Um preâmbulo antes de chegar ao assunto da crónica. Vejo toda a gente de direita à minha volta zangada com o orçamento para 2016. Confesso que não os entendo. Eu afirmo-me já encantada com o documento. E mais ainda pela aprovação em bloco por toda a esquerda de tal maravilha da contabilidade pública. Terá ela endoidecido de vez?, pergunta agora o leitor. Não, não endoideci. Ainda ontem fui atestar com gasóleo o depósito do meu carro, familiar com depósito avantajado, e lá paguei mais de cem euros, conta adorável que não me aparecia já há algum tempo. Mas, graças à boa ação do governo de Costa e do senhor-professor-de-Harvard-meu-deus-Centeno, fui espoliada, desta vez e das seguintes, de mais uns euros para o Estado. E garanto que usei palavras de bom vernáculo quando vi os cento e qualquer coisa euros. Ora como eu haverá outros felizes possuidores de carros que já terão reparado como a conta dos combustíveis aumentou. E que agradeceram a Costa com o mesmo vernáculo que eu.

Pelo que é isto: o OE 2016 é tão mau que é magnífico. E quando os consumidores começarem a ver os preços dos bens a aumentar, meus amigos, a ‘narrativa’ da geringonça bem pode alardear de que foi a UE, organismo mau e vil, que obrigou a tantos impostos, que o consumidor espoliado não quer saber. Desde logo porque Costa tinha prometido gritaria lá na Europa até aquela gente ganhar juízo e sucumbirem à vontade do magnífico líder. Os aumentos de impostos têm a assinatura da geringonça e os eleitores – muito mais saturados deste saque fiscal crescente do que há quatro anos – certamente recompensarão a esquerda devidamente em eleições. E o PS, em boa verdade, nem tem a atenuante que PSD-CDS tinham: a de estar a resolver um problema criado pelos governos socialistas. Agora será a austeridade pelos autores da austeridade. Nem a redução do IRS atenuará a traição. Porque, como dizia alguém no meu facebook, vamos ter mais dinheiro para gastar em impostos.

E aqui chego aos vídeos de Costa a explicar-nos o OE 2016 (depois disto só nos falta o céu cair-nos em cima da cabeça) e ao seu esplêndido conceito de ‘dar’. Eu sei, eu sei, há quem prefira apontar as aldrabices escancaradas que Costa conta. Por exemplo quando no quarto vídeo nos informa que o novo montante a descontar por filho, substituto do quociente familiar, beneficia 80% das famílias. Conta altamente suspeita, dado que mais de 50% dos agregados familiares não paga IRS, logo não vai beneficiar do montante fixo por filho a descontar no imposto que não paga. E no terceiro vídeo também refere que o governo elimina ou reduz significativamente a sobretaxa ‘para 99,7% da população’. Contudo, deve ter sido alguma equação com números imaginários que Costa tresleu porque, outra vez, mais de metade da população portuguesa não pagava já nem IRS nem sobretaxa.

Mas foi neste terceiro vídeo que o desvario entrou em grande forma. Ora vejam. O ilustre primeiro-ministro às tantas desabafa que ‘há quem diga que tiramos com uma mão o que damos com a outra’ (escândalo! o mundo está cheio de pessoas maldosas e maledicentes). E depois, diz Costa, ‘damos às famílias 1372 milhões de euros’, valor que noutra ocasião diz que ‘são devolvidos’.

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Que complacente oferta é esta de Costa às famílias? O primeiro-ministro elenca: a redução da sobretaxa do IRS, a diminuição das taxas moderadoras, o aumento dos vencimentos, o aumento das pensões e a reposição de prestações sociais.

É fabuloso, não é? A redução da sobretaxa do IRS e a diminuição das taxas moderadoras são dinheiros das famílias, da riqueza que criaram a partir do seu trabalho (ordenados) ou da prestação de serviços como o arrendamento de uma casa (rendas) ou pela remuneração do investimento (lucros) – de que o Estado se vai apropriar um bocadinho menos. (Depois apropria-se quando consumimos, mas por instantes esqueçamos esta insignificância de 600 milhões de euros.) Onde está a dádiva?

Pelo que estamos assim: o rendimento das famílias é todo propriedade do Estado e aquela porção desse rendimento que o Estado benevolentemente não nos retira, através de impostos, é uma doação do generoso Estado aos cidadãos. Tudo a agradecer a caridade, se faz favor, de ainda vos darem um quinhão (cada vez mais pequeno, é certo) do dinheiro que o caro leitor pensava erradamente (e com inegável ganância e egoísmo) ser seu.

Num país normal António Costa seria presenteado com um casaco de alcatrão e penas depois de tamanha falta de respeito pela criação de riqueza e pela propriedade dos contribuintes. Mas por cá diz com todo o despudor que nos dá, como se fosse seu para dar, o dinheiro que sempre foi nosso. Os rendimentos das famílias, para António Costa, estão nacionalizados, portanto. Os comunistas do mundo aplaudem. O que abre muito boas perspetivas de no próximo ano, depois de descarriladas as contas de 2016, Costa não ver necessidade de tanta generosidade e nos ‘dar’ menos ainda do nosso rendimento do que nos ‘dá’ agora. Afinal é tudo do Estado. Sobretudo nada de revoltas, que os servos devem respeito aos seus donos.