engendradas que escondem de onde sai o dinheiro. E a realidade é que o Estado vive com o meu dinheiro, ou aquele que me vem tirar ao trabalho que fiz hoje, ou aquele que vai tirar ao trabalho que vou fazer amanhã. O Estado não tem dinheiro que não seja “meu” (ou seu, que me está a ler). Portanto, quando os senhores da comissão dizem que o estado tem que gastar menos dinheiro, o que eles estão a dizer é que o estado deve gastar menos dinheiro do meu e do seu, porque não vão ser os estrangeiros a sustentar a nossa mania de ser independentes.

O estranho, no meio disto tudo, é que tenham que ser os senhores da comissão a dizer para nós pagarmos menos pelo estado. Ora, pense lá bem, se o estado português vive dos meus impostos e do dinheiro que pede emprestado aos outros para eu pagar a seguir, não deveriam ser os políticos portugueses a exigir que eu pagasse menos? Pois deviam. A razão porque não o fazem é que nós os escolhemos assim, porque achamos que quem vai pagar a festa vai ser o senhor alemão. Coisa que, como podemos perceber facilmente por outros casos, não vai acontecer.

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Mas nem sempre foi assim. Eu e a esmagadora maioria das pessoas com idade para se interessar por isto, já vivemos numa era em que isso não nos passaria pela cabeça. Tínhamos uma moeda própria que se desvalorizava sozinha com os nossos excessos. Quando o estado gastava demais, emitia dívida em escudos e o Banco de Portugal imprimia notas. Para o senhor alemão da altura, era irrelevante porque não estávamos a gastar da moeda dele. Mas gastávamos da nossa moeda e esses excessos desvalorizavam o dinheiro que tínhamos na mão. Alguns de nós até vivemos no tempo em que o dinheiro que metíamos debaixo do colchão em Janeiro, perdia um terço do valor até Dezembro. Aquilo que chamam de “investimento público para fomentar a economia” não acontecia na altura, pela simples razão que muito pouco se podia fazer sem recorrer a moeda estrangeira. Para fazer uma estrada era preciso maquinaria e combustíveis. Por isso, os políticos tinham uma margem de manobra relativamente apertada. Quando resolviam “melhorar a vida das famílias” e aumentavam os funcionários públicos, estes acabavam a ganhar a mesma coisa porque a moeda desvalorizava toda. Mas nós, que não estávamos no estado, não. Nós ficávamos a ganhar menos. Este mecanismo fazia-nos eleger os políticos que prometiam controlar a inflação por impressão de moeda, o mecanismo que nos tornava mais pobres, perante um estado mais gastador. Apreciávamos o político austero que nos prometia que, com ele, o dinheiro iria desvalorizar pouco e alguns dos que chegaram até hoje faziam-nos esse tipo de promessa.

Hoje elegemos aqueles que prometem gastar mais e prometem conseguir da UE a autorização para nos tornar mais pobres. O facto do senhor alemão nos emprestar dinheiro para gastarmos mais no Estado, não nos faz mais ricos, faz-nos mais pobres. Mesmo que parte desse dinheiro que pedimos emprestado para pagar o Estado nos venha a beneficiar, vamos ficar a dever a totalidade desse dinheiro. Na verdade, só parte do dinheiro que gastamos no Estado beneficia o país e, no entanto, o país assume a totalidade da dívida. Tal como no passado o escudo desvalorizava nas nossas carteiras, hoje os euros que temos vão desaparecendo porque ganhamos alguns, mas ficamos a dever muitos.

Por mais que eu trabalhe, a dívida da minha família cresce todos os anos por causa deste desígnio de pobreza crescente. A minha família de cinco pessoas deve, por conta do estado, a módica quantia de 111 mil euros, tanto quanto a maioria das famílias em Portugal com cinco pessoas deve para morar numa casa. Pegue no seu empréstimo da casa e some-lhe 23 mil euros por cada pessoa do seu agregado familiar para obter a sua dívida total. Quando o ano acabar, já devo 115 mil. E isto se fizermos o que os senhores da comissão europeia querem, porque se fizermos o que a senhora do Bloco de Esquerda quer, vou dever muito mais. É muito mais do que uma família ganha num ano, é um montante que as famílias normalmente pedem ao banco para pagar em 30 anos. E o que fazemos quando os senhores da comissão nos dizem para termos cuidado, porque não podemos ficar a dever tanto? Nós festejamos, porque vamos aumentar o valor que devemos.

Mas se estarmos no euro e não termos moeda própria criou este efeito de pedirmos aos nossos políticos para que nos tornem mais pobres e ataquemos os comissários europeus que tentam impedi-lo, há um efeito que, não sendo positivo, é esperançoso para os nossos filhos. Esse efeito é que a dívida que está sobre a cabeça dos nossos filhos, resolve-se em 30 anos, mas também se resolve em 250 km. Como os filhos de milhares de pessoas neste país que deixaram de ter este problema porque foram trabalhar para outras zonas desta economia que vai de Lisboa até Vilnius. Aos poucos, Portugal vai desaparecendo da frente do Estado português. A maioria já nem vai votar porque, na verdade, é irrelevante para as suas vidas. E muitos começaram já a usar o facto de serem europeus para mandarem Portugal para trás das costas. Este povo que faz força por ser pobre, felizmente tem filhos que recusam sê-lo. Se é verdade que vamos empobrecendo porque vamos criando uma dívida ao mesmo tempo que trabalhamos e isso não nos afeta no imediato, para quem está a começar a vida isso funciona como um tampão, porque uma sociedade que vive para pagar impostos, não tem empregos. A nossa recusa em aceitar os conselhos da comissão europeia, leva-nos aquilo que de mais importante temos: o futuro.

Por isso estamos mais pobres a cada dia que passa e é por isso que os senhores da comissão insistem connosco. E não estamos mais pobres por azar, estamos porque merecemos e escolhemos. O mesmo ministro das Finanças alemão disse há umas semanas que a sua maior preocupação era Portugal. E isso é bom, que ele se preocupe connosco. O mau, é nós não nos preocuparmos nada e continuemos a fazer festas porque vamos para mais pobres. O lado positivo da coisa é que pode ser que os nossos filhos venham visitar os pais cá na terra. Talvez por altura das festas…

PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer