Há dias, durante conversa enfadonha, descobri não saber quem é o presidente da câmara do município onde vivo desde que nasci. Suspeito tratar-se de um homem e, talvez, de um socialista. Porém, sinceramente ignoro se é novo ou velho, não o identificaria num alinhamento da polícia e não conseguiria acertar em qualquer dos seus nomes mesmo que me oferecessem cinco milhões de euros (não ofereceram).

E isto nada tem a ver com Matosinhos, o município em causa: de seguida reflecti dois minutos e concluí, com certa surpresa, que o meu desconhecimento do “star system” autárquico se estende a Portugal inteiro. Tenho ideia de que Rui Moreira preside ao Porto e de que um misterioso sujeito chamado Medina, anda, ao que me dizem, a cavar buracos em Lisboa. E só. No resto do país, o universo do dito “poder local” é para mim um nevoeiro de figuras indistintas, que penduram péssimas gravatas para aparecer a sorrir atrás de governantes igualmente baços ou do prof. Marcelo. E q23ue, de quatro em quatro anos, penduram cartazes extraordinários a enaltecer as próprias virtudes.

Os cartazes, e o portentoso aroma a Terceiro Mundo que a maioria dos ditos exala, são, no que me diz respeito, quase o único aviso de que as eleições autárquicas se aproximam. De Norte a Sul, larguíssimas centenas de criaturas decidem publicitar na berma da estrada os seus inestimáveis (ou seja, que nenhum indivíduo são é capaz de estimar) préstimos em prol do bem colectivo. Enquanto potencial usufrutuário de tais benesses, eu passo. Passo pelos cartazes e passo, com maior rapidez, pelos abundantes debates televisivos, nos quais bandos de anónimos (para mim, insisto) discutem bicicletas, “inclusão” e “progresso sustentável”. Julgo que até os antigos maias exibiam métodos de tortura menos cruéis.

Aqui chegado, é se calhar redundante confessar que não voto nas “autárquicas”. Nunca votei. Nunca estive sequer indeciso quanto ao exercício do dever cívico, que no meu particular entendimento implica cívica e obviamente em ficar em casa. De que me valeria optar por A em detrimento de B, C, D, E e F se A, B, C, D e E tentam convencer o povo através de promessas de aeroportos, estações de TGV a cada porta ou 600 km de ciclovias? E se F se dedica a alucinações ainda mais destrambelhadas? Antigamente, as aldeias possuíam o seu maluquinho oficial. Hoje, as campanhas das “autárquicas” indiciam que os maluquinhos são inúmeros e concorrem todos a cargos políticos.

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Em abono da verdade, convém notar que, após as eleições, esses transtornos emocionais cedem lugar à realidade. Infelizmente, a realidade não é muito melhor. Para A, B, C, D e E (F, entretanto, foi internado), consiste na edificação de pavilhões inúteis, no patrocínio de “certames” (inevitavelmente “patentes” nos pavilhões), na “implantação” de rotundas, em encomendas de obras “artísticas” (entulho para enfeitar as rotundas) e nas gerais maravilhas do serviço público, consubstanciadas nos trinta e sete meses que a junta demora a remendar um canteiro. Sobretudo as autarquias existem para providenciar um salário aos autarcas, uns favores aos compinchas que ajudaram a eleger os autarcas e uns empregos à quantidade de munícipes suficiente para, em teoria, assegurar a reeleição dos autarcas.

A fim de sustentar estas vitais manigâncias, as autarquias cobram impostos, de que não consigo fugir excepto para a cadeia ou as Caraíbas. Em suma, pago os impostos, necessários à sobrevivência das instituições necessárias à cobrança dos impostos. Mas imaginar-se que, de brinde, legitimaria o saque com o meu Domingo e o meu voto já é forçar a nota. Por regra, esqueço-me simplesmente de que é dia de eleições e faço o que me apetece. Por sorte, este ano a CNE e o governo resolveram condicionar os horários do futebol e, de modo inadvertido, sugerir-me um programa de ocupação dos tempos livres. É aproveitar, que o tempo começa a ser pouco. E a liberdade também.

Nota de rodapé:

Uma destas noites, sonhei que levava a Natalie Portman a jantar fora. Guardo os pormenores comigo. Na noite seguinte, sonhei que, por insondáveis processos, assistia a uma reunião do comité central do Bloco de Esquerda, onde um@ dúzi@ de sujeit@s pessimamente lavad@s escolhia a medida mais “fracturante” e demente a impôr ao parlamento, perdão, ao governo, perdão, ao país. Partilho os pormenores convosco.

— E se, dizia um@, criminalizássemos o uso de bikini na praia, por discriminação das muçulmanas que, no usufruto da sua liberdade, desejam banhar-se tapadas até ao cocuruto?
— Acho pouco, dizia outr@. E se, além disso, obrigássemos toda a gente a vestir “burkini”, a fim de prevenir a desigualdade de género?
— Nem pensar, já que essa atitude pressupõe o género apenas binário, claramente um constrangimento fascista.
— Exacto! Temos de inserir a não-binaridade no debate!
— Claro que sim. Até o Facebook, que é americano, logo fascista, inventariou 56 géneros.
— Significa então que precisamos de estipular 56 vestuários de praia?
— E 56 lavabos nos cafés das imediações?
— No mínimo!
— E com multas pesadas para os recalcitrantes!
— O que quer dizer recalcitrantes?
— Depois vês, mas pergunto-me se fará sentido discutir um tema tão pertinente fora da época balnear.
— Pois, é quase Outubro… Mas então vamos discutir o quê?
— Talvez a mudança de sexo das crianças ou assim…
— Isso, isso. Vamos obrigá-las todas a mudar para o oposto!
— E qual é o oposto de cada um dos 56 géneros?
— É pá, não compliques…
— E se algumas crianças não aceitarem mudar coisa nenhuma?
— É porque são vítimas de uma socialização retrógrada.
— E fascista, não te esqueças.
— Desculpem: e fascista.
— Não levem a mal, mas não há hipóteses de as crianças não quererem mudar de sexo?
— Criança não tem querer!
— E se apenas permitíssemos que as crianças decidissem?
— Só permitir não tem piada…
— E se proibíssemos os pais de opinar a propósito?
— Isso sim, é falar!
— E se os pais que discordarem forem processados?
— Pelos próprios filhos? Espectacular!
— Ficamos então por aqui: os putos transformam-se na Guida Scarlatty aos 16 anos e os paizinhos calam-se.
— E os outros 54 géneros?
— Agora não chateies, pá… Já viste as horas?
— Desculpem. Fui um bocado fascista.
— Pois foste, mas já passou. Não se esqueçam que para a semana vamos debater a legalização do casamento com moluscos.
— Excelente. Quantos géneros têm os moluscos?
— Vai chatear o Camões… Tenho de me despachar para apanhar o miúdo na escola.
— O miúdo não quer mudar de sexo?
— Levava um estaladão…
— Um fascista, é o que tu és.